CARTA A UM PAI

Caro pai,

Espero que esta possa encontrá-lo com saúde e muita paz.

O que me levou a escrever estas linhas foi um motivo que para mim, talvez, já poderia até ter sido esquecido, mas o caminhar da história, o trajeto que me surpreendeu, deixou marcas indeléveis em minha vida, o que tem me atormentado por anos.

Meu dilema se inicia em minha infância, mais precisamente aos quinze anos, até antes um pouco. Sonhava muito com minha festa e meu pai, aquele que mais amei na vida, me acompanhasse até o altar. Para mim era o máximo. Meu pai, aquele que depositei todo meu amor, responsável carinhoso e amigo, me vendo ali, e eu, como um verdadeiro prêmio a ele. Era sonho de criança. Sonho que não se escreve com giz em uma lousa e depois se apaga. São eternos e podem perdurar por uma vida.

Senti sua falta por longos e penosos anos. Sua ausência me trouxe uma condenação injusta da qual eu não fui a autora. E, portanto, não a merecia. Os valores atribuídos a mim como filha foram negligenciados, e com aquela idade infantil tive que mudar por completo minhas armas e estratégias de vida.

Ás vezes me pego pensando em ti, meu pai, e nos motivos que te fizeram partir e nos deixar assim, ao relento sem respostas. Senti naquele momento que a tristeza invadiu meu coração. Aquelas infindáveis perguntas que se amontoavam, não havia respostas razoáveis que me faria entender aquela situação.

A vida é feita de escolhas, e para ti, naquele momento foi a melhor. Não o condeno por isso, mas o vazio se fez em mim, e a cada dia se tornou mais forte.

Eu, como uma criança esperançosa, sonhadora e feliz, ter de uma hora para a outra mudar completamente o trajeto de vida, por conta de algo que não causei. Tornei-me sim, uma pessoa feliz pela metade. Não consigo esquecer esta tristeza em meu coração e se tornou uma cicatriz que creio, ficará por toda minha vida.

Nossas relações tornaram-se um elo que nos separa para sempre. Viver distante de ti, para mim foi um caos total em minha vida. Tenho chorado muito lá no recôndito de meu quarto, bem à noite tenho sentido a falta e me perguntado, qual seria o remédio para esta dor? Como poderia me safar deste eterno e pesado fardo que tem me atormentado?

A vida, como eu disse, é um livro que a cada dia escrevemos um capítulo. Os vários caminhos postos em nossas estradas, muitas vezes nos aparentam serem os mais corretos, mas de repente, aquilo que era correto, se transforma em um simples atalho e nos fará buscar, em meio a arbustos e obstáculos, o verdadeiro caminho que levará ao destino certo.

Já com outra família constituída, se é feliz, não sei. Meus sonhos contigo, que outrora seriam por completo realizados, hoje não mais. Infelizmente, ficaram para trás. A chegada dos netos, o companheirismo, o carinho que almejava por parte de ti, meu pai, já se perderam por todos estes anos.

Eu pensava antes que o sentimento que nos deixa marcas no coração era simplesmente o amor, mas a solidão se lança como uma flecha envenenada que nos faz também refém de nossas atitudes passadas. O amor, por si só, sendo um sentimento dinâmico e soberano, quando não correspondido, nos traz frustrações e desesperanças nas outras pessoas. Faz-nos desacreditar no ser humano. Mas, aos poucos vai se dissipando e outros momentos surgem. A sociedade, nossos conceitos e modo de pensar que estão em constantes mutações, vão empurrando para debaixo do tapete as intempéries de nosso dia a dia. A solidão não! A solidão é um sentimento que se revela e apresenta nas horas mais tristes de nossas vidas. Bem lá no escondidinho de nosso quarto. Nas altas horas da noite, quando não há mais ninguém passando nas ruas e os pássaros, que antes gorjeavam, agora não mais. Recolhem-se em seus abrigos.

Tenho vivido feliz dentro do que é possível. Procuro ter minha vida bem atarefada e nunca deixo minha cabeça vazia para não ficar a pensar em certos desatinos.

Volto a dizer meu pai, não o condeno por sua conduta, mas aqui existe uma filha, mãe, responsável e que talvez, se não tivesse passado por este caminho. Carregado este tão pesado fardo, não seria esta filha. Como diz a música: “Deus dá o frio conforme o cobertor”.

Dizem que por onde uma pessoa tem que passar na vida, outra não passará. Agradeço a Deus todos os dias por ter me dado forças a resistir e lutar contra as adversidades que me tomou de assalto naqueles momentos tristes e sombrios de minha vida.

Fica aqui registrado o coração de uma filha que lutou mesmo com apenas um dos braços, pois o outro em que eu mais confiava se encontrava distante do corpo, mas que conseguiu sair com vida de tudo isso.

Faço votos, meu pai, que seja feliz. Não perca a oportunidade única deste momento.

E que Deus o abençoe por onde andar.

Sua filha Lenir

genesis
Enviado por genesis em 15/07/2017
Reeditado em 15/07/2017
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