ANTÔNIO FRANCISCO, O ALEIJADINHO
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Notas Biográficas
"As biografias, as notas sobre os costumes, os hábitos, o físico dos escritores e dos artistas, sempre suscitaram uma curiosidade bem legítima e um prazer bem grande." (Charles Baudelaire).
Antônio Francisco Lisboa, nome de nosso maior escultor, apelidado pelo povo de Aleijadinho, é quase um desconhecido. Mesmo em Minas e em cidades onde trabalhou. O que se sabe dele é a vaga tradição: um homem do povo, deformado pela moléstia, capaz de talhar santos que pareciam ter vida.
Na Europa um artista como ele teria sido exaustivamente estudado. Seria estudado como arquiteto e construtor; como escultor, entalhador e santeiro. Sua obra estaria estampada em centenas de edições de luxo. Sua vida seria tema para as mais diversas obras de poetas e dramaturgos.
Antônio Francisco nasceu no dia 29 de agosto de 1730, no bairro de Bom Sucesso, na cidade de Ouro Preto, antiga Vila Rica. Era filho natural de Manoel Francisco Lisboa, afamado arquiteto português, e de Isabel, uma escrava africana. O pai o libertou-o no dia do batismo. Teve dois irmãos de pai e mãe. Um deles, o padre Félix, que também trabalhou em talhas.
Repete-se muito que a vocação de Aleijadinho não tinha raiz em alguma herança e cultura artística. Engano, seu pai era considerado, no Brasil, o melhor arquiteto de seu tempo. O irmão de Manoel Francisco, Antônio Francisco Pombal, era entalhador, ergueu e ornamentou a capela-mor da Matriz do Pilar, uma obra de rara beleza. Portanto, Antônio Francisco teve por mestre o seu próprio pai.
Quanto à instrução escolar, frequentou apenas o antigo primário. Mas no que diz a respeito à instrução artística, teve a da melhor, pois se formou nas oficinas do pai. O gênio fez o resto.
Segundo o biógrafo Fernando Cardoso¹, Aleijadinho era pardo escuro, de estatura baixa, corpo cheio e mal proporcionado; barba espessa, voz forte e gênio irritável. Sabe-se que até aos 47 anos gozou de ótima saúde. Até aí era um bom dançarino, não raro, tomava parte nos bailes populares. Mas este não era o seu único prazer, apreciava muito a companhia das mulheres - principalmente as de programa - e um bom vinho. Os desregramentos sexuais eram tantos que Antônio Francisco sofreu de várias moléstias venéreas.
Depois veio a terrível doença. Ainda discute-se o correto diagnóstico da enfermidade que o acometeu. É de crer que fosse a lepra, enfermidade tão antiga quanto o universo, que durante trinta e sete anos, desfigurou e mutilou Antônio Francisco, a ponto de lhe trocar o nome pelo apelido do qual ficou conhecido para sempre.
Padeceu de frequentes e violentas dores. Caíram-lhe todos os dedos dos pés obrigando-o a caminhar de joelhos; por isso, usava joelheiras de couro. Assim, com admirável coragem e agilidade, ousava subir pelas escadas acima. Os dedos das mãos se atrofiaram e curvaram. O rosto também sofreu dolorosas mutilações lhe dando uma aparência sinistra e monstruosa.
Conta-se que quando Aleijadinho comprou um cativo chamado Januário, este tentou suicidar-se com uma navalha, a servir um senhor tão feio. "É trágico para um homem com alma de artista contemplar o espetáculo da brutal decadência do seu corpo."²
No entanto, a enfermidade não abate o ânimo de Antônio Francisco. Ele não esmoreceu, ao contrário, persistiu em ser mais produtivo, em suplantar a sua própria deficiência física, criando harmonias plásticas. Mas, segregou-o da sociedade, que ele passou a evitar, pois tinha consciência da desagradável impressão que causava. De maneira que costumava a trabalhar às escondidas, debaixo de um toldo, mesmo se estivesse dentro de uma igreja. Não sendo a serviço, só saia de casa para assistir a missa. O que fazia sempre na matriz da Conceição de Antônio Dias, que ficava próxima a sua casa. Levava às costas o escravo Januário, ainda recuperando-se do corte que fez na tentativa de suicídio.
Ia para o local do trabalho, sempre de madrugada, a cavalo, coberto com uma ampla capa e chapéu desabado; só regressava a noite. Embora tenha trabalhado a vida inteira e vivendo num lugar repleto de ouro e pedras preciosas, Antônio Francisco chega aos oitenta e dois anos em extrema pobreza, quase inteiramente cego e sem ninguém que dele cuidasse; por isso, deixa sua casinha da Rua Detrás de Antônio Dias, e vai definitivamente para a de sua nora, a parteira Joana Lopes, casada com seu filho natural. Ali, Aleijadinho padeceu durante dois anos - os mais penosos de sua vida. Entrevado e cego permaneceu deitado num pequeno estrado de três tábuas com um dos lados do corpo horrivelmente ulcerado, implorando constantemente "para que o Senhor, sobre ele pusesse os seus divinos pés".
A 18 de novembro de 1814, com aproximadamente oitenta e quatro anos, dois meses e vinte um dias, o Nazareno atende suas súplicas. Seus despojos descansam na matriz de Antônio Dias, sobre uma lápide no altar de Nossa Senhora da Boa Morte. ®Sérgio.
"Contente assim minh'alma, / do doce amor de Deus toda ferida,
o mundo deixa em calma, / buscando a outra vida,
no qual deseja ser absorvida". (Anchieta)
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1 - Fernando Jorge Cardoso, O Aleijadinho, Sua Obra, Sua Vida, Seu Gênio, São Paulo: Difel, 1971.
2 – Idem, op. cit.
Ajudou na composição do texto: Manuel Bandeira, O Aleijadinho; in Seleta de Prosa, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. Imagem de Antônio Francisco: Retrato a carvão de Belmonte.
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