Os neocruzadistas virtuais e a obsessão pela doutrinação religiosa e política

Os neocruzadistas virtuais e a obsessão pela doutrinação religiosa e política

por Márcio de Ávila Rodrigues

[02/03/2023]

Bem no finalzinho dos anos 1990, eu trabalhava no extinto hipódromo Serra Verde, em Belo Horizonte, e ocasionalmente comprava ração de um ex-jóquei, antigo conhecido.

Mas comecei a observar que ele estava muito insistente em incluir mensagens religiosas (era evangélico) em nossas conversas comerciais ou sociais.

Eu já tinha, então, a informação de que em muitas igrejas evangélicas os pastores exigiam uma postura, entre seus fiéis, de constante tentativa de influenciar outras pessoas.

Em um momento que o meu vendedor estava insistindo em comentários religiosos, eu optei por ser bem direto e disse que sabia que ele fazia isso por ordem de um pastor.

Pego de surpresa, ele confirmou e explicou que se não agisse assim seria cobrado depois de terminar sua vida terrena.

Eu sei, também, que nas preleções sobre este invasivo formato de imposição doutrinária, muitos pastores argumentam que os fiéis não devem se importar com a reação negativa, pois mesmo assim estariam "ganhando pontos" na contabilidade celestial.

Essa postura de, mais do que induzir, insistir e tentar impor ideias e comportamentos, teve seu ápice nas cruéis cruzadas da idade média. Foi uma sangrenta e longa tentativa de impor as ideias cristãs aos povos orientais.

A crueldade como veículo para espalhar a bondade.

Isso serve de metáfora para as insistentes campanhas moralistas presentes hoje na comunicação virtual (redes sociais). Um problema que eu acho pior no WhatsApp do que no Facebook, pois o primeiro trabalha com grupos menores e mais segmentados.

A opção de compartilhamento facilita muito o trabalho do cruzadista ideológico que, em sua maioria, tem preguiça mental para elaborar e redigir material que esteja de acordo com suas convicções e interesses.

Observo, ainda, que é muito comum determinado tipo de réplica quando membros do grupo virtual reclamam da agressividade ou insistência: os neocruzadistas explicam que precisam enfrentar o “inimigo” antes que seja tarde. E que devem ignorar a reação dos "passivos" ou de adversários.

E os grupos vão minguando. Muita gente permanece, mas vai deletando ou ignorando as mensagens indesejáveis.

Sobre o autor:

Márcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, em 1954. Sua primeira formação universitária foi a medicina-veterinária, tendo se especializado no tratamento e treinamento de cavalos de corrida. Também atuou na área administrativa do turfe, principalmente como diretor de corridas do Jockey Club de Minas Gerais, e posteriormente seu presidente (a partir de 2018).

Começou a atuar no jornalismo aos 17 anos, assinando uma coluna sobre turfe no extinto Jornal de Minas (Belo Horizonte), onde também foi editor de esportes (exceto futebol). Também trabalhou na sucursal mineira do jornal O Globo.

Possui uma segunda formação universitária, em comunicação social, habilitação para jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atuou no setor de assessoria de imprensa.