Elixir no Fundo do Poço

Outra manhã de tortura. Não sei se suporto a dor crônica de respirar tranquilamente, com todos os meus brônquios em perfeito funcionamento. Sinceramente, não sei como funcionam os brônquios, ou o que são eles. O que me atinge é a diástole em perfeita sincronia com a sístole. Elas são sincronizadas? Meu cérebro funciona, e isso é o que (des)importa. Quem precisa de mim? Eu mesmo já desisti da carcaça que carrego pra lá e pra cá a contragosto. Carcaça cuja resistência a chutes me surpreende a cada dia que sobrevivo incólume, apesar das dores, apesar das amarguras, apesar dos pesares. Não quero outra noite de insônia depois de um dia de sono profundo perpétuo inclemente indecente. Quero você, meu calmante, com seus jogos empatados, com suas dores matinais, enchendo minha cabeça - mantendo-me vivo, vivaz, loquaz; preciso dos sedativos antes de desembocar na sarjeta, antes de me deslumbrar no meu reflexo tragicômico em poças esverdeadas em teatrinhos ardilosos, com o rosto engordurado, com as mãos limosas e com a virilha suada. O pesadelo de um andarilho. Com pílulas em mãos tremulantes me fazendo indefeso, diante de agulhas prontas pra escalavrar teu nome em minha pele. Pela eternidade. Pela eternidade a doçura de um fel melancolicamente necessário. Pelo elixir ao sedento que reside no fundo do poço que carrego cá em mim.

30/12/2011 - 01h57m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 30/12/2011
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