CARTA AO CIDADÃO K.

Caro RK.

Penso que ao ler os meus comentários voce já teve curiosidade de saber por que eu o chamo de "Cidadão K".

Teu texto de hoje e toda polêmica gerada em torno dele dá-me oportunidade de explicar.

Logo que eu li teu blog e o sentido da tua vida, transparente nos teus textos, ocorreu-me que voce é exemplo escancarado de um "Cidadão K", embora, também, como brincadeira, haja um jogo de palavras com a abreviação do teu nome.

O contexto dos teus assuntos, e o modo como os exprime, é que voce se propõe a discutir a "lacuna do dia".

E estimula, teus leitores, a preencherem essas "lacunas".

Os comentários dos teus leitores são explicações humanas, amedrontadas, ousadas ou desbaratadas, pelo fato de nascerem de homens em determinado sentido "livres para expressarem suas idéias", mas, por isto mesmo, sujeitos aos riscos de viverem segundo a própria opinião.

Em geral, a própria opinião, (fruto da cultura, da experiência, do meio, da profissão, entre outras coisas), é desumana, porque instiga a pensar e a refletir e a encontrar coerência e sentido na própria existência e o modo como leva a vida.

O homem é livre somente na medida em que assume interprete de sua própria pessoa.

Se não se interpreta e não se questiona, assume o risco de ser interpretado.

E será instrumento na mão de quem o interpreta e o conduz.

No teu blog o leitor é estimulado a interpretar sob pena de nada compreender; ou cair no sensacionalismo gerado a partir da impressão absurda e incorreta da primeira leitura, (como ocorreu nesta história do Piauí), justamente por não ter interpretado.

As omissões dos teus textos pedem que o leitor inscreva, nos comentários, suas interpretações; em último momento, as próprias idéias e o sentido que dá à própria vida.

Por esta razão não considero acertado deletar comentário julgado inconveniente, porque o que se escreve, (como voce mesmo gosta de dizer), não tem volta e não se apaga. Quem escreveu o que escreveu, tem a oportunidade de se confrontar consigo e, caso queira e julgue conveniente, rever os seus conceitos.

No livro "O processo", o "Cidadão K", (Joseph K), institivamente sabe que não há e nem pode haver uma leitura, da vida ou de um texto, única, unânime, aprovada e oficializada.

Sabe que a leitura e a interpretação, (da vida ou do texto), deve resultar de um processo livre por parte do leitor ou observador, segundo, como já afirmei, a sua cultura, experiência, do tempo presente, dos anseios futuros, do clima, do humor e de outros fatores.

Todo leitor deve saber que toda leitura é um ato de bravura.

De enfrentamento, com o escritor e consigo.

No processo de leitura e interpretação o leitor coloca em prova seus paradigmas e terá que lutar para mantê-los.

Por esta razão, ele deve saber que o "processo" deve ficar nos limites do "bom combate", (para usar a expressão do Padre Vieira). Aquele despido de isenção de espírito e que não tem medo de melindrar os seus e os conceitos do escritor.

Porque todo texto e toda experiência provoca ferimento que pode infectar e corroer as suas certezas.

Os teus leitores, (a maioria, talvez), pensam que o senhor RK, "Cidadão K", é um sujeito de direitos, vivendo num mundo de direitos e que detem a Verdade.

Na hipotese que isto fosse real, (e não é), pensam que o "Cidadão K" pode, a qualquer momento, reclamar os teus Direitos e impor as tuas Verdades, para sobrepor aos seus leitores.

Dai resulta o "Cidadão K" ser cobrado sobre opiniões colocadas no blog e ter que ficar dando explicações que julgam necessárias.

Não é assim.

O "Cidadão K" é igual a todos nós; é, ao mesmo tempo, autor e leitor.

A leitura e a interpretação é quem inventa um sentido para o debate.

Como o personagem do livro "O processo", o "Cidadão K" não consegue (e não deseja) criar uma interpretação para os acontecimentos que publica e sua posição é de alguém que aceita a interpretação do outro, como Joseph K , e isto basta.

Ao reverso, o leitor deve agir de modo diferente, já que, como disse, os textos exigem não uma leitura desarmada, (até pelo tema e pelo mote), mas sim interpretações.

Voce, RK, está em maus lençóis.

Ao propor um blog como o teu terá a todo tempo que se explicar, o que será cansativo.

Os teus leitores devem entender que não podem ficar eternamente a procura da "verdade", a verdade do "Cidadão K", como se ela estivesse dada ao mundo e publicada na testa, no outdoor, ou registrada em cartório, como um dogma.

Que assumam, como interpretes, que precisam discutir, (e esta é a finalidade do blog), e inventar "verdades", a verdade de cada um, para aprimorarem a discussão de paradigmas.

Que aceitem o risco de viverem num mundo de conhecimentos sem "certezas".

Que sejam laboriosos e constantes no "processo" de se conhecerem reconhecendo-se no próximo.

E que se projetem no tempo como pessoas "em construção".

Um abraço do Samuel Sajob

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Araçatuba-SP, 08 de fevereiro de 2009.

Obrigado pela leitura.