CARTAS AO LEO

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Campo Grande, Setembro de 2008

Kitsch? Não me admiro que você tenha cismado com esse termo; não lhe parece uma onomatopéia de espirro?

Pois é, mas, não é. O termo é oriundo do verbo alemão kitschen/verkitschen (= trapacear, vender uma coisa em lugar de outra). Lá pelos idos de 1860, no campo da arte, Kitsch passou a ser usado para nomear uma obra de arte falsificada, uma réplica. A grande responsável pela propagação do Kitsch foi a indústria cultural que reproduzia em série as obras de arte para agradar o gosto da classe média burguesa, perdendo com isso o grau de autenticidade dessas obras.

Walter Benjamin (1985), um dos integrantes da Escola de Frankfurt, alegava que, na sua reprodução, a obra de arte perde a aura, isto é, perde sua própria autenticidade, com exceção da reprodução na fotografia e no cinema em que a reprodutibilidade é, desde o início, inerente a esses tipos de produção artística.

Depois o termo adquiriu outros significados, inclusive de "arte de mau gosto", no popular: "arte brega" (embora essa classificação varie de indivíduo a indivíduo, o que é brega para fulano, pode não ser para beltrano); daí, dizerem que o Kitsch é um produto bastante característico da cultura de massa.

Apesar de ainda haver alguma confusão no significado do termo, podemos considerar, na literatura, objeto Kitsch, aquele tipo de romance meloso, de capa e espada, com nobres heróis, heroínas seqüestradas, noivas virgens, velinhos de barba branca...

Abraham Moles, professor de psicologia, sociologia e comunicação, em um livro que dedicou ao assunto, diz:

"O Kitsch está ligado à arte de maneira indissociável, assim como o falso liga-se ao autêntico. Segundo Broch¹, 'há uma gota de Kitsch em toda a arte', uma vez que toda arte inclui um mínimo de convencionalismo e de aceitação do agradar ao cliente de que nenhum grande mestre está isento." (1 – Hermann Broch, escritor austríaco)

Muito teria, ainda, a dizer do Kitsch, Leo, mas não em uma carta, pois esse fenômeno acontece nas artes plásticas, na arquitetura, decoração de ambientes, vestuário, publicidade, música, artes visuais e literatura. Só para melhor situá-lo Leo, segue um texto típico da literatura Kitsch, na transcrição de Umberto Eco, mostrando, segundo ele, o grau de banalidade das imagens:

"Ao longe sussurrava o mar. No silêncio, o vento agitava suavemente as folhagens. Uma vestimenta de seda lisa branco-marfim, bordada a ouro, exibiu suas curvas descerrando uma doce nudez sobre a qual se debruçam tranças de fogo. Nenhuma luz brilhava ainda no quarto solitário de Brunehilde. As palmas esguias ressoavam como sombras fantásticas refletindo-se na superfície de preciosos potiches chineses; entre elas, os corpos de mármore branco das estátuas antigas destacavam como espectros, [...]."

Agora você já sabe, meu amigo, quando você quiser comprar uma obra de arte de um grande mestre a preço barato, peça um Kitsch.

Inté!

RSérgio.

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