“ME DISSERAM QUE EU VOLTEI AMERICANIZADA”: NOTAS SOBRE ESTRANGEIRISMOS DA E NA LÍNGUA PORTUGUESA DO BRASIL

Resumo: Esse artigo discorre, mesmo que de modo preambular, sobre a questão dos estrangeirismos da e na Língua Portuguesa do Brasil. Intenta-se nele, apresentar, muito mais do que finalizar, certas considerações sobre tal temática, de modo a verificar e a analisar, historicamente, alguns estrangeirismos da e na Língua Portuguesa do Brasil, sob a ótica do descritivismo lexicográfico. Outrossim, torna-se fulcral a importância de um filólogo brasileiro do século XIX como estudioso dos estrangeirismos e, sobretudo, sua luta contra os mesmos, haja vista a existência de correspondentes sintáticos e semânticos disponíveis na Língua Portuguesa para eles. Ao fim e ao cabo, tratamos do conceito de aculturação como um dos dispositivos prementes na questão dos estrangeirismos.

Palavras-chave: Estrangeirismos da e na Língua Portuguesa do Brasil; História lexicográfica; Descritivismo linguístico; Processo de aculturação.

Resumen: En este artículo si negocia, aunque de manera preliminar sobre el tema de los préstamos en el idioma Portugués de Brasil. Los intentos en él, presentes, más que por último, ciertas consideraciones sobre este tema con el fin de verificar y analizar, históricamente, algunos de los préstamos en el idioma Portugués de Brasil, desde la perspectiva del descriptivismo lexicografico. Por otra parte, es fundamental la importancia de un filólogo brasileño del siglo XIX como un estudioso de los préstamos y sobre todo su lucha contra ellos, dada la existencia de coincidencia sintáctica y semántica disponible en portugués para ellos. Después de todo, tratamos el concepto de aculturación como uno de los dispositivo de presión sobre la cuestión de los préstamos.

Palavras-clave: Préstamos em el idioma Portugués de Brasil; Lexicografía historica; Descriptivismo linguistico; El proceso de aculturación.

Em toda língua são observados traços de uma mesma língua-mãe, e com isso, muitas palavras trazem significados comuns através de significantes diferentes, embora de grafia semelhante. Entretanto, existem palavras na Língua Portuguesa, que mesmo pertencendo a uma raiz linguística de mesma ordem, são consideradas como estrangeirismos. E o que são de fato estrangeirismos? Por que os “puristas” pretendem conservar a língua como um elemento sólido (em seu sistema fechado) se é na fala que se executam as mudanças linguísticas?

A cristalização da norma culta de uma língua dá-se pela prescrição de normas aceitáveis ao funcionamento da linguagem. Os gramáticos são tidos como a base para a conservação do chamado “bom nível da língua”. Ao longo do tempo elege-se um modelo ideal de língua, o qual deve ser empregado pelas pessoas cultas. Estabelece-se também um investimento sociocultural e econômico para relegar certos modos de fala que poderiam contaminar a linguagem escrita, uma vez que é na fala que se consolidam as mudanças diacrônicas que, ademais, serão incorporadas ao fenômeno da língua escrita, ou em termos saussureanos, ao sistema da língua.

Como tratar então dos estrangeirismos? Nota-se na Língua Portuguesa do Brasil palavras formadas por hibridismo, em que em alguns casos, os dois radicais são oriundos de outras línguas. Haveria, ainda hoje, no século XXI, uma política contra a contaminação de nossa língua por estrangeirismo?

Segundo Marcos Bagno (2006, p. 23):

A Academia de Letras estabelece a ortografia oficial, a maneira única de escrever, que é imposta por decreto-lei governamental. Ela cuida também para que palavras de origem estrangeira não “contaminem” excessivamente a língua, e propõe novos termos para substituí-las, termos com uma forma mais próxima daquilo que os tradicionalistas chamam de “a índole da língua.

