Uma carta para o amor

Me parece que nos desentendemos de novo, não é mesmo amor? Eu não quero parecer dramática nem nos fazer brigar outra vez, mas você complica as coisas entre nós.

Eu me lembro de quando nos conhecemos, do seu olhar quente cruzando o meu. Queria poder usar todas as minhas palavras difíceis aqui de uma vez, mas elas não se encaixam. Aquela foi feito ciranda de roda, que canta algumas rimas e logo é hora de sentar. Você me desafiou o tempo todo, me fazendo enxergar algo que nunca estivera ali antes, e eu, inocente, me apoiei em tuas asas. Voei, e por um tempo foi bom. Não tive tempo de fazer planos, e pelo visto você também não os queria fazer, porque era tênue nossa linha e enfim você partiu meu coração.

E eu resolvi te deixar ir, porque o amor não prende e também não se prende o amor. E se passaram semanas, um dia após o outro e eu te quis de volta.

Gritei alto teu nome, implorei para que viesse ao meu encontro. E você cumpriu meus gostos, aparecendo na semana seguinte. Mas dessa vez já me conhecia melhor, e então fez manha até ser meu; ficou vagando sem mostrar logo as suas intenções. E eu, plenamente segura de mim, acreditei controlar a situação.

Mas ninguém controla o amor e o amor por si só não é controlador, e calha dizer que ninguém te obriga a ficar onde não te pertence e que não te custa a partir quando a vista não te agrada. E você se foi, e enfim partiu meu coração.

E eu então resolvi me fazer de durona pra você. Logo eu, que deixo tão estampadas as minhas emoções, tão fácil de ler. Tola, pois você, esperto, soube chegar aos poucos novamente, percebendo minhas brechas e se encaixando suavemente nelas sem que eu me desse conta. E alguns dias depois você já estava lá me cercando. Eu, relutante, esboçava um sorriso aqui e ali, me esquivando das suas garras, mas aos poucos você foi se prendendo em mim como uma sanguessuga. E se não bastasse arrancar minhas muralhas silenciosamente, você fez morada em mim, e eu ali deixei que ficasse. E quando dei por mim, eu estava completamente envolvida em teus braços; acordava engaiolada no seu calor e me alimentava do agridoce do seu cheiro. E sua presença era tão essencial pra mim que a este ponto eu já julgava cegamente lhe pertencer.

Acontece que o amor é filho do tempo, e a marca dos dois é a inconstância. Creio eu ainda que a pior armadilha sejam os planos; eu me apoiei em seu pilar antes que você me avisasse que ela era instável. E você amor, que eu acreditava que habitava em uníssono os dois corpos, resolveu fazer sua dança e enfim partiu meu coração.

Porque o amor é um fogo de artifício: depois que explode ninguém sabe pra onde vai se espalhar. E eu ainda nas minhas perseveranças insensatas, pensei que talvez você fosse um foguete daqueles velhos, que talvez não funcionasse, talvez caísse todo em mim e me fizesse arder. Em vão. E eu percebi que o amor não é plano e também não se planeja o amor.

Um choque de realidade para que mais uma vez eu fechasse minhas portas pra você. Pensei que poderia viver sem você, e resolvi me jogar para o mundo. Estampei minha liberdade por todo canto para que você pudesse ver.

Mas por que você é tão orgulhoso, amor? Não tardou em se ofender com a minha abstinência de ti. No início eu achei que tudo estava superado, talvez a gente nem se encontrasse novamente e trilhei meu rumo oposto ao teu. E você, que as vezes parece tão maduro e sensato, na maioria das vezes se comporta como uma criança cheia de vontades, um mimado vingativo.

Eu cheia de coragem, tirando aos poucos meus pés do chão, tentando criar asas. Eu livre, ouvindo você batendo na minha porta no dia seguinte.

Incrível como a vida dá voltas e agora ela estava nos colocando nesse eterno pega-pega vicioso. Na maioria das vezes eu sentia seu rastro passando por mim; o comum aroma de hortelã e eucalipto que meu amor escolheu pra ter. Na primeira vez eu nem me dei conta do seu joguinho, parecia perfeito demais. Seu cabelo bem cortado, o cheiro bom, a roupa impecável, o sorriso maravilhoso. Falava coisas que me encantavam e me parecia que a nossa roda-gigante tinha parado novamente. Cada palavra fazia meus olhos brilharem e meu êxtase era observar cada gesto seu. Mas é assim a loucura, nós não a reconhecemos. Era ilusão, não era você. Poderia ter sido, em algum momento, caso você tenha deixado alguma faísca pra me provocar, mas eu me encantei por algo que não existia. E deixar ir embora antes de nascer é tão frustrante quando cultivar o amor. Foi quando começamos a colecionar nossos "e se". As histórias que a gente torce pra dar certo, tenta arrastar os trilhos do destino pro caminho do resto das nossas vidas. Você é tão agradável, amor. Você é aquele chá com biscoitos no fim da tarde de domingo. Mas você insistia em partir e eu já estava me esquecendo das suas maldades e foi quando comecei a te ver nos rostos por aí; todos os sorrisos de meia boca, nenhum era o seu. Quem me dera se pelo menos você partisse pra sempre. Você estava ali, diariamente se escondendo em cenas que me machucavam, embaraçando as cordas da minha vida, fazendo laços parecerem nós apertados, fazendo o sentimento confundir o sentido. E eu, ressentida, desisti de lutar contra você. Aceitei a sina do coração, o destino de ser eterna amante. O problema do amor é que não podemos doma-lo.

Acabei descobrindo que jogar com o amor é andar num labirinto de espelhos e torcer pra achar a saída. E se por acaso errar o caminho, o máximo que vamos encontrar é alguma versão de nós mesmos.