CARTA: FIM BANAL

"Só quem ama tem ouvido

Capaz de ouvir e entender estrelas."

Trecho do poema "Ouvir Estrelas", de Olavo Bilac

___________________________________________

"Fiz de mim o que não soube

E o que podia fazer de mim não o fiz."

Trecho do poema "Tabacaria", de Fernando Pessoa

__________________________________________

Pois é... o amor aconteceu... por engano. Nossas profundas carências nos iludiram e delas nos tornamos vítimas. Assim, desnecessariamente, acrescentamos mais sofrer ao viver. Amor não se procura nem se acha perdido entre acasos. Cada um elabora um particularíssimo conceito deste tão enigmático e invasivo sentimento para um pacto de convivência (ou, talvez, para alguns, de conveniência...).

Nosso equívoco foi aceitar a crença tradicional que todos precisam - onde nos incluímos - a qualquer custo, amar e serem amados.

A disponibilidade com que a solidão nos envolveu pregou-nos uma peça, aquela antiquíssima tragédia humana... Creio que precisamos mais de alguém com nossos semelhantes defeitos, do que com eventuais supostas virtudes. Possuindo-se idênticas falhas, e reais virtudes, elas se tornariam um elemento facilitador na relação, talvez ou certamente propiciando um melhor entendimento, entrosamento e cumplicidade. Inútil que tivéssemos tentado exarcebar ou até mesmo falsear qualidades, mesmo vivenciando algum prazer, mas dissimulando ou ocultando o que sabemos de nossas imperfeições. Assim, realizamos ações que julgamos serem envolventes ou sedutoras, porém carentes de autenticidade. Cabe-nos, com dignidade, retirar as máscaras e disfarces.

Ah,... se tivéssemos sido bem mais autênticos no que pensamos ser, não estaríamos vivenciando o desmantelamento desta paixão, em nosso enfrentamento espelhado, à luz do fogo fátuo ainda brotando de nossos destroços. Bem melhor será a solidão absoluta, porém verdadeira, que este amor teatral, quase cínico, ensaiado e representado no palco da ilusão. Fechemos as cortinas...

Ao respeitabilíssimo senhor Bilac, eu diria que ninguém, absolutamente ninguém, ouve estrelas...

___________________________________________

Obra ficcional.