MARIA, UMA HISTORIA DE LUTA E SUPERAÇAO

Dona Maria Polina da Conceição Filha, 76 anos, mãe de 10 filhos biológicos e 7 enteados é um claro exemplo de superação. Nesta entrevista ela nos mostra que o resultado da luta é sempre satisfatório ainda que todo o mundo conflua para nos pregar peças difíceis de serem enfrentadas.

Ela contou que em meados de 1953, com 18 anos, depois de morar toda uma vida com seus pais e irmãos, surpreendentemente perdeu o pai que durante trinta dias vinha queixando de uma forte dor estomacal. Dona Maria Polina já havia perdido cinco irmãos com a idade entre nove e quatorze anos, mas a morte do pai foi segundo ela a maior catástrofe ao redor do mundo dela. O universo desandou! Não se sabe se por fatalidade ou ironia do destino, dois anos mais tarde, a mãe que havia ficado doente acabou falecendo, deixando Dona Maria Polina numa casa de paredes de pau - a - pique, telhado coberto com casca de árvores nativas, já que a moradia que o pai iniciara a construir não ficou pronta, e, com a responsabilidade de cuidar de duas irmãs, uma de 12 e a outra de 2 anos e nove meses.

Apesar das tragédias sofridas e danos irreparáveis Dona Maria Polina, na época com apenas vinte anos e um fado gigantesco para carregar sobre as costas, não baixou a cabeça. Ela conta que partiu em busca de emprego para sustentar a casa. “Nada foi fácil, uma vez que eu não tinha muitas opções de trabalho, já que além da casa do meu pai, apenas uma tia, madrinha da minha irmã caçula morava por ali. Com muito sacrifício, acabei encontrando emprego na lavoura. Para trabalhar ia acompanhada da irmã de 12 anos, enquanto nossa tia ficava com a menorzinha. A vontade de vencer era grande e somente Deus mudaria meus rumos”, disse emocionada.

Dona Maria Polina contou também que começou a trabalhar na roça aos dez anos ajudando o pai, mas que era um trabalho mais leve, apenas de apoio e que com a perda dos pais o trabalho passou a ser bem mais duro e cansativo ao ponto de ser desumano. “Mas eu que era alimentada pelos meus pais, passei a ter três bocas para alimentar. Passei quatro anos em total sofrimento. Não tinha hora para dormir, tampouco para acordar”.

Dona Maria contou que passados os quatro anos, trabalhando ali naquele lugar chamado Sítio já não aguentava mais. “Minha irmã menor morreu e eu fui acometida por uma doença que deu certeza aos meus tios de que chegara o meu fim. Do quarto, onde ficava a cama em que eu passava dias e dias deitada sobre ela eu via as tábuas prontas para serem planeadas e transformadas num caixão após a minha morte. Ouvia cochichos dos parentes que vinham de longe para me visitar e dizer uns para os outros que eu não passaria daquele dia. Assim foi um ano e nove meses”, relatou.

De acordo com Dona Maria Polina, depois de um ano e nove meses, ainda com alguns sintomas da enfermidade, ela e sua irmã foram para a Aroeira, terra dos meus avôs paternos, mas de início não pode trabalhar, pois necessitava ficar em repouso absoluto para a cura total da doença que a deixou muito inchada e fraca.

Ela continuou contando que já com a idade de 23 anos, ali na propriedade do avô reencontrou Antônio Aurora. Reencontrou porque antes, quando criança ela morava ali e lhe dava a bênção. Agora Antônio Aurora já não era mais casado, fazia dez anos de separado da esposa. Encantou por Dona Maria Polina e a queria para casar-se, de papel passado e tudo, porém precisava de um tempo de quatro anos, para divorciar-se da outra. Pediu autorização ao avô da moça para levá-la consigo. O avô não aceitou, dizendo não ser Antônio Aurora o homem certo, pois este já havia sido casado, tido oito filhos, dos quais um veio a falecer com sete dias de nascido. Dona Maria Polina conta que: “Ao mesmo tempo em que o meu avô era contra o “ajuntamento”, todos os meus parentes conspiravam contra mim, dizendo que eu não servia para morar mais ali. Foi então quando tomei a decisão de ir embora com o Antônio”, disse. Com Antônio Aurora ela teve 12 filhos, dos quais 2 morreram com o chamado mau de sete dias.

Dona Maria Polina explicou que foi morar com Antônio Aurora num local bem próximo da Aroeira chamado Bebedor, na casa da cunhada de mesmo nome, Maria que hoje está om 88 anos. Ficou na casa da cunhada somente um ano e, logo, mudou para o Areãozinho, no Cantinho com o marido e uma filhinha recém- nascida. Ali no Cantinho teve mais uma menina e, depois veio dois homenzinhos que morreram.

“Tive duas menina mulher, a Luzia e a Luzinita, depois veio um menino homem que morreu com sete dias de nascido, quando fiquei grávida de novo que nasceu foi outro menino homem e morreu sete dias depois. Fiquei apavorada. A parteira disse para eu trocar de quarto e bem assim eu fiz. Quando fiquei grávida de novo passei a gravidez com muito medo de o meu filho morrer, mas dessa vez não aconteceu nada, passou a noite em que ele completou sete dias e veio a madrugada e ele estava respirando, agradeci muito a Deus. Depois disso vieram mais seis, todos com muito vigor. Acho que Deus sabia que futuramente eu ia precisar de todos eles”, brincou

No Cantinho Dona, por mais de nove anos, Dona Maria dividia suas tarefas entre cuidar dos filhos e “lambicar”, moendo cana para fazer rapadura e cachaça por cerca de nove anos. Durante todo o período suas vestes não passavam de dois vestidos, o chamado bate e torce, às vezes dormiam apenas com as roupas íntimas que ela chama de roupa de baixo, enquanto o vestido secava para que no outro dia ela pudesse vestir para garrar na lida.

