ÁLVARES DE AZEVEDO

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CARTAS À MÃE

 

Por volta de 1848, o jovem Manuel Antônio Álvares de Azevedo, com apenas 17 anos deixa a família na corte do Rio de Janeiro para concluir seus estudos na Faculdade de Direito no Largo São Francisco. Ele havia terminado o curso de bacharel em ciências e letras no famoso Colégio Don Pedro II e podia ter permanecido na cidade do Rio de Janeiro se optasse por estudar medicina. Mas seu desejo era Ciências Jurídicas e havia duas possibilidades: São Paulo ou Recife. Escolheu São Paulo, cidade em que nascera em 1831. A capital paulista era, então, habitada por não mais de 15 mil pessoas.

Álvares presumia transplantar para a vida de São Paulo costumes e práticas do Romantismo Europeu. Queria praticar as façanhas sentimentais dos heróis de Musset e Byron. No entanto, para sua decepção, sentiu-se completamente isolado na própria terra natal. O calçamento ruim e a iluminação precária ofereciam um bom cenário para a criatividade de Álvares de Azevedo. Veja essa cena Num Caminho, da peça Macário:

SATÃ – (...) Até as calçadas!

MACÁRIO – Que têm?

SATÃ – São intransitáveis. (...) As calçadas do inferno são mil vezes melhores.

Tal situação, o levará a repudiar diversas vezes a mesquinharia da cidade nas cartas que endereça à mãe, D. Maria Luísa Silveira da Mota, durante quatro anos.

AS CARTAS (fragmentos)

"Na minha terra só há formigas e... caipiras."

"Província intolerável [...]."

"[...] cidade colocada na montanha, envolta de várzeas relvosas com ladeiras íngremes e ruas péssimas."

"[...] era raro o minuto em que a gente não se esbarrasse com um burro ou com um padre."

"Adeus e viva que não há mais nada digno de contar-se senão que a cidade ainda não deixou de ser São Paulo – o que quer dizer muita coisa – entre as quais tédio e aborrecimento."

"Ir a bailes dançar com essas minhas patrícias que só abrem a boca para dizer asneiras acho que é tolice. Não julgue vmcê, que falo com exageração. A moça senão a mais bonita, a estátua mais perfeita em tudo [...] é uma estúpida que diz – Nós não sabe dançá porquê, etc."

CARTA À MÃE

S. Paulo, 12 junho de 1849

Tenho a vista a sua de 3 de corrente q. com mto prazer recebi.

Enquanto no Rio reluzem esses bailes a mil e uma noites, com toda a sua mania de fulgências e luzes, por aqui arrasta-se o narcótico e cínico baile da concórdia Paulistana.

Nunca vi lugar tão insípido, como hoje está S. Paulo – Nunca vi coisa mais tediosa – e mais inspiradora de spleem [enfado, melancolia] – se fosse eu só que pensasse, dir-se-ia q. seria modéstia – mas todos pensam assim – a vida é um bocejar infinito.

Não há passeios que entretenham, nem bailes, nem sociedades – parece isto uma cidade de mortos – não há nem uma cara bonita em janela, só rugas, caretas desdentadas – e o silêncio das ruas só é quebrado pelos ruídos das bestas sapateando no ladrilho das ruas.

Esse silêncio convida mais ao sono que ao estudo – enlanguesce, e entorpece a imaginação e pode-se dizer que a vida aqui é um sono perpétuo.

Passam dias e dias sem que eu saia de casa – mas que hei de eu fazer? As calçadas não consentem que um par de pés guarnecidos de um par de calos – como os meus – possam andar vagando pelas ruas – Fico em casa, e contudo por isso não estudo mais do q. qdo. no ano passado eu ia todas as noites conversar em alguma casa de família, ou num baile.

Estudo sempre, contudo – porém é como a martelo, é unicamente a força de vontade.

Diga a Nhanhã que as obras vão andando e q. prometeram-me por qualquer destes dias a toalha.

Basta por hoje, mtas. lembranças a todos – a Exma. Sra. Nhanhã, a Marianinha, Quinquins etc. etc. e lance sua benção sobre

Seu f. do coração.

Maneco.

Por aqui não há novidades, que lhe interessem além do nascimento de uma filha de Bella. Quinta-feira aqui houve teatro. Nunca vi coisa tão ruim.

É bom que se diga que Álvares de Azevedo era um rapaz estudioso, de bons costumes e intelectualizado. Com tão pouca idade, Maneco, como era conhecido pela família e amigos, já devorava dezenas de volumes de autores clássicos e conceituados da literatura universal que pedia à mãe e à irmã para trazerem da Europa. Tinha vasto domínio sobre história, arte, música e muitas outras áreas do conhecimento.

Os comentários desabusados e irônicos é fruto da imaturidade de um jovem, no tédio de uma cidadezinha provinciana, sem divertimentos e onde toda a vida intelectual se concentrava no ambiente da academia; na saudade da família, sobretudo de sua mãe (afeto mais profundo de sua vida); no ideal deixado pelas leituras dos românticos europeus e na estranha ausência de qualquer sentimento amoroso bem definido. A um amigo escreveu certa vez: "Sinto no meu coração uma necessidade de amar, de dar a uma criatura este amor que me bate no peito. Mas ainda não encontrei aqui, uma mulher – uma só – por quem eu pudesse bater de amores".

Álvares não chegou a concluir seus estudos de Direito em São Paulo, pois adoeceu de tuberculose pulmonar e, ao concluir o quarto ano do curso, vai passar as férias no Rio de Janeiro para amenizar os sintomas da tuberculose que o afligia. No entanto, ao passear a cavalo pelas ruas do Rio, sofre uma queda, que traz à tona um tumor na fossa ilíaca. Sofrendo dores terríveis, é operado - sem anestesia, atestam seus familiares - e, após 46 dias de padecimento, vem a falecer aos 21 anos, na tarde do dia 25 de abril de 1852, um domingo de Páscoa.

Leia também (clique no link):

Álvares de Azevedo – Lágrimas Malditas.

O Grande Amor de Gonçalves Dias.

Agonia e Morte de Gonçalves Dias.

Os Infortúnios de Gonçalves Dias.

Junqueira Freire, O Poeta da Amargura.

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Cartas: Antologia da Carta no Brasil. São Paulo: Moderna, 2005.

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