PROPOSTA DE CASAMENTO

Para quem gosta de ler biografias, uma das mais interessantes é a de Benjamin Franklin. Quando faleceu em Filadélfia, em 1790, era considerado o cidadão mais célebre do mundo. E, quando a notícia chegou a Paris, Mirabeau declarou na Assembléia Nacional, reunida especialmente para prestar-lhe homenagem: "A antiguidade teria erigido altares em memória desse homem genial que, englobandono seu espírito os céus e a terra, soube do mesmo modo acalmar tempestades e conter tiranos."

Tempestade, a propósito, era um dos seus gostos. Foi o primeiro a descobrir os princípios básicos da ciência da eletricidade, provara que um raio é a eletricidade em ação, simplesmente empinando pipas. Podia ter morrido com a brincadeira.

Além do para-raios, inventou um tipo de fogão a lenha de metal, limpadores de chaminés, óculos bifocais, cadeira-escada muito encontrada nas cozinhas americanas, vara comprida com garra de metal para alcançar mercadorias nas prateleiras altas, etc.

Foi o primeiro a apresentar uma tese cientifica (ainda hoje atual) sobre as correntes do Golfo do México e critérios para a previsão do tempo.

Ajudou a redigir a Declaração de Independência e a Constituição dos Estados Unidos (ainda hoje praticamente intacta).

Era também dotado de um espírito muito vivo e sutil. Costumava dizer: "as únicas certezas no mundo eram a morte e os impostos".

É famosa uma conversa sua em Londres, a um grupo de senhoras da sociedade, numa recepção em que fora recebido como Presidente Americano em exercício, as quais contou muito sério, que "nos Estados Unidos as baleias perseguiam os bacalhaus pelas quedas do Niágara acima."

Escrevia sobre música, protegia as artes, os poetas, os artistas em geral. Dava sempre um conselho aos jovens: "Aprende com os capazes; o que a si próprio se ensina, tem um professor néscio." Sabia o que estava dizendo. Deixou a escola as dez anos para trabalhar de aprendiz de vários oficios, foi comerciante até os quarenta e dois anos e depois, pelo resto da vida, dedicou-se a vida pública.

.................................

Para ilustrar como se manteve jovem e espirituoso até o final da vida, transcrevo a carta escrita por ele, Presidente Norte Americano Benjamim Franklin, quando já era viúvo e tinha 72 anos.

Foi endereçada a Madame Helvétius, na época com 71 anos e viúva do filósofo francês Claude Adrien Schweitzer, 1715 - 1771, conhecido como "Helvétius".

................................

" Passy, janeiro de 1780

Contrariado com a sua resolução, manifestada tão decididamente ontem à noite, de, em honra a memória de seu caro espôso, não contrair novas núpcias, fui para casa, recolhí-me ao leito, e, dando-me a mim mesmo por morto, eis que me vi em pessoa nos Campos Elíseos.

Perguntaram-me se teria o desejo de avistar-me, particularmente, com alguém. "Conduzam-me à presença dos filósofos", disse eu. "Há precisamente dois deles que moram aqui perto neste jardim, Sócrates e Helvétius", responderam-me. "Deixe-me ver Helvétius, pois compreendo francês, e de grego não sei palavra."

Helvétius interrogou-me sobre mil coisas, a propósito da guerra, e das atuais condições da religião, da liberdade e do govêrno da França. "Você não pede notícias da sua bem amada, Madame Helvétius, e ela ainda o ama fervorosamente; estive a vê-la, não faz uma hora." "Ah, - disse ele. - Você me traz à lembrança os meus dias mais felizes que se foram. Anos a fio, eu não pensei senão nela. Mas tive afinal consôlo. Tomei outra espôsa, a mais parecida com ela que se pode encontrar. Certo, não é tão formosa; mas tem o mesmo bom senso, um pouco mais de humor, e me ama infinitamente. Não poupa esforços para me ser agradável. Ainda agora, foi buscar o melhor néctar para o meu regalo esta tarde. Espere um pouco, e a verá."

"Tenho a impressão, - retruquei - de que a sua primeira companheira é mais fiel a você , pois muito boas propostas de casamento lhe teem sido oferecidas, e ela os tem recusado, todas. Confesso que fui um dos repelido, e, tudo por causa do amor que ainda lhe consagra."

Helvétius respondeu-me: "Lastimo o seu infortúnio, porque ela é, com efeito, uma boa mulher, e muito digna de ser amada."

A estas palavras, aparece, trazendo o néctar, a nova Madame Helvétius. Reconheci nesta incontinti a minha cara metade americana, Madame Franklin. Eu a teria talvez reclamado, mas ela foi me dizendo, friamente: "Fui, para você, uma boa esposa, 49 anos e quatro meses, quase meio século; contente-se com isso."

Desgostoso com a recusa, resolví, sem demora, abandonar aquelas visões ingratas, e voltar a este bom mundo, para ver outra vez voce e o sol.

Aqui estou. Vamos vingar-nos ?

Benjamin Franklin "

Consta que Madame Helvétius não gostou muito da brincadeira e novamente recusou a pitoresca proposta de casamento.

No entanto permaneceram amigos pelo resto das suas vidas.

Mas, como se vê, bom humor não tem época e nem idade.

Araçatuba-SP, 05-05-2009

.....................................