Manuscrita, Postada, Enviada e Ignorada

São Paulo, dia 25 de novembro de 2010.

J.,

É com o cu e o coração na mão (e uma dor tremenda no antebraço direito - eu sou destro - causada pelo meu olho grande na academia) que eu te escrevo isso. Creio que foi você quem comentou em um dos meus textos com o nome de Juliana - aquele nome que atribuí a você num texto que nunca saiu da metade. E, bem, pelo "filho da puta" e pela má colocação de vírgula (hahaha perdão) só pode ser você! Isso é um sinal de que você anda lendo o que eu escrevo (ou não). E se anda lendo o que eu escrevo, deve ter SE identificado em alguns deles, em particular na seção "Cartas" do Recanto das Letras.

Não sei ao certo o que pretendo com esta carta.

Não sei o que você vai pensar de mim.

Não sei se você vai acreditar em uma palavra que eu falo.

Não sei nem o que eu escrevo, mas sei que eu TENHO que escrevê-la.

Não tenho pretensão alguma com ela - posso estar meio lesado, mas sei me colocar no meu devido lugar e compreender o que as pessoas deixam subentendido.

Eu compreendo as entrelinhas, mas não deixo de questioná-las até que eu consiga transformá-as em algo, pelo menos parcialmente, concreto.

É o que me faz escrever, praticamente.

Então.

Já tem TRÊS meses desde a última vez que a vi. (Leia-se 92 dias ou 2208 horas ou 132.480 minutos)

Parece pouco tempo, mas é tempo pra caralho!

Então vamos lá: em todo esse bocado de minutos, horas, dias, meses, eu não deixei de pensar em você EM UM ÚNICO DIA! E com que vivacidade você me vem à cabeça! Sabe, tem uma rapariga lá no trampo que sai pra fumar sempre na hora que eu vou almoçar e ela usa o mesmo perfume que o seu. É o Tarsila né? Eu que não tenho coragem de perguntar as horas pra uma mulher, coloquei-a na parede e falei: QUE PERFUME É ESSE QUE VOCÊ USA, TRUTA? HAHAHA Ela arregalou os olhos, falou o nome e saiu andando como se eu fosse estupra-la no meio do refeitório. Ela garante que eu lembre de você de segunda a sexta. É inevitável. E eu sou bem precavido e saio sempre com o meu bloco de notas e depois de comer é que sai as ladainhas que eu escrevo tentando entender porque eu gosto tanto de você.

Quando me propus a sentar e escrever esta que você lê eu tentei me livrar dos víciozinhos de escritor de meia-tigela que eu adquiri e fico desenvolvendo. Me propus a escrever como uma pessoa 'normal', que sente o vento no rosto, que paga contas e que não tem pretensão de lançar um livro e entreter os amigos com estórias impossíveis ou relatos tragicômicos. Quero escrever como a pessoa que você domina a mente sem ter feito absolutamente nada. Ou fez?

Outra coisa - além do perfume já citado - que me traz você, é o Doves. Aquelas madrugadas friorentas que ficávamos papeando na internet e que às vezes conversávamos por telefone. Eu sempre me considerei um problema no que se refere a manter conversa, mas com o tempo acabei melhorando e às vezes soando até prolixo - algo que não tem nada a ver comigo, mas é verdade haha - e com você era aquele bloqueio total. Porra, por que eu auto-depreciava a minha inteligência? Por que eu julgava a minha vida desinteressante e tinha medo de compartilhá-la com você?

Eu fiquei sabendo do macaco, do cargo da sua mãe, lembro da descrição que você fez do seu avô... Sabe, coisas pequeninas e corriqueiras e até triviais, mas que... O que eu incuti da MINHA vida em você? Nada.

Toda vez que eu ouço Doves eu sinto o teu perfume. Toda vez que eu sinto o cheiro do seu perfume eu quero ouvir Doves. Toda vez que eu estou ouvindo Doves naquele elevador na hora do almoço eu queria estar ao seu lado. De qualquer forma. Às vezes penso que seria mais proveitoso morrer e renascer na forma do seu animal de estimação só pra ficar perto de você, receber seu carinho, seus mimos, conhecer você mais profundamente, suas intimidades, enfim, tudo, tudo e qualquer coisa quixotesca e impossível e Kafkiana do gênero; tudo que me retire dessa vida estranha, desse mar de dúvidas e saudades que você instila dia após dia dentro de mim. Caralho, talvez eu force seu carisma falando isso, mas eu preciso: eu sofro.

Sofro porque desde então me relacionei com uma dúzia de mulheres. Algumas foram coisas rapidíssimas e estranhas e outras duraram coisas de um mês. E sabe o que estraga minhas tentativas de relacionamento? Você!

Me pegar pensando em você quando estou com o braço em volta de um pescoço que não é o seu. Me pegar pensando em você quando eu estou no ponto de ônibus indo me encontrar com alguma delas e começa a tocar Doves no fone. Enfim, é aí que eu vejo que estou me enganando e levando outra pessoa nessa enganação.

Sofro porque, às vezes, me permito sofrer. Trazer à tona os míseros - e, para mim, intensos- quatro dias que repousei minha retina em você tête-à-tête só pra conseguir escrever algum texto que eu sei que vai sair porque você é a minha maior fonte de inspiração literária, é a porra da Beatriz Portinari enquanto eu sou um Dante Alighieri de quinta categoria.

