SOARES DOS REIS, O MAIOR ESCULTOR DE PORTUGAL

Em vésperas de Santo António, o atelier de Soares dos Reis, sito na rua de Camões, em Gaia, engalanava-se para receber visitas. Arrimavam-se as esculturas, cobriam-se de panos brancos, os esboços, penduravam-se vistosos balões, acendiam-se as velas e, para concluir, o artista suspendia enfeites, de papel crepe, de várias cores. Sobretarde, ao declinar do dia, chegavam os convidados, entre eles, apareciam: Henrique Pousão, Souza Pinto, Tomás Costa, Teixeira Lopes, Marques Guimarães, Diogo José de Macedo.Serviam-se, em bonitas bandejas de porcelana, doce de chã da “ Palaia” - estabelecimento que ficava na rua do Bonjardim, no Porto, - e biscoitos de Valongo; abriam-se garrafas de “Porto”, da Companhia Geral de Agricultura dos Vinhos do Alto Douro; e quando a festa atingia o auge, o anfitrião dedilhava, nas cordas de velho violão, trechos da “ Marcha de Luís XIV”.Conversava-se sobre Arte, e de conhecidos artistas plásticos que residiam na Cidade da Luz; os que pretendiam estar à la page, liam e comentavam o folhetim de “ A Palavra”, onde experimentado jornalista, desassombradamente, desancava na política e nos políticos da capital.Eram festas modestas, mas de intelectuais, onde imperava respeito e dignidade.Tinha o escultor índole amarga, frontalidade que se confundia de grosseria e agressividade. Os íntimos - e pouco mais, - conheciam-lhe o coração terno e a apurada sensibilidade hipersensível.Insignificante falta de atenção, frase não concluída, era bastante para o deixar em atroz ansiedade.Tinha Soares dos Reis numerosos detractores. Contribuiu para isso, o jeito agreste e rude como se exprimia.Frequentemente citava Boileau: “ Un sot, trouve toujours un plus sot qui l’admire”.Ao analisar trabalho alheio, não se inibia de declarar, se não fosse de seu agrado: “ É uma borracheira! …”Detestava os políticos, mormente os hipócritas, que para ele eram quase todos; considerava-se democrata e católico, mas poucas vezes ia à missa. Escrevia muito pouco e carteava-se ainda menos.Em dias santos realizava longos passeios a pé, por: Paço de Rei, Quebrantões, Gervide e Lavandeira. Levava casaco comprido, botas-de-elástico, nada cuidadas, e cabelo desamanhado.Fascinava-se com a beleza campestre, o sossego das bouças, o trinar dos passarinhos, o sussurrar embalador dos córregos e a beleza das flores silvestres que atapetavam os verdes campos de Oliveira do Douro.Quando se apaixonou pela delicada esposa, mudou por completo. Mandou fazer, na Alfaiataria Rocha, bonito fraque e substituiu as cambadas botas-de-elástico, por modernas de cordão. Passou a cuidar o cabelo e amiúde frequentava o barbeiro.Se o tempo não permitia andar pelo campo, recolhia-se no Clube Recreativo de Mafamude, jogando bilhar e dominó.Numa hora de extremo desespero, que o levou ao suicídio, escreveu no papel de parede do quarto: “ Sou cristão, porém nestas condições, a vida, para mim, é insuportável. Peço perdão a quem ofendi injustamente, mas não perdoo a quem me fez mal.”Soares dos Reis - o maior escultor português nasceu em Santo Ovídio (Gaia), numa terça-feira, a 14 de Outubro de 1847. Foram seus pais, Manuel Soares Júnior - proprietário de mercearia, onde o filho era marçano, - e D. Rita do Nascimento.Foi baptizado na Igreja de Mafamude pelo Padre Francisco Ribeiro de Moura, e teve como padrinhos: Santo António e D. Ana Maria de Jesus.Desde cedo mostrou tendência pelo desenho. Na escola ( a do Cabeçudo) retratou, às escondidas, o professor, o Sr. Matos. Descoberta a falta de atenção, o mestre não lhe bateu, e terminada a aula andou a mostrar, admirado, o talento do aluno.Pouco depois, os pintores Francisco José Resende e Diogo de Macedo, este último, avô da esposa de Soares dos Reis, ao conhecerem o extraordinário valor do rapaz, convenceram o pai a matriculá-lo na Academia de Belas Artes.Entrou na Escola a 1 de Outubro de 1861; seis anos depois partia para Paris, como bolseiro do Estado. Devido à guerra franco - prussiana, deslocou-se, depois para Roma, onde na rua de S. Nicolau, 4, esculpiu o fabuloso “ Desterrado”.Regressa à Pátria, em 1872, torna-se em 1881, professor da Academia Portuense de Belas Artes.A16 de Fevereiro de 1889, suicida-se na sua casa da rua de Camões, em Gaia.Casou a 15 de Julho de 1885, com D. Amélia Aguiar de Macedo. Do matrimónio nasceram: Fernando de Macedo Soares dos Reis, que faleceu com 27 anos (Estudou no Colégio dos Órfãos. Foi empregado da Foto - Bazar e do Banco Comercial do Porto. Era um entusiástico pelo Esperanto) e Raquel Soares dos Reis, que morreu solteira.Quarenta e dois anos após a sua morte - em Portugal é assim que se tratam os artistas de nomeada, porque os outros morrem à fome, se não se tornam políticos à força, - concederam à viúva e filha, a pensão de mil e quinhentos escudos mensais, por despacho de 2 de Março de 1931, do Presidente Óscar Fragoso Carmona, como gratidão da Pátria à família do genial escultor.

Humberto Pinho da Silva
Enviado por Humberto Pinho da Silva em 26/06/2016
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