Prezado amigo André,

BSB, 19/03/10

São sete horas da manhã, estou frente a frente com o computador e provavelmente não terei coragem de lhe mandar esta carta, uma vez que nem sei o que vou escrever, mas minha vontade, neste momento, é que ela chegue às suas mãos. Confesso que estou como um vira-lata que caiu da mudança. Minha cabeça está atormentada, não estou acreditando nas notícias que pesco no vento. Sei que para você não sou a bala que matou Kennedy, muito menos as que levaram John Lennon, até porque nossa amizade nasceu e cresceu em um pedaço de noite onde falávamos sobre a escrita de um modo geral. Você, como eu, sabe que as palavras às vezes nos vêm despedaçadas, outras vezes não são suficientes para dizerem o que gostaríamos que elas dissessem em todas as suas sílabas e sons. Por vezes elas perdem o sentido dentro de um determinado contexto. Naquela noite falávamos, inclusive, sobre o poeta Manuel Bandeira e, como não sei o que vou escrever, tomo a liberdade de transcrever-lhe alguns dos seus versos que mais gosto. Creio que eles possam falar por mim e de mim.

Veja...

“Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo

Quero apenas contar-te a minha ternura

Ah se em troca de tanta felicidade que me dás

Eu te pudesse repor

No coração despedaçado

As mais puras alegrias de tua infância!”.

Como ainda não encontrei as palavras para escrever a você, lembrei-me de uma frase que cabe como uma luva nesta minha carta. Sei que ela, de algum modo, faz parte da sua vida, mas não custa lembrá-la neste momento, tão profunda e intensamente delicado: “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Isto pode soar bem ou mal. Isto pode parecer pouco, mas não é. Até ontem eu pensava que a nossa existência era apenas simbólica, tanto que por vezes pensamos que não fazemos falta, que a nossa fala não ecoa, que os nossos gestos não são importantes, que o outro, e também os outros, não precisam de nós.

Às vezes a vida me entristece, me deixa sem fôlego - apático. Quase uma estátua num canto de rua. É como disse Clarice Lispector: “nessas horas estou morto”, não encontro as palavras que quero, minhas idéias não ficam em linha, meus pensamentos perdem parte das asas. Sei que todos nós temos os nossos perrengues, as nossas dificuldades, os nossos ideais, as nossas fantasias. Sei também que os nossos sonhos não podem morrer no nascedouro. Nem os nossos versos, aqueles que ainda não passamos para o papel, mas que a todo dia compomos nos ditames dos nossos atos. É! Talvez eu devesse me calar para você! Calar de verdade! Talvez eu precisasse falar menos ou mais do que posso, talvez eu precisasse voar como o condor que abre as asas majestosamente ao redor da montanha ou correr como uma lagartixa que perdeu o rabo na disputa por comida. Talvez? Talvez! Talvez... um dia as palavras me decifrem e eu possa dizer: a lua permanece em todos os nossos sonhos e versos.

Um grande abraço,

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 19/03/2010
Reeditado em 05/12/2022
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