A TRISTEZA DA SOCIEDADE DA PRONTIDÃO

Lúcio Alves de Barros

é professor e sociólogo, licenciado e bacharel em Ciências Sociais pela UFJF, mestre em Sociologia, doutor em Ciências Humanas: sociologia e política pela UFMG. Autor do livro, Fordismo: origens e metamorfoses. Piracicaba: Ed. UNIMEP, 2004; organizador da obra Polícia em Movimento. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006 e co-autor do livro de poesias, Das emoções frágeis e efêmeras. Belo Horizonte: Ed. ASA, 2006.

É indiscutível a maravilhosa mudança que perpassa a sociedade capitalista. Há muito Karl Marx (1818-1883), filósofo e economista judeu, comentou sobre a capacidade revolucionária da burguesia. A atualidade do seu pensamento, nesse sentido, é assustadora diante dos avanços que percebemos na maioria das esferas que compõem o tecido social. Mais do que nunca somos surpreendidos pelo avanço da medicina, da engenharia, da biotecnologia, da possibilidade do aumento da produtividade, do trabalho e do lazer. Obviamente, tais avanços não atingiram a todos. A sociedade de mercado não foi feita para pobres, tampouco para aqueles que vegetam na indigência e vivem a esperar a ajuda de um Estado corrupto, hipócrita, hierárquico, autoritário, violento, machista, sedutor e nada modesto. Não é necessário, talvez, firmar o famoso debate sobre as desigualdades sociais, econômicas, culturais e políticas, tampouco dos fortes obstáculos que ainda temos que ultrapassar nesse cenário. Certamente, poucos de nós estarão vivos para presenciar uma sociedade igualitária, solidária, fraterna, honesta e, quiçá, cristã. Esqueçamos esses flashes presentes em sonhos e nas melhores intenções dos seres humanos. A sociedade em que vivemos é fascista, cruel, dura e má com os seus filhos e, pelo que parece, a conjuntura tende a piorar ante os acontecimentos que presenciamos aqui e acolá. Contudo, algo não deixa de chamar atenção e causar mal-estar: o constante desejo que temos em encontrar uma sociedade pronta. Explico melhor, desejamos uma sociedade da prontidão, na qual tudo já está posto, colocado em seu devido lugar, organizado, ajeitado, sem problemas, sem custos e possibilidades de ação.

Penso que a prontidão é um dos dilemas mais sérios da sociedade pertencente aos indivíduos. É bem verdade que é ótimo comprar o frango já assado, a batata pronta, o remédio industrializado ou manipulado, a roupa sem retoques, o carro do ano sem nenhum problema e a casa linda e maravilhosa dos sonhos dos que não possuem sequer a casa própria. A questão fica séria é quando percebe-se o desejo da prontidão nas relações humanas. Desejamos a mulher perfeita: seios firmes, ancas largas, olhos claros, lábios carnudos, cabelos longos e pernas grossas e potentes, uma Gisele Bündchen (poderia até ser melhor). Na verdade, queremos mais, que ela seja inteligente, boa mãe, estude muito, seja boa mulher, maravilhosa na cozinha, trabalhadora, que tenha o seu próprio dinheiro e que possa, na medida do possível, não contrair despesas, dizer aonde vai e ainda gostar de futebol. Um aluno meu, pediu que ela fosse muda. É impossível conseguir a perfeição. Essa palavra jamais deveria existir. Chega a ser uma imbecilidade a procura frenética da excelência, presente, talvez, somente em Deus.

A sociedade da prontidão é uma utopia, todavia é assustadora quando se vê a luta ininterrupta para alcançá-la. São poucos os que desejam lutar e lutar para realmente conseguir através do merecimento. Não queremos o cansaço e o peso da perda. Quanto menor o custo e maior o benefício, melhor a vida e o outro. Assim, seria bom que os filhos viessem excelentes, sem o trabalhoso e necessário processo de responsabilidade por sua educação. Seria divino encontrar amigos e amigas sempre prontos a escutar, carregar e resolver os nossos problemas. Melhor ainda seria a possibilidade de encontrar o amor perfeito sem a necessidade de conhecer, esperar, saber, tolerar e conquistar - em longo prazo - a pessoa amada. A sociedade da perfeição carrega o seu contrário, ela não suporta a paciência, ela é ansiosa, pouco generosa, solidária e fraterna.

Na sociedade da prontidão não há lugar para a tolerância, a simplicidade, a humildade e o humor. Não é por acaso que muitas pessoas estão se entregando desumanamente ao espetáculo, à busca incansável de mais e mais dinheiro e o agregar constante de mais e mais poder. Pensam elas que boa parte dos problemas serão resolvidos e a vida, certamente, será mais feliz, glamourosa e menos cansativa. Ledo engano. Nesse caminho, no qual em geral não se têm escrúpulos e respeito ao outro, não há vida, não existe a beleza da conquista, o bom cansaço da luta, o construir da paz, a tolerância pelo crescimento do outro. Mais que isso, longe da concepção não ideal do belo, deparamos com o mundo das aparências, chutamos a essência e nos entregamos ao verniz de um rosto bonito ou de uma pele um pouco menos curtida pelo tempo e pelo sofrimento. Nessa caminhada, perdemos a possibilidade de conhecer a diversidade do mundo dos vivos, é bom perceber os temperamentos, as metamorfoses do humor, a dor da vitória e a humildade da derrota. A vida, ao contrário do que se pensa não é “ter”, é “ser”. Não vejo muitas possibilidades de vida na conquista de mais e mais dividendos, poder e patrimônio. O sabor da vida está nas pessoas que amamos e tivemos a possibilidade de ter e conhecer. A sociedade não é um supermercado. As pessoas não estão expostas em prateleiras para mostrar a pseudoperfeição, as qualidades, os dotes, dons, o tipo, a trajetória e a marca. Pessoas não aparecem, elas brilham e mudam a cada tempo. Esse é o espetáculo da vida. Ela não vem sem problemas, desafios, dor e muito sofrimento. Nos dias atuais, percebo que homens e mulheres não cultivam a paciência e, realmente, estão se entregando à prontidão do mundo da vida. Nesse sentido, perdem a possibilidade de conhecer o outro, retirar dele o que não possui, amar o desconhecido e meditar sobre a finitude e a inexorável modificação corporal. Não sei a que ponto essa sociedade vai chegar...

Na busca da perfeição, homens e mulheres estão improvisando, casam rapidamente, separam sem tolerar a diversidade, conhecem e desconhecem numa velocidade sem igual, usam os outros, atropelem valores, fingem e bajulam os poderosos, vendem a alma ao diabo, o corpo à humanidade e não desejam perceber as conseqüências e possíveis responsabilidades que, certamente, estarão por vir. Disse que a sociedade capitalista não é para pobres e miseráveis, a sociedade da prontidão não é para seres humanos. Muito cuidado é pouco, tão pouco que uma possível saída seria apostar em uma sociedade do cuidado. Cuidar, obviamente, sem esperar a excelência: nada como cair e se levantar, tentar e conseguir, lutar e conquistar a vitória, estudar e conseguir a nota meritória, trabalhar e viajar, ter porque mereceu, poder porque tentou sem o uso de máscaras, mentiras, enganações e desonestidade. Tal como John Locke (1632-1704), filósofo inglês, nada como a tolerância e o constante apostar na liberdade, na experiência e na razão, haja vista que por trás de toda “autoridade” que se comporta ou se coloca como perfeita e, por vezes, empreendedora, está o desejo incontrolável da persuasão, sedução, ambição, promiscuidade e domínio do outro.