Uma Semana Offline

1° - Você não vai se deparar com nada de empolgante.

2° - Não serei culpado por suicídios causados por tédio.

3° - Escrevi por realmente não ter o que fazer.

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Segunda-Feira

O começo da merda toda.

Ando com insônia ultimamente. O calor tem contribuído com isso. Fui dormir lá pelas quatro da manhã e acordei por volta das onze. Rolei pro lado e dormi até às uma da tarde.

Acordei, liguei o computador, escovei os dentes e acordei o Gabriel, meu irmão mais novo. Dei a checada de sempre no e-mail e não havia porra nenhuma de novidade em relação a trabalho. Tinha chegado a hora de ligar prum número que uma amiga minha tinha me passado uns bons dias atrás pra trabalhar numa seguradora.

Liguei lá sem saber direito o que falar, mas acabou dando certo e agendei uma entrevista pro dia seguinte, terça-feira, às duas. Tudo me pareceu ótimo e fácil. Eu gostava do horário. Conseguia falar melhor à tarde. Entrevista de manhã sempre me foi um problema; não consigo comer e cagar e o sono acaba com o meu humor. E, sempre dez minutos antes do horário estipulado vem fome, sono e vontade de cagar ao mesmo tempo. O que não é legal e afeta o desenrolar da coisa.

Joguei o endereço que a moça me passou no Google Maps e tudo voltou ao normal. Digo, minha vida voltou ao normal porque ao me deparar com o local da entrevista tudo veio abaixo. Ficava perto da Represa do Guarapiranga. Extremo Sul da cidade de São Paulo. E eu, nobre morador do Extremo Leste. Joguei um "como chegar até aqui", confrontando o meu endereço com o de lá. Segundo o cálculo do site, eram 54,7km. Vezes dois.

Almocei a mesma comida dos últimos dez dias: arroz, feijão e bife. Mas um bife sem vergonha. Ruim. Bom, de certa forma, era de graça. Tomei banho e fiquei fazendo alguma coisa na internet. Provavelmente nada. A sala já estava com dois ou três amigos do Anderson - meu outro irmão - fazendo barulho.

Fiquei tomando um açaí numa sorveteria que fica ao lado da academia olhando as nuvens quase ameaçadoras e fragmentadas que estavam no céu logo acima e as nuvens decididamente ameaçadoras pros lados do Centro.

O treino foi um verdadeiro sufoco. Dado momento percebi que eu era o único homem entre sete mulheres malhando. Não é por menos que saio da academia atacado.

Cheguei em casa e a chuva caiu forte logo em seguida. Quase uma tempestade, senão o era. Como a bosta da entrevista era inacessível e todas as possibilidades possíveis estavam esgotadas, decidi fazer um cadastro na Catho.

No meio do cadastro, caiu um raio nas proximidades. No quintal da frente, talvez. A luz piscou e o MEU computador ficou com uma tela azul com uma mensagem de erro fatal. O computador do meu irmão continuou do mesmo jeito. Ele começou a tirar sarro da minha cara falando que tinha queimado tudo e que eu tava fodido.

Durante longo tempo, fiquei deitado na minha cama fermentando uma história na cabeça. Quando a coisa ficou insuportável de não se escrever, liguei o computador. Estava funcionando. Abri o bloco de notas e o Foobar e comecei.

- A internet tá funcionando aí? - Perguntou-me o Anderson.

- Sei não, deixa eu ver.

Não estava funcionando.

Perto do relógio, no canto inferior direito, a imagem de um monitor com um X bem grande e vermelho em cima. Cabo desconectado. Chequei os cabos do modem e do roteador. Todos conectados.

O roteador tem quatro entradas devidamente numeradas. Tirei o cabo azul (não sei o nome daquela porra) da entrada 1 e enfiei na entrada 2. Tudo pareceu voltar a funcionar por um momento. Mas não aconteceu nada além do X vermelho desaparecer. A internet não conectava.

Tentei deixar isso de lado e comecei a trabalhar no texto. Fiquei das 21:00h às 3:00h escrevendo a criança e fui dormir.

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Terça-Feira

Aniversário do Milso

Acordei meio-dia e liguei o computador. Escovei os dentes e acordei o Gabriel. Dei dinheiro pra ele ir comprar pão. Mas não tinha pão. Troquei de roupa a muito contragosto e fui comprar pão num pico perto da academia. Estava um calor de derrubar camelo e eu peguei um bronzeado em menos de dez minutos de exposição ao sol. Comi dois pães e fiquei me matando na dúvida: ia treinar antes ou depois de almoçar? Decidi almoçar primeiro.

Arroz, feijão e o bife de oitava.

Era dia de pagar a mensalidade na academia. Por isso, passei lá do lado, comprei um açaí grandão e fui andando até o banco, derretendo no calor. Na volta, no meio do caminho, não resisti e entrei no mercado e peguei duas garrafinhas de Heineken pra mais tarde. Foi estranho guardar duas garrafas de cerveja no armário da academia.

Tinha mais mulher do que no dia anterior, só que eu não dei muita atenção pra elas porque havia uma lá que consegue roubar o meu sossego. Ela não tem coxas de tiranossauro e nem bunda de mulher-fruta e nem rosto de garota propaganda de shampoo, mas tem alguma coisa nela que simplesmente me derrete. Talvez seja a cara de invocada. Sim, aquela cara de poucos amigos, aquelas sardinhas, aquele cabelo preso e aquele jeito de andar por entre os aparelhos e as pessoas como se eles fossem a mesma coisa - ou seja, nada. Na época que eu treinava antes de ir trabalhar - das seis às sete da manhã -, muitas vezes ficávamos só nós dois lá por uns bons dez minutos. Ela até tentou puxar assunto, certa vez, mas não deu muito certo. Eu não sei lidar com mulher que me instila desejos carnais. "Vou chegar em casa e escrever pensando nessa filha da puta", pensei.

