Eu falei. E agora?

Gostaria de desabafar meu ser, não sei ao certo, muito menos quero saber, se o faço do modo mais correto ou mais verdadeiro. Quem sabe eu devesse, mesmo sabendo que não posso, falar ao mundo tudo o que sinto, como se nada mais me importasse, como, hoje, eu sei que nunca importou.

A vida, muitas vezes, conversou comigo. Foi uma vez de manhã, minto, foi pela tarde, quando soube que minha irmã havia morrido, ela disse-me que eu devia amar tanto ao mundo, mesmo sabendo que todo mundo e que todo o mundo um dia morrerá. Sabia que seria um dia ruim, foi difícil, pelo que me lembro ver minha mãe ao lado do caixão. Foi duro para mim, creio ter sido uma das poucas vezes em que meu coração doeu tanto. Depois, de muito tempo, já passada a dor e o tormento de outrora, novamente, a vida, cruel e insólita mão de cera, falou-me novamente. Nunca conheci meu pai, mas isso nunca me impediu de viver a vida, sempre consegui sobreviver das migalhas de amor que recebia do mundo. Mas sempre, pelo menos por um bom tempo, tive ao meu querido Tio, cujo nome é irrelevante ante as desgraças da vida e do homem. Ele sempre fora com a um pai para mim. Porém, novamente, a morte o levou. E assim, fui vivendo. Até que perdi meu outro Tio, esse tio de sangue. Um tio por quem não chorei, mas me compadeci de minha avó. Nunca passei por isso, perder um filho, mas presumo ser a pior dor para uma mãe. Quiçá, seja a maior dor que elas poderão sentir em todas as suas vidas.

É engraçado pensar na vida sabia? Algumas vezes questiono-me sobre a inconstância do ser. Não seria tão tolo em plagiar o titulo da Insustentável leveza do ser, mesmo que ele caiba aqui. É assim: algumas pessoas nascem para serem livres. Isto mesmo. E aqui não falo da liberdade dos escravos ou dos índios ou ainda dos que se dizem livres. Digo da liberdade de viver. Liberdade para sentar na estrada e olhar o pôr-do-sol como se fora esse o último de suas vidas. Livres para verem um dia de sol e outro de chuva, para pensarem na morte, já que são livres, podem viver, pensando nela ou não. Eles podem tanto, mas ao mesmo tempo, tão pouco. É como se sua liberdade resumisse-se ao fato de viver toda uma vida bem vivida. Como se me importasse vivê-la de tal modo. Quero mesmo é vivê-la, seja como for. É estranho dizer isso, mas é a verdade. Quantas pessoas livres reclamam de sua liberdade? Quem me dera saber que no final do dia, eu não teria de decidir nada, não teria de tomar as decisões erradas, não teria de escolher os rumos certos ou errados ou ainda não teria de viver a vida pensando em seu vim, já que eu estou mesmo preso num caminho que eu mesmo desconheço.

Mas ainda restam muitas coisas a serem ditas. O mundo é como uma corrida de cavalos. Algumas vezes o cavalo que parece ser o perdedor, ganha força e supera o maior dos alazões. É assim a vida: quando minha cachorra teve cães, jurava que a menor não sobreviria. Mas como na corrida, o cavalo perdedor, superou o alazão, e ela ainda está viva. Sendo forte, podemos chegar até o infinito de nosso medo e lá, podemos encontrar a chama da vida. Pois é no fim da jornada que entendemos seu começo.

Hoje sempre será melhor que ontem. Mentira! Quando perdi minha irmã, cada dia parecia pior que o anterior. Quando perdi meus Tios, cada dia piorava a dor. Mas, hoje, estou melhor que ontem. Não que hoje seja melhor que ontem, mas eu estou! Entende? É difícil tentar pensar que alguém melhorou, mas que na verdade nada mudou. Tudo continua lá. Nossos corpos sempre terminarão do mesmo modo: apodrecidos. Nada pode mudar isto. É apenas um modo de pensar a vida depois da morte, sem aquelas coisas de anjos, de céu e de inferno. Mesmo porque, quando morrermos, iremos todos, sem exceção para o mesmo lugar: um grande vão negro entre aquilo que fomos e o que poderíamos ter sido, não fosse o medo de chegar a ser. Mas, digamos a verdade, será que realmente, sem o medo, chegaríamos a ser aquilo ou aquele ou aquela?

O mundo é redondo. O mundo gira. Ele não para. Ele é eterno. É a verdadeira cobra que morde o próprio rabo, num movimento de ida e de vinda que me deixa tonto e perdido como se nada mais pudesse para o mundo, nem mesmo uma vírgula. Mas se a coloco, ele para. Afinal o mundo é meu. Não é de mais ninguém. Ele é apenas um fato inescrupuloso de um grande verme chamado “EU.” Grande porque pequeno não sou. Verme porque devoro minha própria carne. Inescrupuloso, pois eu sei que faço e continuo fazendo porque o prazer que me causa, repugna a essência de minha efemeridade. Mas quão repugnante pode ser o homem? Não pode ser mais que Deus, aquele menino levado, com a lupa, olhando a sua coleção de formigas presa numa grande caixa de vidro. Ou então, não pode ser mais repugnante quanto à própria repugnância?

