CULTURA: UM CAMPO MINADO PELAS ESFERAS DA ECONOMIA E DA POLÍTICA

Lúcio Alves de Barros*

Acredito que terei provocado poucos inimigos e inimigas ao afirmar como seria bom amar e possuir quatro, cinco e, talvez, seis mulheres. Por um lado, é imaginável quantas poesias poderiam ser feitas, quantas lágrimas seriam jogadas ao chão e quantas juras de amor seriam cantadas ao pé do ouvido da amada. Por outro lado, é possível pensar o cansaço, a insônia e o montante das preocupações próprias da natureza das relações entre homens e mulheres. O fato é que, se é difícil viver sem elas, não deve ser fácil manter relações com cinco ou seis. Não estou exagerando, tampouco pretendo provocar os que vivem sob à luz do que prega o senso comum e os dogmas religiosos. Por traz dessa discussão reside o que entendemos por cultura, um conjunto de signos, símbolos, ritos, rituais, significados, significantes e representações que homens e mulheres tecem em grupos sociais de diversos matizes. Nesse sentido, as palavras iniciais, por exemplo, não causaria nenhum mal-estar se fossem mencionadas entre seres humanos que comungam os imperativos da cultura oriental, ou mesmo das culturas consideradas primitivas.

Desnecessário é insistir que o campo da cultura é complexo e deve ser entendido levando-se em consideração a história, a conjuntura, a realidade, os seus protagonistas e coadjuvantes. A questão cultural torna-se problemática quando está diretamente associada aos interesses da esfera da política ou da economia. A associação entre campos que carregam suas próprias idiossincrasias coloca sob suspeita não somente as relações sociais nelas produzidas, mas também interesses, jogos ocultos de poder e conflitos tácitos de difícil coordenação. Não creio que devemos partir da possibilidade da mensuração, compra, venda ou submissão ao poder das manifestações invisíveis, produzidas socialmente e resultado de longos períodos históricos. Como conceituar, identificar ou colocar à venda manifestações culturais, notadamente, as que envolvem a memória, o trabalho coletivo, o conjunto de símbolos e significados? Penso, nesse caso, na cultura que se manifesta nas histórias de vida, festas, comemorações, rituais religiosos e laicos, equipamentos urbanos e rurais, artesanatos, músicas e linguagens. A natureza da cultura, muitas vezes intangível, não é mensurável. A questão é mesmo problemática, principalmente quando recebe as perversas roupagens da economia ou da política. Como vender cultura? Como garantir a oferta da “mercadoria” cultura? Como por em disponibilidade a exploração do que chamamos de "capital cultural"? As respostas são utópicas. No entanto, gostaria de indicar três problemas pelos quais as autoridades ou os “consultores da cultura”, devem se atentar.

Em primeiro, será necessário verificar a possibilidade de distribuição dos recursos culturais. Nesse campo, tenho sérias dúvidas. Em um país marcado pela má distribuição de renda e desigualdade social, aquele fenômeno, aparentemente, será difícil de acontecer. Mais fácil é esperar a emergência de um terremoto ou mesmo a erupção de um vulcão em solo brasileiro.

Em segundo, é mais do que elementar a defesa do direito à cultura. Nesse contexto, é necessário um pouco de franqueza. Se a famigerada redemocratização porque passou o país sequer resolveu o problema da distribuição da justiça, o que podemos esperar no campo da cultura? Poderia ainda, aproveitando à oportunidade, discutir a crise porque passa a política e, por ressonância, a má distribuição do que se entende por poder político. Como se sabe, possuímos o direito de votar, mas poucos são aqueles que podem exercer o efetivo direito de ser votado.

Em terceiro e último, não posso deixar de mencionar o necessário empenho em favor da impessoalidade e do caráter público que deve fazer parte das ações voltadas à cultura. A contaminação por interesses personalizados, indubitavelmente, minará os esforços de qualquer política no sentido da manutenção dos fenômenos culturais. Garantir o princípio da impessoalidade e da transparência é possibilitar o respeito à diferença, à diversidade de manifestações e, por conseqüência, os limites e as opiniões contrárias a determinadas práticas produzidas por homens e mulheres em constante mutação.

Devido ao pouco espaço finalizo lembrando o caso das mulheres. Infelizmente (ou felizmente) nossa cultura, pelo menos no campo manifesto, não permite que nos casemos com duas, três, quatro ou mais. Diante dessa "impossibilidade" cultural e normativa gostaria de deixar um abraço, afirmando que amo a todas de coração, independentemente de raça, cor, credo religioso, condições econômicas, políticas e sociais.

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* - é licenciado e bacharel em Ciências Sociais pela UFJF, mestre em Sociologia e doutor em Ciências Humanas: Sociologia e Política pela UFMG. Autor do livro “Fordismo: origens e metamorfoses”. Piracicaba, SP: Ed. UNIMEP (Universidade Metodista de Piracicaba), 2004.