Voltei pra casa e perguntei se o Leonardo, o "técnico", tinha ido lá resolver a parada da internet.

- Não... Fui na casa dele uma par de vez mas não sai ninguém...

Com isso, o jeito foi deixar as cervejas no congelador, tomar um banho e voltar a cutucar o texto. Eu estava gostando dodesenrolar da história e estava gostando mais ainda de deixar um texto incompleto e conseguir levar a história adiante um dia depois. Taí o porquê de eu ter tamanha certeza de não ser capaz de escrever um livro com uma só história. Mas a meia dúzia de moleques na sala começou a fazer barulho e eu fui obrigado a soltar o aclamado e clássico "Calem a boca, cambada de filha da puta!" que o Carneiro tanto adora.

Após corrigir uns erros, mudar algumas coisas, conseguir acrescentar a terceira parte da história e derrubar metade da primeira garrafa, o telefone toca. Era o Juliano. Era o aniversário do Milso e era pra eu descer na casa dele.

Tive um mau pressentimento de que o computador ia pifar assim que eu virasse as costas e fiz um backup de todos os meus textos e joguei num pen-drive. Que se fodessem as músicas e as fotos. Joguei o texto que estava escrevendo também e joguei o pen-drive no bolso da bermuda e fui até a casa do aniversariante.

Foi um lance bacana. Cantamos "parabéns pra você" e demos bastante risada com as trapalhadas da Dona Carmélia, mãe do Milso, com os dentes azuis por causa do bolo, causando nas fotos.

Fomos todos pro quarto do Milso e eu já acampei no computador. Abri e-mail, MSN, Twitter, Recanto das Letras, a porra toda. Não tinha nada de relevante em lugar algum. Nenhum e-mail de emprego, nenhum comentário em texto, nenhuma novidade relevante no Twitter... Normal. Tremi a janelinha do pessoal de sempre e joguei a primeira parte do texto no Recanto das Letras, depois de uma briga de meia hora tentando arranjar um título decente. Como bom adepto ao pungente desejo da Era do Silêncio, estava difícil conseguir pensar em alguma coisa com meia dúzia de machos falando alto ao mesmo tempo num cubículo de quarto.

Já era mais de meia-noite quando entramos no Escort do João e saímos na captura de algum barzinho pra comemorar o aniversário do Milso. Além desses dois, estava na barca, também, o Juliano.

Ficamos no tal do Sombreiro, como sempre. Não tinha a loirinha gostosa tocando violão, desta vez. Pedimos porção de calabresa e fritas e um balde de cervejas. Eu tinha dez reais no bolso. Do outro lado da rua fica o Barracuda. Balada esdrúxula, de música de péssimo gosto e com frequentadores que me empreguiçam a alma. Em compensação, e talvez a única compensação - e mesmo assim não tão compensatória assim - era a grande quantidade de mulheres com a mínima quantidade de tecidos sobre o corpo.

Gostosas de diversos calibres. Com seus vestidinhos curtos e colados, saltos-altos e cabeleiras loiras, pretas, alisadas ou naturalmente lisas; com suas bundas arrebitadas, suas maquiagens bem ou mal feitas, perfumadas, capciosas beldades, mulheres, enfim, nada de anormal, além da big fucking interrogação na minha cabeça de como e por quê elas se submetem a tão tão tão deplorável gosto musical e conseguem beijar aqueles indivíduos com camisetas pólos listradas, rosas, com números atrás e com tatuagens de cadeia do tipo "Mariscleide" no antebraço enquanto eu penso que um belo prato cheio de merda mole de gato seria melhor do que aquelas bocas.

A conta, como sempre, ficou salgada. Contribuí com meus simbólicos dez reais. Peguei algumas revistas de skate que ficavam jogadas num tótem e nós caímos fora. O que posso falar? Quase tive um troço de tanto dar risada durante todo o tempo que estive com eles - como sempre. E, bem, se há alguma coisa que me faça esquecer de questionar o porquê de eu ter vindo ao mundo, essa coisa são os momentos que eu passo ao lado desses filhos da puta que eu amo tanto.

Cheguei em casa às quatro e a molecada estava acordada. Mandei o Gabriel dormir e fui no embalo, tendo uma leve recaída pseudoamorosa antes de pegar no sono.

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Quarta-Feira

Burritos e telefonemas inesperados.

Minha mãe comprou um aparelho de telefone novo, depois que o outro suscitou inúmeros xingamentos de amigos. Eu devo ter perdido uns trinta empregos por conta do aparelho anterior que não tocava, mas tudo bem. Esse aparelho novo tem um toque que deve dar pra ouvir de longe. E o troço fica na janela do meu quarto.

Acordei com ele tocando bem alto. Era um fulano do Bradesco atrás de mim. Depois que me identifiquei, ele desligou. Olhei no relógio do celular. Sete e meia da manhã. Voltei pra cama e acordei dali cinco horas.

Sinto saudades da Carol, do trabalho. Todo dia eu vou dormir pensando "amanhã vou lá almoçar com ela no Pêlinho" mas eu sempre acordo tarde demais e fico com preguiça de pegar ônibus e das perguntas que as tiazinhas do Pêlinho com certeza farão sobre a minha bosta de vida que não muda a não ser pra quase-pior. Bem, de novo, deixa o convite pra uma próxima vez.

Acordei mal, desta vez. A alergia/gripe estava atacada e eu não parei de espirrar um minuto. Tomei um xarope ruim pra cacete e a coisa melhorou um pouco. O Gabriel já estava acordado e inclusive não estava em casa. O outro continuava dormindo, pra variar.

Fiquei com preguiça de dar continuidade do "Acaso, Romance e Sorte" e almocei lendo o livro que um certo japonês maldito mandou pra mim na segunda-feira, recém e finalmente editado. Ele diz que é a versão "garotinho da vovó", onde não há palavrões e algumas cenas foram amenizadas - pra agradar as porras das editoras. Mas, apesar do aviso-prévio, a coisa continua suja do jeito que o diabo gosta e o garotinho da vovó odeia. "Genial", é a palavra correta pra definir o conteúdo do livro e a maneira peculiar com que ele foi escrito. Espero um dia chegar lá, também.

