Carta ao pai

As vozes represadas permanecem

Nas sombras a falar nos ouvidos...

Não tem como escrever sobre o pai sem falar da mãe. A mãe é a minha primeira lembrança da infância. Eu tinha quatro anos e fugia de casa para brincar com os primos, ela preocupada vinha me procurar, brava com minhas fugidas... Meu pai aparece mais tarde, como uma imagem de abrigo. Eu me sentia seguro com sua presença. Tenho meu pai como um homem forte e batalhador. Com a mãe sempre doente ele tinha que empunhar o destino em suas mãos para manter cinco filhos e levar nos braços a companheira...

O primeiro brado liberta o olhar

E o sol ilumina o vale...

Pai, você sempre permaneceu ao lado da mãe... Foram noites sem dormir, dormir em bancos de hospitais, acordar de madrugada para levar a mãe no pronto socorro... Além disso, trabalhar durante todo o dia para garantir o alimento dos filhos. Meu pai, você é um herói de fato... Hoje, sei que muitas vezes você reprimia suas dores... Sei que em silêncio você chorava...

O primeiro vento proclama o ruído

Das folhas...

Hoje, a sua imagem em mim ainda vive. Pesa-me o fardo que não é meu; quando exigente sou com meus próprios sentimentos; quando não aceito meus próprios erros; quando cobiço ser perfeito; quando exagero nas criticas, não me colocando no lugar do outro... Pai, quando te expresso me traio... Também choro em silêncio.

O primeiro outono ensina o amor

Da paixão...

Filho, pai e irmão você é. Hoje, sou teu filho, teu pai e teu irmão... Enquanto escrevo esta carta, mais consciente estou da minha missão, e não me resta outro caminho a não ser perdoar a todos os pais; a todos os filhos e a todos os irmãos que encarcerados habitam minha alma. Sinto a liberdade mais próxima em cada encontro que comigo mesmo realizo... Perdoou-me!

O primeiro carinho encontra o amparo

Que cura a dor...

Agora te vejo melhor, você no seu tempo viveu as dores de seu pai. Melhor te entendo, melhor me entendo. Hoje sou um homem que tenta se desprender dos fardos que não são meus, hoje me esforço para nas suas pegadas não mais marchar, sabedor que meus passos devem comigo permanecer. Compartilho as dores, as alegrias, os encontros, os desencontros e vou tentando abraçar meu destino.

E no cerne do silêncio a verdade

Guarda o amanhã...