Batismo da Família Sakate
 
Luiz Carlos Pais
 
Conforme consta nos registros de imigração do Estado de São Paulo, quando a família de Soichi Sakate e sua esposa Shiu Sakate chegou ao Brasil, em 18 de fevereiro de 1929, todos os seus membros professavam a religião católica. Uma condição pouco comum ao comparar com outras famílias imigrantes na mesma época, considerando que menos de 2% da população japonesa participavam do rito cristão católico. Mesmo constando que a família professava a fé católica, uma semana após o desembarque, vários membros da família, incluindo crianças e adultos, foram batizados em uma cerimônia coletiva realizada na Igreja de São Gonçalo, localizada no centro da cidade de São Paulo. Nessa mesma igreja localizada na Praça João Mendes, atualmente, ainda funciona uma pastoral de atendimento dos católicos nipo-brasileiros.
 
É possível retornar a essa cerimônia religiosa graças a uma reportagem publicada no jornal paulistano, Diário Nacional, em edição de 26 de Fevereiro de 1929, exatamente uma semana após a chegada da família. Foi um grande batismo coletivo, de um grupo de 67 imigrantes japoneses, entre os quais estavam diversos membros da família Sakate. Nos dizeres do jornalista redator da notícia a cerimônia contou com a participação de senhoritas da sociedade paulista, que foram madrinhas dos batizados.
 
A cerimônia teria impressionado aos pais, padrinhos e todos que dela participaram, quando espaço da igreja ficou tomado pela comunidade de imigrantes japoneses. O batismo foi ministrado por padres agostinianos e pelo o diretor dos jesuítas residentes num convento que havia anexo à igreja de São Gonçalo, o padre João Baptista Carreri. Confrontando o texto jornalístico com a memória fotográfica ainda existente é possível comprovar a proximidade mantida pela família com os padres e missionários católicos que atuavam na região oeste do Estado de São Paulo.
 
Os imigrantes que receberam o batismo nessa cerimônia tiveram seus nomes originais alterados, no atestado fornecido pela Igreja, por decisão dos padres que ministraram o sacramento. Foram escolhidos nomes de santos católicos para tentar substituir os nomes originais com os quais os imigrantes haviam sido registrados no Japão. Essa imposição dos religiosos era justificada com a intenção de “integrar os imigrantes nos princípios religiosos da civilização ocidental”.
 
Consta nessa reportagem que Yukio Sakate, filho mais velho de Soichi, teria recebido o nome de batismo de Paulo; sua esposa Kishino, o nome de Cecília; Nobuko Sakate teria sido batizada com o nome de Catarina; Kimico com o nome de Genoveva; Shoji Sakate, recebeu o nome de Antônio; Kan-ichi Sakate, Francisco Xavier; Sumiko Sakate, Francisca; Tomiko Sakate recebeu o nome de Rosalina e Isso Sakate foi chamado de Norberto. O patriarca, Soichi Sakate, com 43 anos, recebeu o nome de José, na nova experiência religiosa iniciada com o batismo. Para finalizar, houve um longo discurso proferido pelos padres para explicar a importância daquela cerimônia. Transcrevemos abaixo, parte da referida notícia:
 
“O batismo continuou a transcorrer com muito interesse e comoção, junto ao altar de São José, preferido pelos padres jesuítas. E quando a derradeira criança foi batizada, um dos padres agostinianos subiu ao púlpito e pronunciou um tocante discurso, muito singelo, em que louvou a providência por ter tocado a alma dos pais e das mães presentes à cerimônia, depois de haverem eles próprios convertidos ao cristianismo, a religião do perdão e do amor. Uma decisão que implicava na educação dos seus filhos de acordo com os princípios cristãos. Disse muitas outras coisas interessantes e lindas. E terminou pedindo a Deus que fizesse aquelas almas florescerem na prática do bem e que nunca permitisse que se afastassem dele. Logo que o orador desceu do púlpito, os pais se retiraram da igreja, levando os filhos ao colo, acompanhados das madrinhas em direção às residência onde foram realizados os costumeiros festejos.” [Diário Nacional, 26 de fevereiro de 1929]
 
Para finalizar, diante do desafio de adaptação às novas condições e culturas do novo país, é importante observar que, em muitos casos, imigrantes japoneses batizados na igreja católica preservaram crenças na espiritualidade do xintoísmo e do budismo, as quais são amplamente cultivas no Japão. Passa-se por uma dinâmica de sincretismo. Uma dessas tradições consiste em manter oratórios numa parte mais reservada da casa onde são dispostos símbolos sagrados e objetos usados para a prática das orações. Do mesmo modo como pode-se encontrar oratórios católicos.