Tomei banho me achando um fresco por tomar banho antes de ir pra um lugar que o que eu vou fazer é basicamente suar e me emporcalhar de novo.

Como sempre, peguei o meu açaí de sempre e sentei no lugar de sempre e fiquei olhando o céu de sempre. Tive um ataque de espirros do nada e derrubei açaí na bermuda e o celular começou a tocar ao mesmo tempo. Inferno. Era o Douglas, ligando pra confirmar o rolêzinho à noite. Ótimo. Terminei o açaí e fui treinar.

Tive um desempenho acima da média com os pesos, mesmo depois do deslocamento de ombro dez dias antes, o que me deixou um pouco feliz. Quando eu estava no penúltimo exercício, num aparelho que fica perto da grande vidraça que dá direto pra rua, vi algo que chamou a minha atenção. Uma motoqueira usando calça suplex saindo da moto. Quase tive um treco com a visão. A calçada da academia é inclinada e ela estava tendo certa dificuldade pra baixar o pedal da moto ali. Fiquei olhando aquilo me perguntando o porquê de ela não estacionar no asfalto plano, abrir o portão e depois entrar com a moto. Ela estacionou no asfalto e tirou o capacete. Balançou o cabelo. Parecia cena de filme. E quem era? A moça com cara de brava que anula todas as outras oitenta gostosas da academia quando chega. Fiz algumas coisas e achei estranho ela ainda não ter entrado. Houve um burburinho e algumas pessoas olhavam pela janela. Como previ, ela tinha conseguido derrubar a moto e não conseguia erguer o bicho sozinha. Fiquei olhando. Talvez fosse uma boa oportunidade de flerte. Não, muito romântico. Que ela se vire, com aquela cara é capaz de cuspir na minha cara como demonstração de gratidão. Por fim, uma moça foi lá e elas ergueram a motoca e enfiaram na garagem. E eu, como sempre, perdi oportunidade. Ou não.

Descendo a rua voltando pra casa, estava pensando no Leonardo que não aparecia nunca na minha vida quando quase sou atropelado pelo próprio. Ele parou o carro e eu fui até lá e expliquei a situação. Ele ficou de passar em casa mais tarde pra averiguar.

Cheguei em casa, tomei banho e fui pro ponto de ônibus amargar um pouco. Peguei um que me deixou no meio do caminho. Desci e entrei numa lotação e lá estava minha mãe capotando. Cutuquei-a e fomos juntos até o Metrô São Joaquim papeando sobre a vida.

Cheguei quatro minutos atrasado e o Carnero já estava lá me esperando e morrendo. Bem, depois de quase uma hora de atraso, o Douglas chega. Ah, o Douglas. Indivíduo que conhecemos na Páscoa Punk de 2006 do Hangar 110 e que desde então virou um brother como nenhum outro para todos nós e que durante os dois últimos anos esteve desaparecido, viajando e cuidando da própria vida.

Havia certa curiosidade no ar. Dois anos. Tanta coisa aconteceu que nem percebemos. Quatro do nosso grupo de amizades agora tinham filhos. Vários namoros furados vieram e se foram. Algumas pessoas do grupo se afastaram ou foram afastadas. Faculdades que foram iniciadas e rompidas. Enfim, uma infinidade de assuntos que não demos conta de explorar por conta do escasso tempo. No mais, Douglas e eu comemos Burrito pela primeira vez e apreciamos muito a parada. Depois, descemos um pouco a Augusta e ficamos jogando conversa fora numa esquina qualquer. Deixamos o Douglas na porta do Metrô com certa satisfação parcialmente completa e descemos a rua novamente, pra pegar o ônibus.

Eu ganhei o olhar mesmerizante de uma garota de saia jeans comprida, cabelos claros, branquinha, linda de morrer.

Carnero ganhou um largo e lindo sorriso de uma morena de lábios carnudos.

Voltamos pra casa, os dois, reclamando como sempre.

Tomei um pouco de chuva assim que desci do ônibus, mas nada de anormal. Estava com tesão pra caralho. Bosta.

O Leonardo não tinha passado em casa, como havia dito. Filho da puta. Inverti os cabos uma dezena de vezes, de novo, e, de novo, nada adiantou. Resolvi ligar na Telefônica pra ver se dava pra resolver por lá. Fiquei quarenta minutos com uma tal de Alessandra e não adiantou de nada. "O senhor deixe o modem ligado que o técnico estará averiguando e vai estar entrando em contato com o senhor, posteriormente. O prazo é de 24 horas". Enquanto falava com ela, fiquei olhando uns videos pornôs e me deprimindo com tudo.

Depois que desligamos eu tentei escrever algo. Não deu. Abri o "Acaso, Romance e Sorte" e li duas vezes. Fiquei com preguiça de continuar e comecei a ver umas fotos. Encontrei uma foto que me lembra boas coisas. Um tempo saudoso onde o véu de um amor impossível encobria minhas retinas. Lindos olhos repuxados, lindo sorriso, lindos ombros, lindas tatuagens, lindo cabelo. Queria ficar deprimido com tal visão e com o sem fim de frustrações que aquele pseudoromance causou dentro de mim mas nada aconteceu. Fechei a foto e decidir bater uma punheta pra pegar no sono.

Assim que levantei, o celular anuncia o recebimento de SMS. Como foi só um e não os três que a Vivo costuma me mandar avisando que eu não tenho saldo disponível, estranhei. Era um número conhecido e um "tá ocupado?" no corpo da mensagem. Não, eu não estava ocupado. Estava impressionado com essa ligação esquisita de sempre. Às vezes eu tenho a impressão de começar a pensar numa pessoa assim que ela pega o telefone pra discar o meu número. Porque quando o meu telefone toca, invariavelmente, eu sei quem é. Não, não possuo bina. Eram duas da manhã e ficamos pendurados no telefone até as cinco. "Você deve ficar puto né? A pessoa sempre desaparece por meses e depois te liga no meio da madrugada como se não fosse nada de mais...". O tempo passou rápido. Houveram pequenas lacunas de silêncio. Assim que o fone tocou o gancho, meus dedos voaram pro teclado e acabei indo dormir às seis e meia da manhã.