Sabe-se que os estrangeirismos são uma constante em toda e qualquer língua. Se tomados apenas como um empréstimo de outra língua para significar um elemento não correspondente na língua, os gramáticos mais “puristas” ainda admitem-nos pelo viés da finalidade (estabelecer um novo valor linguístico a partir de um estrangeirismo). Contudo, se tomados simplesmente como adorno, por imposição de poder de certa cultura dominante, há que se olhar como supremacia máxima de uma ideologia nacional maior sobre outra menor.

Atualmente, pelo processo de globalização ascendente no mundo, existem diversas trocas linguísticas facilitadas pelos veículos de comunicação, como, por exemplo, a internet. A “voz” dos discursos (em seus diversos processos de enunciação) trocados nas redes mundiais de computadores acaba transferindo-se para o cotidiano da população e logo se infiltra na fala cotidiana das pessoas. O receio dos “puristas” é, justamente, de que as pessoas comecem a usar na fala termos que existem correspondentes aportuguesados simplesmente por influência midiática, ou por sobreposição de culturas consideradas maiores (economicamente).

Seria o caso de falar-se em aculturação pela língua? Língua e cultura têm uma relação tão imbricada que dela se depreende uma nova constituição de vocábulos para suprir a grande exigência das massas que usam os estrangeirismos.

Depois da Guerra Fria , em que o mundo dividiu-se em dois polos econômicos e culturais (capitalista e socialista), houve a marcação de um campo de exploração cultural por parte do bloco capitalista liderado pelos Estados Unidos da América. A língua, como expressão de poder, também se imprimiu como álibi de acordo dominante do país em questão. Confirmação desse fato é o inglês norte americano ser considerado hoje em dia, como a língua de prestígio mundial e a língua que rege as transações econômicas, sociais e culturais. Toma-se como exemplo a implantação da língua inglesa como disciplina obrigatória nas escolas brasileiras a partir da década de 1970.

A língua inglesa invade, pois, as demais culturas, manifestando a sua egocentricidade, rebaixando o valor da língua francesa, considerada até então como a língua de circulação mundial e de valoração primeira.

Os estrangeirismos, aqui, especificamente os americanismos fascinam de tal forma, que invadem tanto o seio formal, quanto o informal das relações comunicacionais. Parece que há um critério de identidade nacional (apogeu do Romantismo brasileiro) em relegar os estrangeirismos surgidos como maneira de nomear algo não correlato em alguma cultura oposta. Entretanto, considera-se abusivo o uso de estrangeirismos como forma do que se convencionará chamar de evangelho vocabular. Esse conceito criado para os fins desse trabalho, diz respeito às palavras com correspondência na língua portuguesa que acabam sendo obstruídas pela incorporação e pela utilização (na fala e na escrita) de um idioma dominante no mundo (a Língua Inglesa, sobremaneira).

O uso de evangelho vocabular concomita com a ideia de que uma manifestação automática e mecânica de um dogma linguístico (utilizar a língua de maior prestígio no mundo como símbolo de domínio do conhecimento e da competência linguística) leva palavras portuguesas à imersão, dando lugar às palavras inglesas.

O Português brasileiro está sendo dragado pelo Inglês, em uma espécie de genocídio suicida, isto é, os próprios brasileiros estão a exterminar a sua língua nacional. Depende-se de contextos culturais para identificar-se o que pode chamar de estrangeirismo, ou não. Por que falar e escrever “hot dog” se temos o correspondente “cachorro quente”? O hábito de comer cachorro quente se familiarizou com a influência da cultura norte-americana, mas se deve levar em conta que há uma maneira específica de se fazer, de se preparar alimenticiamente o hot dog nos Estados Unidos e outra de se fazer, de se preparar alimenticiamente o cachorro quente no Brasil. Nos Estados Unidos o hot dog é feito com um molho agridoce à base de pepinos, enquanto aqui no Brasil, usamos o tradicional molho de tomates para esse fim. Não seria mais conveniente falarmos e escrevermos cachorro quente aqui no Brasil, uma vez que temos palavras correspondentes às palavras “hot e dog”?

