A televisão, a jiboinha e os porquinhu fujão

Publicado por: Alice Gomes
Data: 05/08/2011
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Créditos

Autora: Maria Mineira ( ieu gostu dus conto dela, uai ) Intérprete: craro que sô ieu
Depois que Manuel do Juca viu televisão primeira vez, ficou invocado, queria uma. Logo, soube que se construísse uma pequena usina no Rio Samburá, que cortava a sua fazenda, teria luz elétrica e o tão sonhado aparelho. Vendeu um lote de bois e, dali a poucos meses, via sua fazenda iluminada e o sonho realizado. Foi uma festa em toda a vizinhança, que se reunia para assistir as novelas durante a semana e aos jogos de futebol nos domingos.
Certa vez, a enchente destruiu o açude da usina. Manuel do Juca chamou o povo para fazer um mutirão e consertar os estragos. Não apareceu uma viv’alma para ajudar. Ele, porém, de couro curtido com seus compadres e vizinhos saiu cedinho de casa disposto a fazer alguma coisa. Foi logo para a casa do vizinho João Fulô.
—Bom dia, cumpadi João!
—Dia, cumpá Mané...
—O cumpadi anda munto apertado de sirviço esses dia?
—Ihhh, nem mi fale! O cumpadi querdita qui os meus leitãozin arrombaro o chiquêro e iscapuliro tudo? A muié ta braba mode quê ês tão fuçano na horta de côve, e o pió é que ieu tô cum medo dês mexê na prantação de mandioca, se contecê isso, esse ano nóis num faiz porvio... Vô gastá uns trêis dia pa rumá o manguêro e fechá os porquim lá travêis.
—Ah... Esses bicho dá trabaio memo! Mais podexá... Vim vê se o cumpadi tivesse a tôa, ieu ia querê que fosse cumigo lá no Bambuí, num leilão de gado, mode me ajudá iscoiê umas vaca leitêra qu’eu tô quereno comprá.
—Uai, intão é prá isso qui o cumpadi vei aqui in casa?
—É, mas já qui ocê num pode, eu chamo o cumpadi Oripe...
—Quê que isso? Indeus de quando ieu falo um não pro cumpadi? Pensano mió, esses porquim tão sorto faiz tempo, e nem passaro perto do mandiocar, num é agora qui ês vai fuçá lá, né memo?
Manuel após combinar a hora da viagem do dia seguinte com o compadre, foi para o próximo sítio.
Oripe do Januário viu o compadre Manuel chegar e ficou ressabiado, já lembrando da arrumação do açude.
—Dia cumpade Mané! Vamu chegá...
—Dia cumpadi, a demora é pôca... Faiz tempo qui ocêis sumiro lá de casa uai. Ieu quiria sabê se ocê ta munto apertado de sirviço esses dia...
—Nóoo... Cumpá Mané do céu!... Nem mi fale de apêrto sô! Faiz uns dia qui ieu num tenho sussego...
—Uai, tem arguém perrengue na famia?
—Não. Grazadeus num é duença não, é a Jibóinha qui sumiu... A vaca mió de leite qu’eu tenho. Já pelejei pá achá ela, campiei nessas grota, nesses pasto e inté hoje nada. Num vi urubu avuano, ela ta é escondeno a cria... Vaquinha trêtera ta ali!
—Ah... Intão vombora, num quero istrová ocê não. Ieu vim vê se o cumpadi tivesse forgado, ia te chamá pa i cumigo no Beraba, mode vortá guiano uma das caminhonete, pruquê ieu vô comprá uma D20 nova.
—Cumpá Mané do Céu! Indeus de quando ieu dexo de ajudá um amigo? Num vô te fazê uma disfeita dessa não sô! Vô cocê no Beraba!
— E a vaca Jibóinha? Cê num tem qui campiá ela nos pasto dos vizinho?
—Mais oia só procê vê... Inté parece milagre! Se num me faia as vista... Si to vendo dereito... Acho qui cabei de avistá a fedazunha da vaquinha amoitada, tá ali, ispia uns chifre apontano... Bem no mei dos imbiri do corguim...
Manuel Seguiu caminho, agora indo para os sítio do Joaquim Duardo.
— Cumpadi Mané... Que bão vento ti traiz aqui?—Falou Izilda, a esposa do Joaquim.
—Boas tarde cumade Izirda, o cumpadi Joaquim ta in casa?
—Joaquimmmm!— Gritou Izilda. —Cumpade Mané ta qui, vem cá, home!
Joaquim apareceu na porta com cara de sono.
—Vamu apiá do cavalo e entrá pa dentro, bebê uma água doce...
—Outro dia cumpadi, ieu vim vê se ocê pode me ajudá...
—Bem qui eu quiria, mas o cumpadi num sôbe qui a dona Girtrudi, vó da Izirda, ta morre num morre?
—Num subi não... Tadinha da dona Tude, intão já vô ino, eu vim memo só pa vê se ocê podia ir cumigo amanhã lá no Araxá comprá uns adubo... Num gosto de viajá de carro suzim...
—Eu vô demais da conta! Devo muntos favor procê sô!
—Mais... E a dona Tude?
—Ahhh.... Qué sabê duma coisa ? Pote ruim num quebra! Onte memo, inda falei pa Izirda, — Muié, sua vó inda vai interrá nóis tudo! Ô véia custosa pa morrê! Credo!
Noutro dia cedinho, apareceu mais de uma dúzia de compadres na casa do Manuel do Juca, prontos para a viagem. Porém, este avisou ter adiado para a outra semana e para que não perdessem as pernadas entregou-lhes as ferramentas para o trabalho no açude da usininha e a conseqüente volta da luz elétrica e da televisão.



Dicionário mineirês:

De couro curtido: Calejado, quando já se sabe com quem ta lidando.
Porvio: Polvilho, matéria prima para o pão de queijo.
Perrengue: Doente
Tretêra: Difícil de lidar
Côve: Couve
Campiá: Campear é procurar o gado sumido
Istrová: Estorvar
Apiá: Apear, descer do cavalo.
Água doce: Na roça quando não tem pó, se bebe água doce.
Manguêro:Lugar cercado para fechar os porcos. O lá da casa do meu avô era cheio de pés de manga, eu pensava que o nome vinha daí...

Nota: Esse causo, meu pai me contou esses dias que eu estive lá na Serra, ele conhece todos esses personagens e alguns são até amigos dele.