Gato Entre Pombos

Essa é uma carta de quem está pra lá do saco cheio. Não. Quem está além do saco cheio não envia cartas. Quem está de saco cheio se resume a derrear os ombros e falar: "tá, tá". E fazer aquele movimento de mão como quem diz "esquece". Eu odeio essa atitude. Tudo o que eu mais preciso é de um M4 e de impunidade. Tudo o que eu mais preciso é de um facão do Rambo e de impunidade. Cara...

Não tem diálogo e nem manifestação de minha parte que os impeça de fazer o que querem.

Há um xilindró e negrões taludos e bem-dispostos me impedindo de fazer o que quero.

Quero matar. Simplesmente.

Não há outra coisa que eu queira mais no momento do que ver o terror nos olhos dessa cambada.

Cercá-los.

Escolher um e arrancar a língua pela garganta.

Escolher outro e socar o nariz até ele se resumir a osso moído com sangue e ranho.

Abrir a barriga do outro com um bisturi. Espremendo limão.

Enfiar a cara destoutro no forno e liga o gás. Acender o fogo.

Amassar um crânio com cotoveladas.

Sabe? Ser o Dahmer do século 21...

Às vezes eu penso que vale a pena fazer o que se quer, por mais que o contrário esteja arraigado na nossa mais intrínseca moral.

Sei que a minha tão fria hediondez não é digna de louvor, mas a minha pureza é tratada como mero apêndice por vocês.

Minha contenção é o que me resta. A contagem do tempo é o que me resta; contagem do tempo de sanidade que me resta.

Tateio o limiar da loucura da mesma maneira que tateio essas facas que posso sair cravando em peitos luxuriosos.

As nossas escolhas nem sempre são nossas.

Está tudo tão visível e ninguém vê; está tudo tão tangível e todo mundo desvia o olhar. Desvia a importância.

Desvia o amor que deveria existir.

Malsinando-o cuidadosamente, diariamente.

Preponderantemente.

Triste vencer os próprios medos.

Triste cair no mundo e vencer as próprias incongruências.

Triste ser um bastião do sentimentalismo, ser um arauto da boa parcimônia dos relacionamentos.

E no lugar de descanso ser acorrentado a uma esteira na gravidade aumentada dez vezes.

Com correntes nos pés.

Com um carrasco chicoteando minhas costas.

Não me deixando descansar.

Não me deixando dormir.

Correndo sem propósito, com todas as proteínas de sanidades já quebradas.

Se espalhando pelo corpo.

Correndo junto com a corrente sanguínea.

Feito um câncer.

Câncer... A doença dos reprimidos.

Quantas vezes reprimi o desejo de me jogar na frente dos trens?

Mil? Duas mil?

Três ou quatro anos de rotina, diante dos trilhos, na ponta da plataforma, sentindo o soco do vento no rosto quando o comboio passa inclemente diante dos meus olhos, me imaginando lá embaixo, triturado, transformado em migalhas.

Hoje não mais!

Eu perguntava a Deus se custava muito responder o quanto dói morrer; se dói mais do que ficar se arrastando feito um verme ignominioso nesta vida besta.

Certa noite, a resposta veio através do Diabo: "Isso pode ser tão difícil quanto converter um covarde em herói."

"Isso não é uma resposta que se preze, vindo de você", respondi. "Você sabe pelo que anseio, não sabe?, perguntei.

Só o silêncio e a escuridão do meu quarto numa madrugada tempestuosa me sobraram como resposta.

Eu precisava de alguma espécie de vacina emocional.

Precisava virar um robô: ser cego, surdo, mudo, não ter emoções, não demonstrar cansaço, trabalhar arduamente, focado, sem pensar em recompensas, mas com o pretenso horizonte florido guardadinho no subconsciente. Moqueado pra ninguém pegar.

Aquela foto da mulher que o soldado guarda consigo.

Que olha antes de ir pra trincheira.

Sem saber se voltará com vida.

"Quando o abismo psíquico de um candidato a suicídio se transfigura em promontórios de ego, uma grande aposta saiu-se vencedora. O outrora humilhado infeliz adquire então o poder de humilhar os outros", disse-me o Diabo numa noite que eu suava profusamente, febril, cheio das moléstias, mais mentalmente perturbado do que nunca.

"Será que essa é a hora?", devolvi a pergunta ao Além.

"Por que não!?", devolveu-me a macabra voz.

Dali dois minutos me vi diante de semblantes que repousavam, que gozavam de uma noite tranquila de sono - me vi diante deles com uma marreta em mãos, erguida além da nuca, pronta pra desabar e macerar rostos jovens, ainda carregados de acne.

Uma força pareceu prender meus braços naquela posição.

Eu não conseguia desferir o golpe, tampouco desisti de fazê-lo.

Minhas pernas e meus lábios tremiam.

Até que meus dedos afrouxaram o aperto e o objeto caiu entre meus calcanhares, fazendo uma rachadura no piso.

Este, imagino, deve ter sido o momento que desisti de mim mesmo.

Desisti de priorizar a minha paz. A minha pretensa e irrealizável paz.

Agora, hoje, às vezes me arrasto derrotadamente, às vezes flutuo de forma altiva, como um anjo vingador.

Estou ficando louco e ninguém se importa.

Uma desgraça pode acontecer a qualquer momento.

Já andou por aí com uma dinamite enfiada no cu?

Se te escrevo, é porque de você que pode derivar a solução para todos nós.

Todos nós, não só por mim, mas por todos os corações que você geriu.

E agora abandona à própria sorte.

Gato entre pombos. Ou pombo entre gatos?

Responda o quanto antes, e não seja esquiva como de praxe.

Não seja resoluta na idiotice, como sempre.

Não seja filha da puta, como sempre.

Responda, por favor.

Assinado,

O merda do seu filho.

11/03/2012 - 19h30m

Rise Against - Black Masks and Gasoline

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 11/03/2012
Reeditado em 11/03/2012
Código do texto: T3548729
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