AUGUSTO DOS ANJOS: O POETA BRIGÃO
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Notas Biográficas
“Sou uma sombra! Venho de outras eras, da escuridão do cósmico segredo, da substância de todas as substâncias!”
Augusto dos Anjos (Estado da Paraíba, 1844) já poetava aos sete anos de idade; e, aos dezesseis, publicava seus primeiros poemas. De início, no Almanaque do Estado da Paraíba, depois como colaborador do jornal O Comércio. Pois, foi neste jornal que, em 1901, Augusto se viu envolvido em sua primeira polêmica, com o também colaborador habitual Eduardo Tapajós, que teceu severas críticas a um soneto publicado por Augusto. Dizia Eduardo ter encontrado, no poema, pontos que julgava incoerente ou pouco original. Embora tivesse apenas dezessete anos, Augusto lhe soube fazer frente e usando de ironia substanciada por impecável argumentação, encerrou a discussão com o Eduardo Tapajós.
O sonetista Antônio Elias, que colaborava com o jornal A União, foi outro que envolveu o Poeta numa grande polêmica. Augusto assinava em O Comércio, a coluna Crônica Paudarquense e, em uma de suas publicações, criticou sarcasticamente, sem mencionar o nome, um intelectual local. Mas, Antônio Elias julgou que o poeta se referia a ele e mandou publicar um folheto com o título Carta Aberta. Nela, chamava Augusto de poeta raquítico e, a seguir, dirigia-lhe todo tipo de troças. Por fim, assinava o folheto com apenas “um professor”.
Somente duas semanas depois, quando Augusto dos Anjos tomou conhecimento da tal carta, é que veio a resposta na mesma coluna de O Comércio, e não era de bom tom. Elias soltou outro folheto, desta vez intitulado: Carta Aberta a um Poeta Raquítico. Seguiu-se a resposta de Augusto, na forma de um venenoso poema publicado na segunda página da edição de 15 de novembro:
“Ilustre” professor da Carta Aberta: Almejo
Que uma alimentação a fiambre e a vinho e a queijo
Lhe fortaleça o corpo, e assim lhe fortaleça
As mãos, os pés, a perna, “etcetra” e a cabeça.
Continue a comer como um monstro no almoço
Inche como um balão, cresça como um colosso,
E vá crescendo e vá crescendo e vá crescendo,
E fique do tamanho extraordinário e horrendo
Do célebre Titão e do Hércules lendário;
O seu ventre se torne um ventre extraordinário.
Cheio de cheiro ruim de fétidos resíduos,
[...]
Seja um gigante, pois; não faça porém verso
De qualidade alguma e nem também me faça
Artigos transcendendo a bolor e a cachaça,
Ricos de incorreções e de erros de gramática.
Tenha vergonha, esconda essa sua tendência asnática
Que somente possui seu cérebro obtuso.
Esconda-a e nunca mais se exponha a fazer uso
Da pena, e nunca mais desenterra alfarrábios.
Os tolos em geral, são tidos como sábios,
Quando sabem calar-se e reprimir-se sabem.
O senhor é papalvo (poeta, tolo) e os papalvos não cabem
No centro literário e no centro político.
Respeite-me, portanto! O Poeta Raquítico
Augusto dos Anjos, realmente, era de uma magreza que aparentava uma desnutrição em alto grau; o rosto encaveirado, olhos fundos, olheiras e et cetera.
Recife, Ponte Buarque de Macedo.
Eu, indo em direção a casa do Agra,
Assombrado com a minha sombra magra,
Pensava no destino, e tinha medo.
[...] (As Cismas do Destino)
Ademais, ele não era um homem como os outros, que se acomodam, que se rebaixam para subir; por isso foram muitas as polêmicas em que se viu envolvido, e, quando isso acontecia, “suas vistas transmudavam-se rápido, crescendo, interrogando, teimando. E quando as narinas se dilatavam? Parecia-me ver o violento acordar do anjo bom indignado da vitória do anjo mau” (Órris Soares, seu melhor amigo).
Outro amigo deixou-nos um relato da excentricidade do poeta: “Ele costumava a compor de cabeça, enquanto gesticulava e pronunciava os versos de forma excêntrica é somente depois transcrevia para o papel”.
Embora poetasse desde os sete anos, somente aos 28 viria a publicar seus poemas. É autor de um só livro: Eu e Outras Poesias (1912). Mistura nos poemas biologia, filosofia hindu e cientificismo, além de um sentimento de repugnância pela condição humana:
Eu sinto a dor de todas essas vidas / Em minha vida anônima de larva.
Tome, Dr., e... corte / Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração depois da morte.(Budismo Moderno)
Podre meu Pai! E a mão que enchi de beijos
Roída toda de bichos, como os queijos
Sobre a mesa de orgíacos festins!... (III)
A princípio as apreciações críticas escandalizadas pela temática e pela forma do autor não foram nada boas. No entanto, a segunda edição publicada postumamente (1920) alcançou espetacular êxito. Até hoje "Eu" é considerado, na literatura brasileira, o livro de poemas mais vendido.
Dois anos após a publicação de seu livro, Augusto, um tanto resfriado, foi ao enterro de uma figura pública. Chovia muito e o pequeno resfriado evoluiu para uma furiosa pneumonia que, em pouco mais de dez dias, no dia trinta de outubro de 1914; o matou. Tinha apenas trinta anos.
Eu filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra! (Eu, Augusto dos Anjos) ®Sérgio.
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Ajudaram na composição do texto: Alfredo Bosi, História Concisa da Literatura. / Clenir Bellezi de Oliveira, Discutindo Literatura.
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