Eternamente.

Hoje não é um bom dia. Minhas memorias estão agitadas e esse se torna um conto de amor. Quando te conheci nosso relacionamento era perturbado, eu não tinha juízo. Era amante do mundo e você era toda centrada e me pegou pra conserto, investiu toda sua fé, tempo físico e mental em mim. Depois de um tempo nos acertamos e só então comecei a ser feliz. O tempo foi passando, novas perguntas foram surgindo, descobrimos que não poderíamos ter filhos e adotar não era uma opção. Acreditávamos ser jovens demais pra tentar mais um pouquinho. E o tempo, ah, o tempo. Nunca parou, desacelerava lentamente, na medida da intensidade diária do nosso amor. Tivemos tribulações, cada caroço que, com o passar dos anos, entraram em evidência para os médicos. Quando perdeu teus seios e teus cabelos para o câncer, eu imaginava ser a maior perda da sua vida, porém eu estava lá, e por incrível que pareça, meus olhos não viram nada além daquela mulher linda por quem eu me apaixonei. Tive problemas também, e você cuidou de mim em cada um deles. E, novamente, o tempo que não para. Estamos aqui, velhinhos, juntos, amantes, amigos. Perdi você e hoje, para mim, isso é um incômodo. Ver-te deitada a ponto de qualquer momento ser enterrada, morta fisicamente, porém viva com o meu amor, com as minhas emoções, minhas dúvidas. Minhas lágrimas agora cobrem o teu rosto manchado pelo tempo, lágrimas que você enxugou uma por uma com seus lábios. Lágrimas solitárias que serão assim, até o dia da minha morte, e maldito seja aquele que se atrever de mover o tempo e atrasar dia e hora do nosso encontro para a eternidade paralela que nunca há de nos separar. Fecha-se o caixão. Soa-se um "eu te amo" calado, suave, com tom de "te vejo em breve".

Rafael Calandrin.