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Quinta-Feira

Um dia pra se jogar fora

Acordei às oito da manhã com alguém de algum banco atrás da minha mãe. Coloquei o fone do gancho e voltei pra cama. Acordei com um pirralho amigo do meu irmão que é da minha altura e tem voz de moça berrando no portão. Depois, o berro ficou mais próximo, como se ele tivesse a meio caminho. O terceiro grito foi bem na porta de casa, mesmo.

Meu irmão desceu do beliche e eles ficaram conversando na porta por alguns poucos minutos. Olhei o celular. Três e meia da tarde. Fiquei um pouco chateado por isso e rolei pro lado. Um outro moleque chamou na porta de casa. Decidi levantar. Enquanto escovava os dentes, pude ver pela janela do banheiro a meia dúzia de sempre no portão, querendo entrar. Entraram. Soltei pra mim mesmo um "Mas que caralho, viu?" e meu irmão se ofendeu com isso e começou a falar algumas barbaridades gratuitas.

Fiquei sem palavras e, na falta de palavras, esmurrei a parede do banheiro. Um daqueles peculiares momentos em que você se vê mergulhado no instinto animal, vira ser irracional e ao invés de resolver um problema com diálogo, prefere partir pro soco. Diante da incapacidade de poder socá-lo pela ofensa desproposital e da frustração disso, fiquei um pouco chateado e miseravelmente irritado, em seguida. O que se seguiu foi que, pra variar, peguei ele pra Cristo com um irrefutável discurso aos berros onde ele não tinha o que responder ou por não ter argumentos ou pelo medo de tomar um soco no meio dos dentes. Mas é pelo primeiro mesmo, que eu sei. Assim que terminamos a lide, o mesmo filho da puta gordo desgraçado de voz de fêmea deu um berro na porta.

- Ô filho da puta, você viu que lá fora tem um portão?

Silêncio. Ele sem graça.

- Quando for chamar, chama de lá, porque você não tá na porra da sua casa pra ir entrando assim.

Olhei no relógio. Estava acordado há apenas sete minutos.

Almocei lendo o livro do Sakuma, de novo, e depois deitei pra pensar na vida e dormi até às 20:00.

Comi dois pães pra ir treinar. Mas não estava rolando. Deitei no chão da sala e não consegui levantar durante um longo tempo, tamanha preguiça. Levantei, tomei banho e decidi deixar o treino pro dia seguinte. Destampei a outra garrafa de cerveja e escrevi até umas 23:00.

O texto não estava indo pra frente e coloquei alguns videos de skate pra rolar. Tentei dormir. Não estava rolando.

Liguei de novo pra Telefônica, já que as 24 horas já tinham ido pro béléléu (alguém ainda fala isso em 2011, peloamordedeus?) e nenhum técnico me ligou ou veio até meu humilde barraco. Logo de cara vi que ia passar raiva com a atendente. O problema de ter experiência com telemarketing é que acabei criando uma infalível percepção que determina se o corno do outro lado da linha é competente pra resolver o meu problema ou não. "Vou estar verificando" é um ótimo presságio de que você vai passar raiva e penar por quase nada. Resumindo o diálogo:

- Liguei aí ontem porque minha internet tá sem sinal. Me deram um prazo de 24 horas e nada foi resolvido.

- Só um momento que eu vou estar verificando o seu cadastro.

Coloquei o Stay Gold pra rolar no computador. Fui direto pra parte do Jerry Hsu. A parte dele nesse vídeo é bem diferente: são 70 segundos de batidas de cabeça em muros e no chão; torcidas de tornozelos após pular escadas de dez degraus; esporro de seguranças e quedas dentro de fossas nojentas. E pra coroar, a música de fundo tem o seguinte e repetitivo refrão: "Somedays you just can't win". Depois, ele tem mais alguns segundos onde demonstra todo o seu já mundialmente conhecido potencial.

- Senhor?

- Sim?

- Verifiquei aqui que o senhor entrou em contato ontem, senhor... Senhor? - Repetiu, porque eu fiquei em silêncio.

- Pode falar.

- Então, verifiquei que o senhor entrou em contato ontem às 00:53h e o chamado ainda está dentro do prazo, senhor.

Suspirei.

- Já são 01:50h.

- Então, o prazo é de 48 horas, senhor.

Ela tinha um jeito hesitante de passar as informações que me dava nos nervos. Uma voz fanha de dar nos nervos. Fiquei gesticulando pras paredes tentando manter o controle. Controle mantido, falei calmamente:

- Por que vocês aí não entram na porra de um consenso sobre qual é o caralho do prazo correto? Porque ontem eu liguei aí e a outra informou que era de 24 horas, agora vem você e diz que são 48 horas. Puta que o pariu! Qual é a porra do prazo correto?

Bem, enquanto eu reclamava ela falava ao mesmo tempo. Desliguei e fiquei rolando na cama até pegar no sono, e isso só aconteceu lá pelas cinco e meia da manhã.

Somedays you just can't win

Somedays you just can't win

Somedays you just can't win

Somedays you just can't win

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Sexta-Feira

Vivendo perigosamente

Acordei às dez e meia e fiquei deitado até às onze, pensando na morte da bezerra. De repente, fiquei de saco cheio de ficar deitado e levantei. Meu corpo estava todo duro e dolorido por conta das mais de 24 horas enfurnado dentro do quarto. Meu cérebro precisava de certa dose de ação, também. De vida, não só dos livros que eu andava lendo. Eu precisava conversar com alguém real. Os dias em que acordo assim são raros e sou extremamente grato por isso, pois houve uma época em que eu acordava assim diariamente e tudo que eu conseguia era me frustrar com as pessoas. Elas já tinham seus planos, seus passeios, enfim, a vida planejada e eu não estava dentro dos planos. Sem drama, normal, só que chegou uma hora que fiquei de saco cheio e desde então tenho sido bem mais feliz sem ficar magoado com os outros. Todo mundo sai ganhando com uma boa dose de autosuficiência. Tá, parei.

