diário de um cotista

Vim de um lugar onde muitos dos outros nunca passarão na porta, e almejo um dia um terço da renda mensal de um de vocês.

Nasci preto, pobre e em um morro com milhares de casas em poucos metros de lote. Meu pai está preso desde 2 meses de antes de eu nascer e recebeu mais de 30 anos de cadeia, minha mãe até hoje recebe ajuda da minha avó para cuidar de mim e meus 3 irmãos mais novos.

Apesar da minha escola não ser a pior, convivo diariamente lá com as piores espécies de seres humanos, que assim como eu não tiveram meia oportunidade e diferente de mim, escolheram o lado ruim da sua própria história.

Com muito esforço, ajuda de professores que nem colocavam tanta fé em mim, passei como cotista em uma universidade federal da minha cidade, ali era o primeiro passo para uma vida melhor para minha família, ali eu teria oportunidades que nunca me foram dadas em todos meus 18 anos de vida. Escolhi engenharia elétrica e passei com uma pontuação lá em baixo, e mesmo tão baixo, meu ego subia aos céus. Agora eu vestiria uma camisa federal assim como aqueles que moravam na beira da praia. Eu sabia que seria difícil, pois se fosse fácil não teria tanta fama de bom na tv.

Na minha escola eu me destacava, e por isso era massacrado por aqueles que iam mal. Ir mal em provas era como se fosse status dentro da escola, e, eu sempre ia bem e sempre era recebido com mil pedras na mão. Me lembro também, que no fim do ano eu era rodeado de pessoas que me odiavam mas puxavam meu saco pra eu passar cola pra elas. Eu sempre passava.

Quando cheguei na federal pensei que fosse difícil, mas nem tanto. Pensei que receberia um suporte com uma boa bancada de professores que me passariam o conteúdo da melhor forma e mais clara possível, mas disso nada tive. Me lembro como hoje de um dia que perguntei para um professor de matemática como eu faria uma divisão de fração e ele simplesmente falou “Você está em uma universidade federal, se vira.” O resultado foi um primeiro semestre fracassado. Era muito esquisito estar tão atrasado, na minha escola antiga quem se atrasava era porque era um delinquente, será que eu sou também? Falavam mil vezes no meu ouvido “estuda em casa, você consegue”, e eu sempre me perguntava: o que seria estudar?

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Viana Karl
Enviado por Viana Karl em 24/05/2016
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