Fico voltando no tempo antes de dormir. Naquele dia da Starbucks que você estava toda de cinza entramos numa conversa acerca da sua descrença em amor e eu deixei no ar que você poderia mudar quando achasse a "pessoa certa" - ou coisa que o valha. E como eu queria ser tal a pessoa certa! Nas minhas quimeras pré-ronco eu fico fantasiando umas armadilhas infalíveis que eu poderia ter executado para me transformar na pessoa certa. Mas tudo o que eu fiz foi ficar calado, te olhando, sentindo alguma coisa esquisita brotando dentro de mim e, como uma criança, fiquei saboreando essa sensação que só um brinquedo novo ou aquela bala gostosa faz com os pequenos.

Eu estava assustado. Ficava estático, menosprezava a mim mesmo, te contemplava como se fosse a Gioconda (claro que infinita e peculiarmente mais linda) fora do quadro. Por que abdicar de mim mesmo? Que tipo de benefício essa reação inconsciente pode trazer pra alguém?

Só me trouxe a sua distância, só me trouxe saudades de você, só trouxe a sua preguiça de mim. Merda.

E essa preguiça foi como aquela madrasta megera que retira o brinquedo da criança, coloca lá em cima do armário até que ela, a madrasta, supõe que a criança esqueceu o brinquedo enquanto ela, a criança, sonha com o dia que poderá encontrar novamente o brinquedo. (Pior parágrafo da carta, repeti "criança", "madrasta" e "brinquedo" de forma podre, mas beleza).

Sabe que eu eu já fiz jiu-jitsu né? Tem dias que eu estou lá, perambulando pela Paulista/Augusta/Starbucks e fico pensando se eu te encontrasse... No auge da revolta por isso não desaparecer da minha alma, eu me fantasio te pegando num estrangulamento onde eu usaria o pulso forçando sua garganta e te faria umas perguntinhas:

- Por que você me ligou no dia do jogo do Brasil?

- Por que você convidou justo a mim pra ir ver Nu e Cru?

- Por que você me beijava no rosto quando nos encontrávamos?

- Por que você jurou que não me largaria quando me encontrasse novamente? Por que não cumpriu?

- Por que você me beijou na esquina da Brigadeiro com a Paulista, sem eu esperar?

- Por que você é tão linda, tão má, tão filha da puta a ponto de fazer com que eu destrua o coração das mulheres mais exuberantes que tem aparecido na minha vida?

- Por que você consegue dominar o coração de um maldito que todas falam que não tem coração?

- Por que você sumiu da minha vida, sua cretina, maldita, desgraçada?

E mais, eu falaria:

- O que você tem de especial, hein? Os pêlos da sua buceta são crespos como o de qualquer buceta de mendiga da Sé, e depois da menstruação (é, você sangra, está viva, infelizmente) você tem corrimentos fétidos como qualquer adolescente ninfomaníaca; você produz tanta cera de ouvido quanto um operador de telemarketing ativo de cobrança, seu intestino vive recheado com merda como o intestino de qualquer estuprador-pedófilo-assassino e suas axilas fedem pela manhã; você tem chulé, hemorróida, mau hálito e unha encravada. É, é isso! Ou estou mentindo? Não estou. É, você é humana e vai me responder porque dentre tantos seres humanos justamente você foi a escolhida pra tirar a minha paz de espírito sendo que tem N pessoas por aí dispostas a me fazer feliz. Hein?

Eu juro que já tentei fazer de tudo e mais um pouco pra tentar te esquecer. Não sei exatamente o que me dói. Isso não é justo comigo, não mesmo! É como se você tivesse feito um vudu hahaha ou então, como o meu amigo Carnero diz: essa mina coou o café na calcinha e deu pra você beber. É um hábito seu fazer isso? Ser esse furacão destruidor?

E o amor, hein?

Um bom tempo atrás, você me mandou um e-mail em réplica a um texto que indiretamente te citei e nele você falava que curtia uns amores "inventados" porque tinha uma visão de que "o amor é sublime demais para o ser humano, que é porco e falho". Queria saber se você ainda tem essa visão. Se ela sofreu alguma distorção.

Já a minha... Continuo a favor do bordão "existe um amor pra cada época vida". Creio ser a mais digna de credibilidade, pois na frase já está instalada a previsibilidade dos seres humanos em serem volúveis, algo contrário ao que a Sessão da Tarde colocava como POR TODA A VIDA no nosso rabo como se fosse um supositório.

É válida também aquela frase do Bukowski: "Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece."

A gente nunca conhece. E eu, infelizmente, nesta época da minha vida onde tudo parece não ter muito sentido, te conheci. Será que eu te amo?

Bom, acho que é isso. Lendo e relendo, vejo que consegui beber na fonte da sinceridade e cuspir tudo o que eu sinto sem distorção e/ou embuste nenhum.

Coloco o meu endereço porque quero uma resposta - qualquer uma. Mereço, né?

Beijos!

Ah, fiz uma tattoo no peito... Escrevi Stay Gold :)

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 08/05/2011
Reeditado em 08/05/2011
Código do texto: T2957194
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.