Tive a idéia genial de misturar café solúvel com o achocolatado safado que minha mãe comprou e jogar canela em pó no meio. Quem precisa de Starfucks? Liguei a televisão - que é uma coisa realmente rara de se acontecer - e não tinha sinal da TV a cabo. Claro que não tinha. Fui obrigado a ligar o computador. Comi aquele pão que o diabo não tem coragem de amassar que é ruim pra caralho "folheando" o livro do Sakuma, procurando alguma coisa inédita - pra mim. Lí "Rímel Borrado" e fechei o PDF e abri o "O Castelo na Floresta", do Norman Mailer. Durante essas madrugadas, acabei começando a reler - frase estranha essa, não? - essa beleza de livro e tá realmente foda de conseguir parar de ler, assim que começo. Tanto é que fiquei lendo até umas duas da tarde, quando resolvi tomar um banho na pia e cair na rua. Antes disso, escrevi um miniconto bobo sobre suicídio, só pra variar um pouco.

A idéia era ir no banco novamente, tomar um açaí novamente e treinar. De repente, veio a idéia genial de ir na lan house publicar alguma coisa. Peguei umas moedas e fui até lá, suando muito. Chegando lá, aquela atmosfera abafada e aquele aroma de criança fedorenta suada do cu sujo que além de tudo é barulhenta.

Ainda tinha tempo no meu cadastro e depois de dez tentativas de senha e nome de usuário, consegui logar. Recebi o oitavo e-mail de convocação pra entrevista da corretora de imóveis chiquérrima que "paga" salários exorbitantes e fiquei realmente tentado a mandar o gordinho do RH tomar no meio do cu dele, mas deixei quieto e fui olhar os outros sites. Nada de relevante, novamente. Daí me dei conta que tinha esquecido o pen-drive na outra bermuda.

Saí de lá. O céu estava feio e ameaçador. Da lan house até o banco foi uma longa caminhada, subindo pela avenida que não tinha porra de sombra nenhuma.

Saindo do banco, fui pro mercado comprar um desodorante em gel que é a salvação da nação since 2002 - excetuando o endurecimento e esbranquiçamento das camisetas na parte das axilas - mas lá não tinha. Peguei um danone e desci a rua emborcando a parada.

Estava no horário de entrada da escola que ficava ao lado da academia que, por sinal, estudei da primeira à oitava série. O horário era do pessoal mais velho. Ah, que coisa estranha ver aquela cambada de pirralhos de no máximo 14 anos e lembrar que na época eu me achava grandão, durão e bem adulto e tinha a mesma altura e cara de fedelho mimado que eles, agora. Enquanto eu saboreava algumas memórias da época, passa de carro aquela que foi uma grande paixão durante toda a sétima e oitava série. Parece que todos se deram bem, dirigem carros, casaram. E eu desempregado, desviando de vaso de umbanda sob o sol escaldante. Se "cada um tem o que merece", eu devo estar pagando pelos pecados da outra encarnação, porque acho que não fiz nada demais nessa porra de vida. Ou fiz? Na verdade, a pergunta é "o que eu não fiz?" e a resposta é "tudo" ou mesmo "nada". Bom, foda-se. Enquanto houver o suicídio à disposição, dá pra levar a vida.

Por pura gula, pedi um açaí de 500ml e comecei a ficar empapuçado antes de dar conta dos primeiros 100ml. E além do mais, eu não estava me sentindo muito à vontade com o meu desodorante e acabei indo pra casa pra dar um jeito na asa. No meio do caminho, encontrei uma garota da época da escola. Na verdade, ela foi a segunda mulher que eu beijei na vida. Ela estava indo treinar. Trocamos um oi.

Joguei a carteira na gaveta depois de tirar dez paus pra carregar o bilhete único pra dar um rolê mais tarde. Fui até um depósito de materiais de construção pra carregar a parada e fiquei observando um diálogo - ou seria um "triálogo"? - entre as duas atendentes e um pedreiro que não sabiam se era melhor entregar uma determinada compra no dia ou na segunda-feira. Depois de cinco minutos eles terminaram de conversar e elas perceberam que eu não era acompanhante do pedreiro e ficaram se desculpando pela demora. Tudo bem.

Entrei na academia e cumprimentei alguns marmanjos e fui tomar um gole d'água. E lá estava a minha segunda garota!

- Voltou?

- É, voltei

Trocamos um beijo no rosto. Ela estava suadinha. Continuava bonitinha pra caralho.

- E aí, tem visto o João?

- Ah, mais ou menos...

- Ele é meu vizinho e eu nunca o vejo haha

- É...

A conversa acabou aí. E a nossa "ficada" de dez anos atrás acabou por falta de assunto. Além de eu estar fielmente apaixonado pela mina que passou dirigindo o carro minutos antes. Falo da parte que elas eram amigas?

Por conta da dose cavalar de açaí, a coisa toda fluíu. Ainda trocamos um olhar/sorriso ou outro. Lembrei que quando começamos a conversar, ela falava bastante de futuro, de carreira, faculdade, casamento, blábláblá, coisas que eu achei um belo pé no saco, dada a nossa idade. Fiquei tentado a perguntar como que ela estava, agora, tantos anos depois. Digo, se tinha seguido a carreira que sonhava e etc. Como estava o noivado, essas coisas. Talvez eu aprendesse alguma coisa de como ser gente, com ela. Mas logo ela veio e me deu um beijinho de tchau e foi embora. Parece que ser gente só na próxima vida, Rafael.