Depois de tudo isso e sem saber o que era ler ou ir à escola mudou com o marido, uma filha de nove anos, outra de sete e o filho homem ainda no colo para Cana Brava e passou a orar numa casa de adobe que o marido comprara com muito sacrifício, juntando o dinheiro do casal, na verdade, vendeu uma casa do sítio e comprou uma no povoado de Cana Brava, mas logo, a trocaram por um pequeno sítio dando um revólver calibre 22 como volta. O sítio ainda estava em mata virgem, nenhuma trilha a golpes de fação existia. Antônio Aurora construiu com ajuda da esposa, Dona Maria Polina, um casebre de pau - a - pique, um pequeno tanque feito de cavador e um pequeno curral de madeiras. Foi ali com imenso sofrimento e ajuda de vizinhos que deu a luz a mais seis filhos sadios, totalizando duas mulheres e oito homens vivos.

Com 43 logo que deu a luz ao último filho, novamente foi acometida por uma doença que a deixou quatro anos de cama, tossindo, vomitando e escarrando catarro misturado ao sangue vivo. “Agora sim, eu vou morrer”, disse que erro somente no que pensava. “Mas todos os momentos eu pedia a Deus para prolongar meus dias até que meus filhos crescessem e tomassem seus rumos”, afirmou.

Questionada sobre o fato de ela não ter ido procurar um médico Dona Maria Polina disse ser impossível, uma vez pela questão financeira para sair do povoado e outra que no povoado não havia médico.

Dona Maria Polina conta que por volta de 1978, apareceu um médico chamado doutor Galvão enviado pelo governo federal para atender aos pacientes do povoado. Foi quando ela conseguiu uma consulta e apesar de o posto de saúde não contar com aparelhagem, foi diagnosticado pelo médico uma suposta tuberculose. Ela disse que o médico receitou uma sacola de remédios e proibiu tudo em relação a friagem. O tratamento durou seis meses, tempo suficiente para ela sentir que estava se curando “Depois de Deus, foi doutor Galvão que salvou a minha vida. Médico que eu nunca mais o encontrei. Acho que foi um anjo enviado por Deus, não tem outra explicação”.

Dona Maria continuou relatando que na década de 1990, tempo em que os filhos já havia crescido trouxe ela aqui em Goiânia para um check-up e os médicos daqui, através de exames feito a partir de raios-X diagnosticou sinais da cura da tuberculose e que apesar de ter perdido todo um pulmão e metade do outro ela está totalmente curada. O que ela ainda não conseguiu largar foi o vício do tabaco que carrega desde a adolescência aos dias atuais.

Em 1989, após venda do sítio, mudou novamente com toda a família para o perímetro urbano do antigo povoado de Cana Brava, hoje Wanderley.

Em 1999, já aposentada como trabalhadora rural e após ficar viúva de Antônio Aurora, falecido aos 84 anos, mudou em definitivo com os filhos que ainda moravam com ela para a cidade de Goiânia, onde já morava a maioria dos seus filhos. Depois de morar de aluguel no Jardim Balneário Meia-Ponte, por um ano e no Setor Urias Magalhães durante uma década, há três anos dona Maria Polina passou a residir numa casa própria nos Residenciais Jardins do Cerrado, com alguns dos filhos que ainda estão solteiros, um dos quais é presidente da Associação dos Moradores dos Residenciais Jardins do Cerrado e Mundo Novo.

Ela nos conta que no povoado do cantinho, a primeira vez em que o povo viu um avião, correu mata adentro temendo ser uma nova guerra.

Um detalhe interessante é que Dona Maria Polina não frequentou a escola, é considerada analfabeta, porém, contrariando o esposo colocou todos os filhos na escola. Atualmente, todos eles possuem no mínimo os conhecimentos básicos escolares. O filho mais novo, por exemplo, é formado em Letras pela Universidade Federal de Goiás, articulista do Caderno Opinião Pública deste jornal e autor de três obras literárias, caminhando para a quarta. Os outros filhos, uns estão casados e constituíram famílias e os que ainda não se casaram mora com ela.

Sobre o fato de a mão não ter tido condições de frequentar uma escola, o filho escritor relatou: “Sem ter a oportunidade ela foi tão vitoriosa, imagina o que seria se tivesse conseguido se alfabetizar. Na verdade eu nem a considero analfabeta, pois pensa num supermercado cheio de variedades, milhares de produtos e se você pedi para que ela compre um extrato, por exemplo, você não vai receber uma lata ou um copo de doce. Analfabeto não é aquele que não teve oportunidade de ser letrado, mas o analfabeto imoral, aquele que estaciona na vaga dos portadores de necessidades especiais, aquele que mesmo graduado não se levanta de um banco do ônibus para oferecer a vaga a uma pessoa mais velha e assim por diante.

Dona Maria Polina finaliza dizendo que sua maior felicidade é ter vencido séculos, ter conseguido ver os filhos crescerem com saúde e praticar a honestidade que tanto ela quanto o pais os ensinaram desde criança.

Dona Maria toma algumas medicações para controlar a pressão arterial, mas garante que vive muito bem e feliz. Ela também confessou ser grata ao Estado de Goiás e à cidade de Goiânia por cuidar tão bem dos seus filhos e dela.

Um dia desse ela realizou um sonho: recebeu em sua casa a visita do atual Prefeito de Goiânia Paulo Garcia.

Gilson Vasco
Enviado por Gilson Vasco em 11/12/2012
Reeditado em 25/03/2017
Código do texto: T4031278
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