AO MEU PAI, DANTAS

Em uma pequenina cidade, fria, no interior da Bahia, numa ruazinha estreita, em uma casa construída, em grande parte, pelas mãos calosas de um homem forte e corajoso - o meu pai - vivi uma importante parcela da minha vida.

É sobre esse homem que quero falar, as suas bravuras, seu trabalho duro na lida da roça, seus feitos pelas estradas do Brasil na boléia de um caminhão... Foi sapateiro, maleiro, barbeiro, agricultor... E tudo o que foi preciso fazer decentemente para sobreviver e ajudar na criação e educação dos sete filhos.

Meu pai, ”painho “como nós baianos costumamos apelidar, o tempo passou tão rápido! A minha infância, adolescência, as suas idas e vindas, as histórias contadas com os filhos ao redor da mesa, “mainha” a balançar a cabeça afirmando ou discordando, e as nossas risadas estridentes, por vezes, das inúmeras façanhas em que o senhor se envolvia e para ilustrar conto aquela que ocorreu no povoado do Brejinho( Dias Coelho) em que pessoas católicas, muito devotas faziam procissão até ao cruzeiro com velas acesas nas mãos, orando e cantando em plena Sexta Feira da Paixão. O Senhor, e o meu tio Solon, colocaram dentro de um saco um gato preto e o soltou no meio das pessoas que assustadas saíram correndo, algumas gritando: “espera por mim, fulana eu vi o diabo” e esse diabo cresceu de tamanho tal, que o senhor e o meu tio, zombaram muito da credulidade, do medo e da falta de fé, daquela gente. São tantas as histórias! Sinto imensa saudade.

Lembro das noites invernadas e muito frias, do nosso fogão de lenha, de “ICO”, meu irmão voltando da rua à noite fazendo barulho com seus “causos engraçados” e nós, seus filhos, ao redor do fogo tomando café quente e resenhando sobre as notícias da cidade.

O senhor meu pai, sempre foi um homem muito forte e corajoso. Enfrentou muitas barreiras, perigos mortais, teve cinco infartos, sofre e chora a perda recente de um querido filho e em seguida da esposa e companheira de tantos anos! Bravamente, resiste ao tempo. São muitas as nossas lembranças, só um livro para relatá-las. Lembranças de tempo bom, ruim, tempo de alegrias, de tristezas, tempo de ganhos, de perdas, tempo de saudades de um tempo em que não pensávamos tanto na morte!

Estamos separados, é verdade, mas os laços que nos une são eternos. O que significa mesmo a distância física se dentro de nós os elos permanecem? A doença limitou a sua vida e a minha, estou impossibilitada no momento de fazer longas viagens, mas estamos juntos pelo amor filial, pela cumplicidade. Sei que nos reencontraremos e aí meu amado pai, vamos sim, registrar as lembranças para que se perpetuem através das novas gerações.

Aconchegado pelos filhos diletos, Dantinhas e Cau - dois anjos vindos do céu - o senhor vai levando a vida aí no nosso recanto, nossa amada Morro do Chapéu. E eu aqui em Aracaju, distante de todos vocês, mas confiante em Deus, rememoro e ressignifico as nossas confidências sobre assuntos religiosos, minha vida, sua vida, nossas andanças e nossa família, tesouro inestimável nessa caminhada terrena.

Meu amado pai, não fique triste, a jornada persiste. Caminhemos...