DA GLOBALIZAÇÃO.

A intelectualidade brasileira só inventa (nem sei se inventa)

ou difunde mitos paralizantes, destrutivos. A “globalização”

é um deles.

Nogueira Batista

Desconheço palavra mais badalada, nos últimos anos, que

“globalização”. Sua força ideológica é irrefragável. De modo que, dos botecos às conferências mais refinadas, haja nhenhenhém.

Observo, de revés, esse frenesi todo tendo em mente o seguinte: as grandes farsas da existência sempre se ornam das mais belas razões. Ou alguém pode me garantir que essa “globalização” não é o ópio encapotado de nossos tempos?

A coisa, de maneira geral, pode ser entendida como a “organização de empresas e economias em escala planetária”. Que diabo, isso não é o intragável imperialismo do século XIX? Calma, reconheço ser uma leitura irônico-pessimista.

Viajemos diacronicamente. Os “phdeuses” nos afirmam que o verdadeiro impulso na “globalização” ocorreu lá pela metade do século XX quando a internacionalização das empresas é vista como algo inexorável. Nas décadas de 50 e 60, quem entra para valer na arena são as multinacionais. Nos anos 70 e 80, com os problemas decorrentes das dívidas externas dos chamados países em desenvolvimento, os agentes mais importantes passam a ser, claro, os grandes bancos e instituições financeiras de peso. Hoje, embora aqueles e estas continuem fortes, entram em cena “os processos de liberação comercial”. Daí a famigerada Organização Mundial do Comércio”.

O teórico Anthony McGreyw, da Universidade Aberta do Reino Unido, sintetiza, com propriedade, três visões sobre “globalização”. Temos os “hiperglobalizantes”, capitaneados por Kenichi Ohmae, que acreditam piamente numa “era global” sustentada pelo capitalismo e pela tecnologia. Entendem por “globalização” nada mais que uma reorganização da divisão do trabalho. O Estado-Nação, advogam, desaparecerá. Os “descrentes”, por outro lado, defendem que as principais molas são o mercado e os Estados. O que nos espera, alertam, são turbulências. A globalização, portanto, não passa de mera internacionalização. Ou seja, “qualquer coisa que escape ao âmbito do Estado Nacional”. Paul Hirst é o que se pode chamar de guru-mor desse ponto de vista. Entre os dois extremos, aparecem os “transformalistas”. Adoram falar em modernidade. Segundo eles, nada de Estados e mercados; quem, de fato, comandará todo o processo é a própria modernidade. Entendem por “globalização” a “reorganização das relações inter-regionais e ação a distância”. Seu grande mestre teórico é Anthony Giddes. Os “transformalistas” vislumbram um porvir fragmentado, mas integrado mundialmente.

De minha parte, eis o que sinto: indignação com as conseqüências da “globalização”. O seu faz de conta (não importa a teoria) é uma tentativa deslavada de impor a supremacia absoluta do mercado, isto é, de nos fazer acreditar cegamente que só existe um caminho: o capitalismo nos moldes do G7. Estou com Maria Conceição Tavares: “A globalização é a jogatina da moeda diária. Isso afeta também empregos”.

A “globalização” é histórico-sócio-culturalmente construída, logo administrada. Cada um deve buscar as razões de sua tendência. As análises exigem objetivação, escuta e domínio das argumentações. Quantos blablablás, quantas fantasias, quantos exageros, quantos mitos estão nela presentes?

Evoco, enfim, José Saramago, para com ele dizer: “(...) a questão principal aqui é esta; eu não jogo na bolsa, portanto não ganho. Mas o que acontece é que eu vou ter de pagar. Quando o vendedor ganha na bolsa, eu não ganho nada. Quando perdem, eu pago. Se este sistema aí é claro, luminoso e otimista, então tem alguma coisa nessa história. E não sou eu que está errado”. Nem eu, mestre, nem eu!