A simbologia de usar palavras da Língua Inglesa é mais uma convenção social, para que as pessoas se mostrem superiores, aliando a imagem de poder estadunidense ao falar a língua da nação mor, a fonte de elitização pessoal.

Vê-se o caso do século XIX, em que dominava a cultura francesa no mundo e no Brasil. O uso de palavras francesas era recorrente como pretensa erudição com fins de ascensão social. Um caso curioso é o do Dr. Castro Lopes (1827-1901), que foi um filólogo brasileiro que defendia de maneira ferrenha a pureza da Língua Portuguesa. Tinha aversão aos galicismos que se introjetavam de maneira crescente na linguagem brasileira.

O filólogo em questão, a partir dessa aversão sumária aos galicismos cria palavras, a fim de que essas pudessem suprir a inexistência de palavras correlatas às de origem francesa. É de citar-se um trecho do artigo A arte de inventar palavras, de Bráulio Tavares na revista Língua Portuguesa: “Castro Lopes passou a inventar palavras com raízes gregas ou latinas, que, pelo seu raciocínio, tinham mais a ver com as origens do nosso idioma.”

Estabeleceu, Castro Lopes, para tanto, uma teorização de que para ter significado, a palavra bastava fazer sentido filologicamente, ou seja, por mais estranha que fosse a junção de vocábulos mórficos do grego e do latim, haveria um significado mais plausível com as estruturas mínimas de composição de palavras da Língua Portuguesa. Para o aportuguesamento de “abajur” derivada do Francês “abat-jour” ele propunha “lucivelo”, assim como “convescote” para “piquenique” derivada do Francês “pic-nic”.

Palavras que pouco faziam sentido para a população e que não tiveram aceitação, por mais que fossem dicionarizadas. O que vale salientar é toda a emolduração cultural vigente no século XIX. Era bem mais polido e fino escrever e falar “abajur”. Entretanto, uma das palavras criadas por Lopes teve uma considerável aceitação e ao longo do tempo se consolidou ao uso. Trata-se de “cardápio”, palavra que se incorporou e está em uso até hoje, por mais que trave uma luta latente com a palavra “menu” do Francês.

No caso brasileiro, fez-se, ao longo de quase dois séculos, pelo peso e prestígio da cultura francesa, e, com mais intensidade, a partir dos anos 40 do século XX, pelo peso e prestígio da cultura, da economia e do poderio militar anglo-americano. A difusão e a presença crescente dos meios de comunicação e da chamada “indústria do entretenimento” proporcionam ferramentas de disseminação de matrizes comportamentais (inclusive de comportamentos linguísticos), irradiando da cultura dominante para as culturas periféricas. (AUBERT, 2001, p. 166)

Alguns empréstimos lingüísticos possibilitam certo enriquecimento da língua, afinal, para significar termos que não apresentam nem um traço relacional na língua portuguesa seria dificultoso e/ou até mesmo levaria à formação de uma palavra com significante distinto, mas de significado confuso, pela determinação crua do termo base. Pode-se citar a palavra “mouse” do vocabulário técnico da informática, que se substituída por “rato” no português teria um sentido deslocado, porque “mouse” já encapsulou como um termo sem relação na Língua Portuguesa.

Em contra partida, procurar significantes para manter o significado original, esse, vindo de uma outra língua seria um abuso purista. É como a Língua Inglesa tentar encontrar um significante próprio para a palavra saudade da língua portuguesa.

Conforme assinala Wolfgang Muller (1979, p. 217): “as palavras provindas duma outra língua, desde que não sejam mais reconhecíveis traços especiais de estrangeirismo, do ponto de vista sincrônico já não podem ser chamadas de estrangeirismos”.