Cheguei em casa, me alonguei por uns quinze minutos, almocei, tomei banho e me arrumei pra sair. Começou a chover torrencialmente no mesmo minuto que coloquei a chave na porta, pronto pra sair.

O sinal da TV tinha voltado - depois que minha mãe ficou pendurada no telefone - e eu fui até lá ver se tinha alguma coisa. Sem sinal novamente.

Voltei pro quarto e abri o último livro do Mestre Mailer e mal acabei de ler uma página, a lâmpada do meu quarto parou de funcionar do nada.

O relógio apontava um 20 seguido de um 30.

O Gabriel estava tão entediado quanto eu e resolveu deitar. Cogitei arrastá-lo comigo até o mercado mas estava ameaçando chover forte.

- Vou no mercado, quer alguma coisa?

- Ah, traz um salgadinho...

- Qual?

- Qualquer um.

Saí munido de guarda-chuva e tudo. Estava um pouco frio, o que significaria seqüências intermináveis de espirros no dia seguinte. Entrei na lan house e esqueci o remorso de ter saído de regata, pois estava um verdadeiro forno lá dentro. Liguei um computador, tirei o pen-drive do bolso e, bem, não tinha entrada USB naquela porra do caralho. A amiga que me passou o telefone da entrevista lá da Represa do Guarapiranga veio falar comigo. Estava radiante porque havia conseguido um emprego lá. Fez questão de informar o salário, que é três vezes o meu último salário na "multinacional espanhola". Explicando: ela mora perto da Represa. Pra variar, a vida salientando o quão madrasta é a minha sorte. Por fim, os meus minutos lá acabaram e eu fui pro mercado. Peguei três long necks de Stellinhas e uns salgadinhos. Fiquei meia hora na fila do caixa rápido. Não tinha sacola grande. Passei na pizzaria e pedi pra entregarem a parada em casa. Mal acabei de colocar as cervejas no congelador, o motoqueiro buzinou no portão.

- Ah, hoje você pagou antes, né?

- É, pra gente passar menos raiva com aquela porra.

- Hahaha pode crer. Falou!

- Falou.

Gente boa. Entregou as últimas dezoito pizzas em casa. E em todas as dezoito vezes nós passamos raiva juntos, seja por sabor errado de pizza, por máquina de cartão errada, cerveja ao invés de refrigerante e todos esses erros que a boa etiqueta do péssimo atendimento de todo e qualquer comércio dessa porra de província, requer/manda.

E não choveu, porque eu saí de guarda-chuva.

Tirei a lâmpada da lavanderia e coloquei no quarto. Senti-me apto para o casamento após a conclusão da operação. Viu, mulheres?

Abri o livro do japonês e fiquei lendo e comendo até as cervejas ficarem no ponto. Abri a primeira, que não estava no ponto, mas dava pra beber. Fiquei pensando na morte da bezerra e bebendo. A segunda estava no ponto. Liguei pra Deborah e ficamos alguns minutos de conversinha furada e eu me senti realmente bem depois que desligamos. Abri a terceira, que estava perto de congelar e liguei pra Telefônica, só pra estragar esse meu estado de graça após o telefonema que ia me custar o olho da cara - mas ela falou que ia dividir comigo, portanto...

Desta vez foi um rapaz que atendeu. Falava baixo demais e eu entendi "Liber", como sendo seu nome. Esse filho da puta do Liber pediu meu nome, CPF, endereço, telefone de contato e e-mail pra simplesmente falar que o sistema estava fora e que só voltaria lá pelas 7:30 da manhã quando, suponho eu, ele estivesse pendurando o headfone ao lado de sua maldita posição de atendimento e indo pra casa enfiar o dedo no cu e cheirar. Pensei em armar mais um barraco daqueles, perguntando tipo "Ô seu filho da puta, se o sistema está fora, você está confrontando os meus dados em que base? A do seu reto, por acaso?", mas eu acabei deixando quieto e desliguei.

Deitei pra dormir lá pelas duas e meia da manhã. Durante um devaneio que me levaria por fim à bela noite do sono que eu queria, o Gabriel deu algum chilique na sala e eu acordei com a impressão de ter dormido umas dezoito horas. Seria uma vantagem e tanto se eu não tivesse cochilado por meros quinze minutos. Botei o viado pra dormir.

A luz do computador do meu irmão penetrava pela porta e pela janela. O barulho das teclas ia, gradativamente, me dando nos nervos. Mas eu estava determinado a não abrir a boca pra reclamar.

Meu nariz acordou: começou a escorrer coriza da narina esquerda enquanto a direita ficou entupida. Meu olho direito começou a coçar a nível de conjuntivite. Das três às quatro da manhã eu fiz inúmeras viagens da cama ao banheiro pra assoar o nariz, lavar as mãos, pegar dois metros de papel e voltar pra cama. Uma vez na cama, o nariz não parava de escorrer e logo os dois metros de papel seco viravam bolinhas de coriza e eu tinha que voltar pro banheiro. O Gabriel ficou de saco cheio e voltou pra sala.

A porra da unha do dedão do pé não párava de doer, pra variar. Resolvi dar um basta: peguei um balde e joguei água quente dentro, sentei na privada e enfiei o pé dentro pra amolecer a merda toda. Doía e saiam bolhinhas de ar de dentro da unha. Não foi a primeira vez que pensei ter algum alienígena como hóspede sob aquela unha nojenta. Depois de um tempo, coloquei o pé bem perto do meu nariz e cheirei. Sempre faço isso e já comentei sobre em algum outro texto. Daí eu comecei a puxar a pele pra frente pra unha encravada aparecer. Doeu bem menos e foi bem mais fácil do que eu esperava. Consegui fazer a ponta sair e enfiei o cortador lá e fim. Sangrou um pouco e o dedo me pareceu um pouco melhor.

