ÀS PORTAS DE DAMASCO

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Não é muito comum na nossa literatura contemporânea, a prosa-poética em biografias. Entretanto, Humberto Rohden* - filósofo e educador – em sua mais empolgante obra Paulo de Tarso (São Paulo), contraria totalmente esse costume. Escrita num momento de suprema inspiração incrusta com magia poética a biografia do maior Bandeirante do Evangelho. Transcrevo, a seguir, como nota biográfica, o enxerto em que ele narra a conversão de Saulo (Paulo):

Corria o ano 34 ou 35 de nossa era.

Meio-dia.

Espessa nuvem de poeira se levanta na extensa planície da Síria [...].

Ao longe aparecem, por entre verdejantes pomares e tamareiras, umas cúpulas brancas, uma floresta de esguios minaretes; grupos maiores e menores de casas se a vistam.

Damasco!

A fulminante caravana estimula as cavalgaduras. Velozes deslizam sobre as brancas areias as sobras fugazes dos camelos.

A frente de todos, um homem em pleno vigor da idade. De estatura media e compleição franzina, domina todos os mais com a potência de seu espírito e o vigor de sua vontade. Vem munido de documentos do sinédrio; está autorizado a prender todos os adeptos do Crucificado, homens mulheres e crianças, que em Damasco encontrar. [...]. Tinha carta branca. Podia invadir as casas, de dia e de noite, dar buscas e devassas, empregar torturas e instrumentos de suplício que não faltavam nos subterrâneos das sinagogas. Flagelações com 40 golpes menos um estavam na ordem do dia.

Bem sabia Saulo que Damasco era o foco do radicalismo pró-Nazareno.

De súbito – um fulgor estranho – uma claridade intensa!...

Saulo jaz em terra...

No meio da luz, divisa o semblante de um "homem celeste"... Um par de olhos profundos, cheios de eternidade, se cruza por um momento com as pupilas de Saulo...

E logo depois - completa escuridão...

E, no meio dessa noite em pleno meio-dia, percebe ele um brado ingente como um trovão:

"Saulo!... Saulo!..."

E depois com a voz plangente de incompreendido amor, tremula pelo espaço o eco longínquo duma voz misteriosa:

"Por que me persegues?"...

Saulo levanta os olhos crava no céu as órbitas – e nada enxerga...

Cegueira completa...

E pelas trevas meridianas vibra, firme e viril, esta pergunta:

"Quem és tu senhor, a quem eu persigo?"

Momentos de silêncio... Instante de indivisível angústia... Transes de ansiosa expectativa...

Saulo sempre plenamente ele mesmo que saber quem é esse invisível acusador. Está pronto a servir a um "senhor" que tenha o direito de lha dar ordens: mas não está disposto se render a um desconhecido, a um Ser anônimo, talvez um fantasma quimérico. [...]. Eminentemente racionalista exige o derrotado que o seu misterioso vencedor se declare, se identifique, apresente as suas credenciais. [...]:

"Quem és tu, senhor?"

Oh! Inaudita temeridade!

O Nada definição ao Todo!

E o todo lá das alturas, se defina ante o nada, que jaz prostrado no pó, cego e aniquilado...

"Eu sou Jesus a quem tu persegues..."

Foi o momento trágico...

Foi o golpe fatal...

E neste momento ruiu, ferido de violento terremoto, o soberbo palácio da teologia judaica de Saulo, e sobre essas ruínas se levantaria o templo magnífico do cristianismo de Saulo. ®Sérgio.

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(1) Humberto Rohden nasceu em Tubarão, Santa Catarina. Formou-se em Ciências, Filosofia e Teologia em Universidades da Europa. Trabalhou como professor, conferencista e escritor com mais de 60(sessenta) obras sobre ciência, filosofia e religião. Não está filiado a nenhuma igreja, seita ou partido político. Fundou o movimento mundial “Alvorada”, com sede em São Paulo. Empreendeu viagens de estudo espirituais pela Palestina, Egito, Índia e Nepal.

Se você encontrar omissões e/ou erros (inclusive de português), relate-me.

Agradeço a leitura do texto e, antecipadamente, qualquer comentário. Volte Sempre!

Ricardo Sérgio
Enviado por Ricardo Sérgio em 19/06/2011
Reeditado em 21/06/2011
Código do texto: T3044337