Esse é um ponto determinante para tentar-se definir com propriedade o conceito de estrangeirismo. A análise da língua num dado momento permite sistematizar as palavras e os vocábulos pertencentes a um objeto comum e com isso gerar uma distribuição do que pertence ao vernáculo da língua e o que foi tomado como empréstimo de outra língua. Uma vez que os estrangeirismos se acomodam facilmente no nosso sistema de língua, a não incorporação dos mesmos é matéria de segunda ordem para tal embasamento. O que importa mesmo é o reconhecimento da linha tênue entre estrangeirismo e substituição de significantes por inexistência de significados em certa língua.

Os estrangeirismos aportuguesados consistem numa adaptação vocabular por nivelamento fonético. José Lemos Monteiro, em Morfologia Portuguesa (1991, p. 182) dá como exemplo o som /i/ arredondado do u francês na palavra “bureau”, que é substituído por /i/ não arredondado e assim ocorre o aportuguesamento para “birô”. Trata-se nesse caso de um estrangeirismo ou de um empréstimo por insuficiência de significante no português?

O anglicanismo “shampoo”, por exemplo, em razão da economia lingüística que a descrição do produto não possibilitava, gerou a grafia aportuguesada “xampu”, através no nivelamento fonético.

Os estrangeirismos possuem duas faces: os que contribuem para o enriquecimento do idioma, por penetrarem na língua como recurso de significação a termos inexistentes na mesma, e os que são, tão somente, matéria de importação, por modismo, por dominação cultural, por acréscimo de uma pseudoerudição.

“Talvez a atitude mais coerente seja a de aceitar os estrangeirismos já perfeitamente aportuguesados e evitar os que possuem correspondentes vernáculos com o mesmo significado.” (MONTEIRO, José Lemos, 1991, p. 180). Procurou-se, então, demostrar certas considerações dicotômicas acerca dos estrangeirismos na Língua Portuguesa do Brasil. Há de se frisar que temos na Língua Portuguesa palavras formadas por morfemas de outras línguas, que é um processo de composição que não desfaz de todo uma representação positiva dos estrangeirismos (os hibridismos são vistos como correlações linguísticas diante de morfemas inexistentes em nossa língua).

Ademais, os usuários da Língua Portuguesa tratam com naturalidade a expropriação do seu idioma, como se a órbita da língua estive relacionada com a órbita do poder central do mundo. Em tempos de Copa do mundo de futebol, geralmente enaltece-se toda a brasilidade, o sentimento patriótico que inunda ruas, casas e afins. Quiçá um dia não sejamos reconhecidos apenas como a nação do carnaval, da mulher nua e do futebol. A língua é um bem primário de distinção e de enaltecimento sociocultural. Por isso, para além dos estereótipos sobre o Brasil, que a língua portuguesa falada e escrita aqui seja motivo de representatividade social, cultural, histórica e econômica, além de desvelar as subjetividades dos sujeitos, que só pensam e expressam afeto por meio dessa língua.

Referências Bibliográficas:

AUBERT, Francis Henrik. Preconceitos lingüísticos subjacentes ao projeto de lei n.º 1676/99. In: URBANO, Hudinilson et al. (org.) Dino Preti e seus temas. São Paulo: Cortez, 2001.

BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolingüística. 15 ed. São Paulo, SP: Contexto, 2006.

MONTEIRO, José Lemos. Morfologia Portuguesa. 3 ed. Campinas, SP: Pontes, 1991.

MULLER, Wolfgang. Conceitos de estrangeirismo e dicionário de estrangeirismo. In: Problemas de lexicologia e lexicografia. Porto, Liv. Civilização, 1979.

RIBERA, Ricardo. A Guerra Fria: breves notas para um debate. (2012). Disponível em:<file:///C:/Users/FELIPE/Documents/Downloads/2374-8224-1-PB.pdf>.Acesso em: 14 jan. 2016.

TAVARES, Bráulio. A arte de inventar palavras. Revista Língua Portuguesa. São Paulo, v. 4, n. 52, p. 48-49, fev. 2010.