7) É bom comer

“Comer” tem vários sentidos, ou posições, sei lá. Mas me refiro aqui ao gastronômico mesmo. Vai dizer que não é bom? Você nunca sentiu um vazio interior que passa quando come? Pois então...

Quando você está com aquela fome, o prato de comida fica delicioso, não fica? Com fome, o que mais se deseja é a comida, obviamente. Comer é a maior felicidade do mundo.

Dizem que a fome é o tempero da comida. E dizem também que não existe comida ruim, mas falta de fome. Minha mãe diz (e disse que a mãe dela também) o velho ditado “barriga cheia, goiaba tem bicho”.

Uma vez, me disseram: “sempre que come, você diz ‘é bom comer!’” E é verdade. Eu nem tinha percebido. Até hoje, ao sentir a satisfação de desfrutar de uma boa refeição, penso em voz alta: “é bom comer!”.

Intrigado com a observação que me fizeram, pensei no porque disso. Puxei pela memória, uni fatos a dados e concluí que era por causa da época de dificuldade que eu vivia antigamente.

Há muitos anos, não tinha comida boa em casa. Mal tinha comida. Tinha que agradecer quando tinha arroz e feijão. Mistura, só quando ganhava alguma coisa de alguém. Lembro que minha mãe se esforçava em usar a criatividade na cozinha, mas era difícil mesmo transformar o quase nada em alguma coisa.

Lembro também que aquela comida (frequentemente algo do tipo “arroz e ovo”) não sustentava muito. Uma vez, acabei de comer o prato inteiro e ainda sentia fome. Depois de raspar o prato, simplesmente disse à mesa: “mais fome...” E ganhei uma bela bronca do meu pai. Pobre podia ser, mas não podia reclamar não.

Não só com a dificuldade de comida, mas com todas as outras, quando eu ficava triste por faltar alguma coisa ou algum conforto, eu pensava muito forte “um dia, terei o que eu quiser!”

Era uma determinação muito profunda mesmo, para jamais esquecer. “Um dia, terei comida boa à vontade!” “Um dia, terei uma cama confortável!” “Um dia, terei uma TV em cores!” “Um dia, poderei viajar pelo mundo!”

Sim, a partir do nada, querer pouco já era pretensioso demais. Mas os sonhos não paravam por aí, não... porque eu aprendi que tínhamos que sonhar alto. E assim esse “dia” acabou chegando antes do que eu imaginava.

É por isso que hoje valorizo tudo que tenho. Cada detalhe, cada momento, desfruto com toda intensidade. Saboreio o gosto de ter superado muitas dificuldades e transformado sofrimentos em gratidão.

É por isso que a minha comida é tão gostosa. É por isso que é tão “bom comer!”

(Catalão, 05/07/2009)

Hélio Fuchigami
Enviado por Hélio Fuchigami em 12/08/2009
Reeditado em 08/12/2010
Código do texto: T1750927
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