Não sei o porquê, mas o processo de extração da unha encravada e o sangue que surgiu me colocaram na frente do computador, fustigado pelo desejo de escrever um conto erótico. Escrevi de uma só vez e até gostei da parada, menos do final, que ficou uma merda, mas até o dia em que eu for publicar, penso em alguma coisa melhor. Ou não.

Cinco da manhã e eu deitado na cama batucando na parede e tentando pensar em sexo pra pegar no sono. Nada. Quando deu seis horas eu pedi pro Anderson desligar a porra do computador e ir dormir. Ele, como era de se esperar, protestou. Como era de se esperar, a frase "Ô saudade de ser filho único" brotou na minha mente. Claro, tive de dar um chilique. Ele desligou e foi dormir. A última vez que olhei o relógio eram 6:35h e eu peguei no sono emputecido porque dali três horas e vinte e cinco minutos ele despertaria pra eu ir pro treino mais importante da semana.

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Sábado

Acordei com o celular vibrando às dez da manhã.

Tive um certo trabalho para conseguir abri-lo - uma relíquia jurássica de star tac (?) que eu comprei de um nóia da vila - de tão podre de sono que estava. Na verdade, sentia-me bêbado. Minha mãe apareceu na porta do quarto meio irritada com a minha demora pra desligar a parada. Desliguei e capotei.

- O Douglas no telefone.

- Quem?

- O Douglas.

- Ah.

Virei pro lado e tentei pegar no sono de novo.

- Vai atender o menino ou não?

Lembro-me de ter feito que não com o indicador da mão direita, balançando-o de um lado pro outro. O problema é que eu estava com a barriga em cima da mão e minha mãe não viu. Antes de cochilar novamente ainda pude ouvir um "E agora, o que eu falo pra ele?". Pobre velha, quando pensa que vai ter sossego...

Acordei com o telefone tocando, pra variar um pouco. Era o Douglas. Atendi a parada escorado na parede, bêbado de sono e tentando entender o que ele estava falando. Era alguma coisa sobre um rolê que a gente ia fazer no sábado e que eles tinham ficado de combinar pela internet. Bom, desculpa aí, Douglas. Desligamos e eu voltei pra cama, curtindo os primeiros indícios de ressaca.

Abri os olhos e me deparei com o Carneiro na porta do quarto. Não sei se ele me chamou ou não, sei que abri os olhos no instante em que ele pisou no meu moquifo. Fizemos alguma gracinha, como sempre, e ele adiantou:

- O irmão não se incomode em sair da cama... Só vim trazer a bermuda e o livrinho e já vou ralar pra casa.

- Que isso!

Ele reclamou do calor que estava fazendo e me aconselhou a ficar com o rabo em casa pra não passar raiva com o quase-inferno que estava fazendo lá fora. Segui o conselho e peguei no sono antes que ele estivesse no portão da garagem. Eu acho.

Quando finalmente acordei de vez, já eram quatro da tarde. A primeira coisa que fiz foi ligar pra Telefônica. Inverter um pouco as coisas, estragar o dia logo de início ao invés de estragá-lo perto da hora de dormir.

Uma tal de Janaina me atendeu. Tinha uma voz bacana. Imaginei uma gostosa do outro lado da linha, cruzando e descruzando as pernas tentando reprimir as ondas de tesão que a assaltavam ao ouvir a minha voz. É, ué?

- Senhor, tem algum protocolo de atendimento?

Passei o da primeira ligação. Com a Alessandra, se não me engano.

- Foi no dia 10, é isso?

- Sim.

- Qual é o problema?

Aquele silêncio onde eu repasso mentalmente todo o meu vocabulário de imprecações possíveis para a situação em que me encontro. Expliquei a situação pra ela de forma concisa e ela entendeu. Tanto entendeu que me falou que o prazo não era de 24 e nem de 48, mas sim de 72 horas. Silêncio novamente.

- Escuta, Janaina; como é que a gente pode resolver isso de uma vez, hein?

Janaina, boa funcionária que é, abriu um chamado pro técnico vir em casa. Ademais, ela foi a única que me pareceu entender realmente a função que exerce e eu desliguei realmente satisfeito com o atendimento dela. Claro que o dia seguinte poderia colocar tudo a perder, caso o técnico não aparecesse...

Saí do quarto resmungando e conversei um pouco com a minha mãe. Voltei pro quarto e dei uma olhada na bermuda e no livro. O livro não era o que eu estava esperando que era, mas mesmo assim foi muitíssimo bem-vindo. Agradeço ao irmão.

Depois de ler umas 60 páginas do tal livro, almocei, tomei banho, me troquei e saí. Passei na lan house pra ver se tinha alguma coisa de interessante e adivinha?

Bom, fui pra Paulista e não aconteceu nada de realmente interessante. Quer dizer, aconteceu algo que eu só consigo denominar como "poético". Mas fica pra outra história esse stress. Comecei a me deprimir e como diz no livro: "me alistei de novo", ao não me jogar de uma ponte ou na frente de um ônibus e voltar pra casa. Vou poupar o leitor (e os meus dedos) do quão instigado a cortar a garganta de uma biscate que falava alto pra caralho no ônibus eu fiquei e nem da parte que eu derrubei duas cervejas e umas pizzas da terça-feira no balcão de uma padaria porqueira da vila.

Cheguei em casa disposto a dormir e quando eu peguei no sono, adivinha? Telefone tocou. "Poética" é a palavra que encontro para definir a conversa que prosseguiu. Quando o telefone encostou no gancho ocorreu-me o pensamento de que eu enfim estava dentro de uma crônica minha onde tudo conspira contra o personagem. É uma sensação boa, tão boa quanto qualquer coisa de real que possa acontecer. Tão boa quanto um orgasmo. Quanto uma picanha ao alho. Quanto uma torta de palmito. Quanto um coco gelado e dedos mergulhados na fina areia do beira-mar com o sol se pondo e uma família de duzentas e oitenta gaivotas matraqueando e celebrando a doce vida que você teve em outra encarnação, porque nessa, meu filho, você só veio pra cumprir o papel de acidente da camisinha que estourou. Por falar nisso, escrevi um texto com essa pauta.

