TODOS OS DIAS!

Pra você que me vê todo dia e que me diz boa tarde ou dorme com Deus. Que come minha comida ou pede pra passar uma camisa. Que entra, e sai de novo deixando ou levando uma pergunta, que abre e fecha uma porta, sem ficar nem sair. Pra você que encosta em mim, mas não me toca, que me olha no olho mas não sabe a cor do meu olhar, que sorri pra mim mas não vê que meu sorriso chora e quando me abraça, não sente o meu corpo soluçar. Pra você que não sabe que não me conhece e pensa que me ama, e que acha que ser ouvido basta...olha, eu quero contar uma história pra você.

"Uma vez houve um amor muito grande. Maior que o sol.

E feliz! Muito mais que a esperança.

Mas não deu tempo de criar raíz. Não floresceu em nenhum terreno.

E então, os amantes se perderam. Não de vez, nem totalmente, por que ele se foi, mas ficou. E ela ficou, mas se foi. E agora andam por aí, atados aos dois nós - um que é a vida e o outro que é a morte.

Ele sofre, por que pode vê-la, mas não tocá-la. Ela sofre ao contrário.

Todos os dias!

Ela está aqui, mas anda desnorteada pela insensatez do além. Ele está lá, ao contrário.

Todos os dias!

Não se encontram justamente por que se buscam tanto.

Suas mãos não se tocam, seus lábios não se saciam.

Mas continuam atados um ao outro, metade lá, metade aqui, metade morte querendo vencer a vida e metade vida querendo derrotar a morte. Amor de maldição.

Todos os dias!

E ao final de tudo, quando um dos dois, qualquer um, vencer a barreira invisível do impossível, o que acontecerá?

Juntar-se-ão, tornar-se-ão um só de novo e amar-se-ão na eternidade? Ou será que vão se olhar com mágoa e se acusarem pelo sofrimento imenso um do outro e se culparem mutuamente pela vida e pela morte vividas pela metade? Desatarão o nó do beijo e do lábio e dirão adeus?

Isso eu não sei.

Ainda não venci essa medonha barreira, que se me deixa viva aqui, me conserva morta lá, do outro lado, onde vou buscá-lo.

Todos os dias!

Ainda encontro meu amor, mas apenas dentro de mim mesma, em cada pensamento ou lembrança.

Todos os dias!

E sofro, e metade do meu sofrimento é dele por que não sei ficar se não for com ele. E ele sofre, e metade do sofrimento dele é meu, por que ele não sabe ir, se não for comigo. E assim estamos nós, meio vivendo e meio morrendo, meio querendo e meio sofrendo, meio amando e meio buscando. Eu grito e ele grita e os gritos se chocam e se despedaçam e a dor aumenta e o choro vem, separado e brigado com o alento. Vem de carona no desconsolo que também é maior que o sol. Muito maior!"

É pra você, que acredita que eu estou viva e não necessito nada mais do que o ar que respiro, que eu queria contar essa história.

Saiba que você contracena com um meio fantasma.

Todos os dias!

Fará diferença?

Não sei!

Talvez, quando eu finalmente transpuser a maldita barreira, você descubra o que é viver pela metade também. Sei com certeza, apenas uma coisa. Não me atarei a mais ninguém.

Isabel Damasceno
Enviado por Isabel Damasceno em 18/05/2009
Reeditado em 08/06/2011
Código do texto: T1600998
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