Prezado amigo,

BSB, 08/04/10

Como vai? Eu não estou nada bem. Estou com a quilha pendurada no pescoço, aquela que singra a face dos que acreditam no impossível e no tolerável. Estou perdido, estou longe de casa, não reconheço minhas ruas, elas estão todas invertidas: o que era mão, virou contra-mão, o que era subida, virou descida, o que era doce ficou amargo. Que coisa estranha! Estou me sentindo uma estrela decadente, só que ainda não sei pra que lado devo cair; se pra direita ou para a esquerda. Esta é uma sensação nova em meu viver. Já não me re_conheço... a moldura do espelho é a mesma, mas minha imagem refletida, não é a que o cristal me oferece.

Meu amigo, você que conhece a mente humana, você que arrestou os ensinamentos de Freud, você que estudou nos livros de Jung, você que conhece os poderes do cacique Raoni, o líder dos caiapós. O quê me diz da minha doença? Sou um esquizofrênico convicto. Acredito que sou um mago, embora não seja Midas, o Rei da cidade frígia de Pessinus. Sei que você não vai acreditar, mas estive com Manuel Bandeira na Semana de 22. Eu estava lá, quando, olhando nos meus olhos, decretou: você não é um cão, você não é um gato, você não é um rato, meu Deus, você não é humano, você é um bicho! Aquelas palavras, ah, aquelas palavras! Que coisa macambúzia: continuam em minha mente ainda hoje. Elas não morrem, não têm fim, são como os parasitas da sociedade. Esta é uma realidade estranha: as mastigo, as rumino, mas não consigo engoli-las a contento. Ficam atravancadas em minha garganta. Muito raramente consigo colocá-las da boca para fora - cuspo. Que horror! Que tormenta!

Um outro detalhe: quando era pequeno, peguei um pedaço de giz na cor vermelha, risquei o chão com todas as minhas forças. As linhas atravessaram toda a extensão do quarto, se bem que, a alcova, não era lá essas coisas, mas o espaço ficou delimitado: de um lado via o norte, do outro, o sul. Por diversas vezes tentei ultrapassar aquela barreira, por incrível que possa parecer, nada consegui, continuo sem norte. Sucumbi ao duro cimento, queria passar por baixo do risco. Aqueles traços eram mais fortes do que eu. Eu os apreciei, eu os medi, eu os respeitei, embora não o desejasse. Hoje, aborrecido, percebo que nada mudou: o meu norte e o meu sul, são apenas riscos no piso daquele diminuto cômodo. Realmente meus podres poderes vêm de outras galáxias, são extra-terrestres, tudo que toco vira lixo. Meu amigo, a quilha está cada vez mais pesada, está difícil suportá-la. Mais do que nunca, fico no aguardo de sua resposta sobre o diagnóstico de minha loucura. Enquanto isto... Vivas para Freud! Viva para Jung! Parabéns para Metuktire! Vulgo, Raoni.

Um grande abraço,

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 08/04/2010
Reeditado em 04/12/2022
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