Minha reta de escrever por linhas tortas

Parte do Capítulo “Não nasci para ser proletário” – Do livro em preparo:

Minha Reta de Escrever por Linhas Tortas - Memórias de uma transexual

Luciana Carrero

Meu recurso, na missão de escrever, foi sempre pautado por alegorias nas imagens que criei. E isto, para críticos conceituais de poesia, não é poesia; está me incomodando. Então, a rigor, nem mesmo Shakespeare, Camões, Quintana ou Bandeira seriam poetas, sempre. Nunca me comprometi com palavras, como sugerem estes reguladores, nas suas obras, porque nunca as sorvi total e continuamente e não considero que possam substituir a ideia poética por termos vocabulares estanques na exatidão delas (as palavras). Talvez me faltem sentires lúdicos para esta viagem intimamente promíscua com fluídos que podem saber a sabor que não me sói provar a todo tempo e a todo o custo, para me justificar ou receber o benefício de ser considerada poeta, ao preço de tornar-me ébria da palavra. Ou ainda por que seja por demais lúdica para não suportar andar como um animal com o freio na boca e fustigada pelo cavalheiro que me dominasse?

O ponto nevrálgico do não ser poeta, na concepção academicista, é mácula jogada na cara daquele que não quer ceder a um determinismo regulador que este academicismo preconiza. E é dorida afronta. Na ótica de quem se movimenta dentro de um cenário real, com multiplicidade de escolhas, no meio do universo arquitetônico da poesia, e com a liberdade que é fundamental para a arte, sabe-se que o radicalismo que tais mestres tentam impingir como regra fundamental, é da sua conta pessoal e não da aceitação dos poetas-artistas que não podem nem querem ser regulados por esta espécie de censura didática. Nós poetas não somos soldadinhos de chumbo. Somos seres humanos sensíveis, que expressamos nossos sentimentos de formas variadas, vívidas. E esta é a riqueza da literatura, da poesia, e das demais artes, no mundo.

O que sempre fiz foi caçá-las, (as palavras) pelos caminhos que andei e utilizá-las funcionalmente. Mas sempre tivemos uma certa cumplicidade, com alguma reserva estratégica, de minha parte, que delas não sou escrava; elas que, por sua vez, me atenderam a contento nos lugares e momentos adequados e deram corpo às minhas ideias; até, talvez algumas poéticas, na minha labuta do versejar e na minha lida prosaica. Ninguém é poeta o tempo todo. De onde tiraria tanta essência? E, quando tem esta essência, não pode sacrificá-la no aprisionamento de palavras. Podemos versejar, rimar, cadenciar, etc - e isto já é poesia. Podem ainda chamar de alegoria. Também ninguém é escritor o tempo todo. Estou, por isso, o sendo, enquanto escrevo o meu livro e comecei por este tema, nem sei do porquê. Talvez porque, daqui a pouco vão dizer que escrever memórias não é literatura. E não quero ser humilhada por pareceres com os quais me estranho.

Será que sou a não contista que editou o livro de contos fantásticos “Cóleras Homicidas”, em 1983; que editou o livro “Triângulo do Medo” em 2013 e a não poeta que editou o livro de poesias “Universo das Horas”, também em 2013, pela Editora Agbook, de São Paulo? Será que sou a não memorialista que estarei lançando, este livro de memórias "Minha Reta de Escrever por Linhas Tortas? (Luciana Carrero, produtora cultural, reg. 3523, Secretaria Estadual de Cultura/RS)