Padre Benatti

Luiz Carlos Pais

Antes de ser nomeado pároco da Igreja Matriz de São Sebastião Paraíso, em 1906, o padre Aristóteles Aristodemus Benatti atuou, por alguns anos, na Diocese de Pouso Alegre, Sul de Minas, onde ministrava aulas no Seminário Maior de Nossa Senhora Auxiliadora. Documentos da época fazem referência ao “doutor Benatti”, devido a sua vasta cultura que lhe permitia ensinar, para a formação sacerdotal, Direito Canônico, Filosofia, História Geral e Eclesiástica e Hermenêutica, além de outras matérias do ensino secundário. Para homenagear à memória desse mestre religioso que deixou seu nome na história da educação paraisense, é possível recorrer ao Almanak Laemmert de 1905, no qual há um detalhado relatório com informações sobre a Diocese de Pouso Alegre. Trata-se de uma circunscrição eclesiástica criada em 1902, quando foi definido seu vasto território que foi constituído por parte do antigo Bispado de Mariana e outra parte da diocese de São Paulo. O primeiro bispo foi Dom João Baptista Correa Nery, transferido para Pouso Alegre, em 1901.

Além de ensinar disciplinas teológicas, padre Benatti ensinava Literatura no Seminário Menor, que ministrava o curso de preparação para o ingresso no Seminário Maior e também pertencia ao corpo docente do renomado Colégio Diocesano de São José, onde era responsável pelas cadeiras de Grego e Latim, sendo o corpo docente desse estabelecimento composto por quase duas dezenas de professores. Em janeiro de 1904, o referido colégio estava equiparado ao Ginásio Nacional do Rio de Janeiro. Mesmo ministrando diferentes disciplinas no Seminário e em outras escolas de Pouso Alegre, padre Benatti foi transferido, em 4 de setembro de 1906, para assumir a paróquia de São Sebastião do Paraíso, onde não havia ainda curso ginasial. Algumas famílias mais abastadas mandavam seus filhos para estudar em outras cidades, mas havia demanda para um curso ginasial, onde pudesse estudar jovens paraisenses. Assim, com apoio de um grupo de cidadãos, padre Benatti organizou o primeiro curso secundário regular da cidade, cujas aulas foram instaladas em 7 de fevereiro de 1907.

Além de dirigir o Ginásio, o pároco assumiu o ensino de algumas disciplinas, entre as quais as aulas de Aritmética. O primeiro corpo docente era composto pelo promotor de justiça, José Bento de Assis, pelo juiz de direito Luiz Sanches Lemos, pelo professor Gedor Silveira e pela professora Luiza Aurora de Aguiar Silveira. Os dois últimos educadores, por ocasião da instalação do curso ginasial, já exerciam as funções de professores primários públicos.

Fontes relacionadas à história do Seminário de Pouso Alegre mostram que havia uma centena de paróquias no sul de Minas. Nem todas estavam providas de vigário. Por longos anos, parte dessas paróquias ficou sob a direção do bispado de São Paulo, como é o caso das localizadas no sudoeste mineiro. Outra parte estava vinculada ao bispado de Mariana. Havia um enorme território sem padres. As sedes dos bispados estavam excessivamente distantes da região, o que dificultava a visita regular do bispo. Por outro lado, havia vários conflitos de interesse entre as esferas eclesiásticas e políticas, resquícios de questões mal resolvidas na passagem do regime monárquico para o republicano. Pela constituição do Império o catolicismo era a religião oficial do Estado e os cofres provinciais pagavam as côngruas dos vigários e custeava parte das despesas para manter o Culto Público. Um dos conflitos herdados desse sistema estava relacionado à criação de novas freguesias pelo governo provincial o que implicava na criação de novas paróquias, o que estava na alçada do bispado. Nem sempre havia padres disponíveis para assumi-las. Essa dificuldade de conciliar os dois poderes apareceu nas últimas décadas do século XIX, levando à criação da Diocese de Pouso Alegre.

As fontes não informaram detalhes sobre os motivos pelos quais o religioso foi transferido, inicialmente, para a paróquia de Borda da Mata e, no ano seguinte para Paraíso. Por certo, a carência de padres no sul de Minas era uma realidade, mas havia também carência de intelectuais com cultura para ensinar matérias como: Grego, Latim, Francês, Italiano, História universal, Direito canônico, dentre outras disciplinas ministradas pelo referido pároco. No expediente da Diocese de Pouso Alegre, referente ao período de março a maio de 1905, consta a portaria de sua nomeação como vigário de Borda da Mata. Alguns dias depois, o bispo assinou carta de autorização em favor do padre Benatti, concedendo-lhe licença de três meses de suas obrigações eclesiásticas. Após essa licença, houve então a outra transferência para a paróquia de São Sebastião do Paraíso. [A União. Rio de Janeiro, 21 de Maio de 1905]

A trajetória do padre Benatti foi objeto de um registro redigido por Raymundo Calafiori, inserido em um esboço histórico sobre o Ginásio Paraisense, de 1944. Trabalho esse que foi publicado em uma revista lançada por ocasião do encerramento do ano letivo do referido ano, quando os Irmãos Lassalistas estavam assumindo a administração do estabelecimento. Esse registro encontra-se redigido nos seguintes termos: “Depois do seu afastamento de Paraíso, o padre Benatti passou por diversas vicissitudes, tendo por último se retirado num convento onde, após se preparar para apresentar-se ao tribunal de Deus, morreu confortado com os auxílios espirituais com que a Igreja Católica costuma assistir aos seus filhos na hora derradeira.”

Depois de passar seis anos na direção do Ginásio, o bispo voltou a transferir o padre Benatti, dessa vez para Caracol (Andradas), no sul de Minas. Cronistas dessa cidade confirmam a vasta cultura e o ânimo empreendedor do pároco, que tudo fez para construir uma nova igreja naquela cidade. Mas esses registros deixam dúvidas sobre a permanência de padre Benatti na carreira sacerdotal, indicando sua possível mudança para o Rio Grande do Sul, onde talvez tenha trabalhado para manter a vida. Traços que mesmo diante da incerteza sinalizam a dificuldade de rastrear a trajetória do culto educador, cuja memória está preservada com a atribuição do seu nome em via pública de São Sebastião do Paraíso e da atual Andradas.

Cerca de quinze anos depois de exercer as funções de pároco em Paraíso, em junho de 1926, Benatti foi ordenado pastor da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. Jornais de circulação nacional noticiaram sua iniciação pastoral na nova denominação cristã, destacando o fato de o religioso ter deixado a Igreja Católica e que o “Doutor Benatti tinha sido vigário de São Sebastião do Paraíso”. No contexto dessa notícia foi divulgado também que o ex-padre Benatti estava proferindo conferências evangélicas e educativas em cidades da baixada fluminense. São informações publicadas em O Jornal, do Rio de Janeiro, em 22 de Junho de 1926. Também usamos como fonte a Revista do Ginásio Paraisense (1944).

Campo Grande, MS, 22 de Janeiro de 2016