Ela é de humanas

Tenho desgosto por pessoas de humanas. Dá arrepios perceber que existem seres humanos capazes de confundir a contagem das horas e dos minutos num relógio analógico. Dói aos olhos ver a dúvida na face de alguém que tenta realizar com rapidez pequenas somas e subtrações. Pior ainda é constatar que os enormes textos que esse povo posta nas redes sociais poderiam facilmente ser resumidos em apenas uma ou duas frases.

Admito que nunca me interessei por geografia e que a parte teórica da língua portuguesa sempre foi um pé no saco. Talvez por essas e outras razões eu esteja tão encantado. Sempre tirei notas altíssimas em história, sociologia e filosofia, mas nunca conheci alguém que pudesse argumentar com tanta clareza quanto você. É uma mistura insana de dados estatísticos, orientações geográficas, contextos históricos e definições de grandes pensadores. Meu Deus! Ela é de humanas, e eu estou apaixonado.

Ela, lê-se a menina da aula de ética, que resolvi cursar para completar a grade curricular. Ela, vulgo a pessoinha que usa uma mochila colorida cheia de formas geométricas não determinadas. Ela, aquela que fiz questão de convidar para ser minha dupla no trabalho, porque sabia que sem ajuda não passaria de semestre. Ela, ou melhor, você.

Há quem diga que sou doente. Li exatas seiscentas e trinta e oito páginas de um conjunto de cinco livros num tempo perfeito de quatro horas e trinta minutos. Pois é, investi 56,25% das minhas desejáveis oito horas de sono em descobrir quem são Piaget e Simone de Beauvoir. Personalidades ilustres, que nada tem a ver com o que aprendíamos nas aulas de ética. Não me recordo de quando você fez menção aos dois, mas senti-me inculto e resolvi saber um pouco mais. Já disse que acho espetacular essa coisa que só vocês de humanas têm? É absurda a agilidade com que correlacionam assuntos e ideias. Com você, conversar é só questão de se deixar guiar. As vielas do bom papo parecem estar encrustadas em suas mãos e eu preciso me esforçar para manter a qualidade do diálogo.

Sabe, não que esse cabelo desleixadamente preso num coque feito com lápis seja pouco interessante, mas o contraste entre ele e suas unhas perfeitamente pintadas de vermelho é de fazer bater mais forte o coração. Não que suas bochechas rosadas sejam pouco encantadoras, mas quando seus olhos castanhos parecem olhar pra dentro da minha alma, esqueço que o mundo existe. Sabe, nunca fui de guardar detalhes, e por você já decorei cores, flores e sabores. Que loucura é essa?

Posso contar nos dedos de uma única mão a quantidade de vezes em que peguei num gráfico e não fui capaz de entender absolutamente nada. Na verdade, isso só aconteceu duas vezes, ambas contigo. A primeira, na vez em que fizemos meu mapa astral. Você disse que sou de gêmeos e eu não sei exatamente o que isso significa. Falou alguma coisa sobre vênus e câncer, mas quando inseriu a lua na história não consegui acompanhar. Mitologia, doença e astro. Até agora não entendi. A segunda, na vez em que você me mostrou seu trabalho final. Juro que fiquei com medo, era impossível extrair informação daquela bagunça.

Orgulho-me em acordar todos os dias sabendo precisamente a quanto tempo estamos juntos. É engraçado comparar como percebemos o tempo passar. Eu faço dos números o meu parâmetro, você faz dos encontros memoráveis a sua medida. Há quanto tempo a amo? Eu diria que há exatos sessenta e três dias. Você diria que não se lembra bem, mas desde que lhe comprei um bombom no intervalo entre as aulas de ética e cálculo II.

Bom, este texto é pra dizer que sim. Eu confidenciei a muitas amigas e a vários amigos que estou perdidamente apaixonado por uma mocinha de humanas. É também para dizer concordo contigo e que equação nenhuma explicará nossa ilógica afinidade, assim como nenhuma teoria de Platão, Aristóteles, Sócrates, Hume, Descartes ou qualquer pensador desses que procurei no Google poderá explicar.