Não aconteceu mais nada. Li mais um pouco e fui dormir lá pelas 3:00.

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Domingo

É clichê se eu começar falando que eu acordei com o telefone? É, sei que é, mas desta vez acordei com a minha vó gritando na porta, às dez da manhã, avisando que o homem da Telefônica tava querendo conversar comigo.

Levantei, coloquei uma bermuda e uma camiseta, escondi as meias sujas, as embalagens de camisinhas (usadas num certo processo manualmente unilateral), os cigarros de maconha, as garrafas de cerveja e as cartelas de Valium na minha gaveta de cocaína e... Parei, nada a ver... Só escondi as meias sujas, e dei uma corrida até o banheiro pra limpar os olhos e aproveitei pra jogar um Trident na boca.

Era um alemão lá pela casa dos quarenta, simpático e atencioso. Entrou sem cerimônia no meu quarto, sentou na cama do meu irmão e começou a fazer uns testes.

- O modem tá queimado - Falou.

- Mesmo ligando?

- Mesmo ligando!

- Estranho.

Por um momento pensei que ele estava tentando me passar pra atrás, até o momento que foi até o carro (intervalo em que aproveitei pra jogar no lixo uns papés catarrentos que estavam perto da caixa de som) e trouxe um modem novo e tudo estava funcionando perfeitamente bem. Tudo, menos o roteador.

- O roteador provavelmente queimou, também.

- É só dinheiro que vai, nessa porra.

Ele deu risada e perguntou o que era o monte de bloco de notas que eu tinha na pasta que procurei a senha de acesso do provedor.

- Ah, uns textos aí que eu escrevo.

- Tudo isso?

- É...

- Você é escritor?

Sempre hesito. Quando me perguntam isso, apesar de eu mesmo me dar esse "cargo" de vez em quando - em algum acesso de crise existencial, por exemplo. Respondi que sim, no fim das contas. "Meio assim", mas respondi.

- E sobre o que você escreve?

Essa é a pergunta que fode a minha vida. Sobre o que eu escrevo? Sempre inicio a resposta com um "sei lá", que acaba me dando tempo pra tentar definir as porcarias que eu escrevo em alguma palavra. Não sei sobre o que eu escrevo. Só preciso sentar e as palavras aparecem. Qualquer outra coisa escolhe o tema.

- Ah, sobre a vida, sobre a minha vida, sobre a morte, sobre mulheres, essas coisas batidas de iniciante que não tem nada a acrescentar pro mundo e que o mundo está cansado de ler sobre, basicamente.

Ele achou a resposta engraçada e perguntou se eu escrevia sobre romances. Não soube o que responder. Minha mãe entrou no quarto e me salvou das perguntas.

No mais, a internet voltou a funcionar e eu levei o alemão até o portão. Despedimo-nos com um aperto de mão e ele soltou um "espero poder voltar aqui, mas pra pegar o seu autógrafo".

Essa foi foda. Não soube o que responder e dei uma risadinha sem graça.

Olhei os sites de sempre e postei três textos no Recanto das Letras: a segunda parte do "Acaso, Romance e Sorte"; "Teto", que foi o que eu escrevi depois do telefonema da madrugada da quinta e o "Placebo", uma parada que era pra começar erótica e começou esquisita e depois volta pro erótico e termina choraminguento. Joguei "O Merda" na Esquina do Escritor e perdi cerca de 4 horas do meu dia não fazendo basicamente porra nenhuma na internet. Como sempre.

Depois o de sempre: banho e comida. Domingo bonito. Os meninos combinando de andar de skate. E eu sem poder partilhar da session por conta do meu shape trincado (na segunda session) e por causa do dedão do pé. Mas desci lá e não houve porra de session nenhuma, já que o Porco acabou não aparecendo. Fiquei trocando idéia com o Milso e rolando no chão com o vira-latas dele até que o João chegou e lançou umas Heinekens para brindarmos suas férias. A tarde passou preguiçosamente enquanto a conversa e as cervejas rolavam.

- Caralho, ainda tô com vontade daquele cheddar.

- AINDA NÃO COMEU?

- Não Rafa... Desde que tá cinco conto eu ainda não fui comer.

- Caralho, João... Bora lá comer uns três?

- Demorou!

Pegamos o carro dele e fomos até o fast-food.

Ficamos quarenta e cinco minutos na fila num espaço mínimo abarrotado de gente. Um protótipo de inferno.

Voltamos às cervejas que estavam impecavelmente geladas e derrubamos duas garrafas na esquina da casa dele, jogando conversa fora, olhando a lua e desejando uma morte lenta, mas bem lenta e extremamente dolorosa para um filho da puta que estacionou o carro no vizinho dele (do João) e estava com o som ligado às alturas tocando toda a nata do funk nacional. Às onze da noite? Quem aí não desejaria no mínimo um empalamento para um ser desses?

- Não dá pra entender.

- O quê?

- Esse carro custa sessenta mil. Pra ter um desse é preciso ter certa massa encefálica na cabeça, ou não?

- Quem sabe?

- Presta atenção na letra dessa bosta (...) Não dá pra entender o mundo.

- E a gente?

- Aqui, na esquina, escrevendo "fazer" com Z, dividindo música no fone de ouvido...

Despedimo-nos após acertarmos os detalhes da corrida matinal da segunda-feira. A gente sempre combina e nunca vai. Mais de quatro anos nessa. A gente gosta de se enganar. Quem aí não gosta?

Cheguei em casa, que estava excepcionalmente quente e com um cheiro esquisito. Pipoca de microondas. De queijo. Bem, não fiz mais nada. Logo deu meia-noite e, com ela, o fim dessa epopéia de vagabundo.

Até.

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 14/02/2011
Reeditado em 27/06/2011
Código do texto: T2790736
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