Ela é de biológicas

Ó meu Deus, por que tamanha maldade? Estudei igual condenado. Decorei as piores palavras. Aprendi os processos mais antipáticos. Passei, Senhor. Passei com folga. Não tinha necessidade deste último detalhe. Ela já era linda, inteligente, ótima nas contas, elegante na escrita, perfeccionista nos bate papos e exata por excelência. Médica, Deus? Sério mesmo?

Ela é de biológicas, meus queridos leitores. Não sei a quanto tempo, mas ela é das ciências naturais. Forço-me a crer que foi enganada no ensino fundamental, enquanto ainda chamavam essa matéria maligna de “ciências”. Induzo-me a acreditar que a parte que mais lhe agrada é a genética, por ser a única em que as contas são minimamente relevantes. Não que os números sejam deixados de lado no resto das temáticas, mas que mitose gera dois e meiose gera quatro, até eu que sou bobo consigo sacar.

É trágico. Fomos apresentados no último ano do colegial. Não bastassem os incontestáveis desencontros da vida, deixei de frequentar o colégio logo após o vestibular. Demorei pra notar a perda. Meses depois, o reencontro. Feromônios aqui e ali. Fiquem felizes, gritem comigo! De neandertais a homo sapiens, evoluímos consideravelmente. Não cantei nem dancei, não briguei nem rugi. Abracei e chamei pra sair.

Fato é que este texto provavelmente não existiria se tivéssemos nos encontrado mais tarde naquele mesmo dia. Provocante essa garota, não apareceu mas fez questão de demonstrar interesse. Eu não sei não, às vezes acho que ela prefere relações ecológicas a relações humanas. Se for o caso, aproveito para dizer que sou adepto a protocooperação – associação facultativa, em que ambos se beneficiam.

Deus, ela precisava ter olhos tão apaixonantes? Verdes, meus amigos, verdes como a luz que vem do sol. Sei que isso nós estudamos em física, mas não podia deixar de comentar. A baboseira de que os opostos se atraem é fatídica. Eu sou de exatas, ela é de biológicas. Eu peço algo mais, ela manda que eu espere. Espero sim, espero feliz.

No meio tempo em que não nos vemos, trocamos cartas. Já escrevi a primeira, tomara que ela fique contente com a segunda. Desta vez, escolhi trabalhar como um ribossomo especialista, codificando o texto com muito zelo, ignorando os íntrons e mantendo os éxons.

Por ela, mudei totalmente a abordagem. Minhas melhores cartas são sempre acompanhadas de flores, mas agora tô inseguro pra decidir. Pedunculadas ou sésseis? Bilaterias, radiais ou amorfas? Trímeras ou pentâmeras? Jamais pensei que lembraria de todas essas bobagens, mas minha cabeça parece estar disposta a fazer um grande esforço para me guiar à loucura.

Odeio biologia, amo você. No final das contas, fico feliz que tenha escolhido fazer medicina, ao menos assim saberei que quem está mexendo com meu cérebro é uma profissional.