Não gosto da felicidade. Ela é uma invenção do medo para que os homens tentem fugir dele e o jogo torne-se mais divertido para ele. Como se o mundo, ou melhor, minha vida resumisse em fugir do medo da solidão e para isso viver um grande amor. Ou quem sabe, por medo de amar, ficar só. Ainda mais: é quando tememos o escuro, que buscamos a luz. E quando esta fica muito forte, buscamos o refúgio nas sombras, que em outrora abandonamos. É engraçado pensar, não? É por medo da ignorância, que buscamos o conhecimento. E por medo de saber a verdade, mergulhamo-nos em mentiras, em falsidades e em ignorâncias.

Mas quem disse que tudo que é mentira é ruim? Quando era pequeno acreditar no Papai Noel, fazia-me bom. Quando descobri que ele não existia, meus Natais resumiram-se a cear e, depois, de muito pouco fazer, dormir. Quando não, eram noites de espera, noites de descobertas e de mentiras. Mas eram boas. Foi assim com o amor, com a verdade e com o passar do tempo, passei a descobrir que viver mergulhado em mentiras não é tão ruim quanto parece. Outro dia disseram-me que a felicidade consiste em estar-se bem enganado. Sendo assim, mintam descaradamente para mim. Mas mintam com classe, pois é na pior das mentiras que encontro a minha verdade. É mentindo que alcançamos o coração do grande amor e por mentir, olha o medo aqui de novo, perdemos o amor que a vida nos dá.

Ainda mais, outro dia, não este, pois se não poderia dizer hoje, descobri a real essência de mim: é o outro. Sou formado pelo erótico, pelo depravado e pelo cultural. Sei que sou alguma coisa entre isso, mas o que, não sei. É idiota dizer, mas tenho: caso tenhamos o livre-arbítrio não deveria saber quem sou? Ou melhor, o que sou? Isto é, se algo eu sou.

Queria ser como Peter Pan, nunca crescer. Mas o duro seria conviver com sininho e a falta de chances de descobrir que tudo foi uma grande mentira. Um simples ponto no meio do mar da vida. Que é, ainda sim, uma simples gota no oceano do tempo. E, poderia ser uma piada, um grande nada no universo da eternidade. Mas ainda sim, devia ter vivido mais. Devia ter demorado em crescer. Deveria ter sofrido mais, ter chorado mais e quem sabe ter falado um pouco mais de mim. Nunca fale de você. É o que ensino. Mas hoje, vejo que precisamos mesmo é falar de nós e abrir o que temos dentro do coração, abrir ao mundo, deixando que o destino toque a essência de nossa alma.

Devia ter tocado mais na sua boca e dito que ela era linda. Mas eu sei algumas coisas não deviam ser ditas, outras sim. Mas como saber? Como dizer? Como mostrar ao mundo a solidão que está dentro de nosso coração e dentro de nosso âmago ser? Afinal, não sei rezar. Não sei amar. Não sei nem ao menos rimar, que sei então? Nada. Só sei que adoraria perder-me na vida à custa das aventuras dessa vida. Queria mesmo é fazer uma romaria e olhar nos olhos do Senhor, pedindo para que ele deixe de ser bom e faça do homem seu Pinóquio. Sua marionete. Que depois de vivo, sofre. E no final, quando ainda está branco da vida, vira menino e o menino vira homem e o homem vira pó. Pois, é no final da jornada que entendemos seu começo. Mas é só no começo que podemos decidir o final.

O tempo também faz parte do que sou agora. Foi com ele que aprendi a chorar no banheiro por medo de ser reprimido pelo mundo. Foi com o passar das estações que notei que as folhas caem no outono e voltam a nascer na primavera. E mais ainda, foi no final de meu tempo que entendi que a força vem da minha fraqueza e que essa é apenas um reflexo do medo que carrego no meu peito. E agora, como se fosse fácil, deixarei que a vida siga. Mas como não é fácil, termino aqui a minha temporalidade.

Mas, antes, quero dizer que: os homens que amei. As mulheres que deixei. As crianças que cuidei. Os poemas e as cartas que ‘inda escreverei. Tudo isto é apenas um ponto, dentro do que sou. Dentro da história que pretendo escrever. Dentro da jornada que desejo entender. Dentro dos sonhos que ‘inda poderei sonhar. Afinal, não podemos entender a graça do fim, antes que algo acabe.

Le Vay
Enviado por Le Vay em 20/10/2010
Reeditado em 21/01/2012
Código do texto: T2568747
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