Aquele era o último dia do ano e ao contrário do que havia sido previsto pelo serviço de meteorologia, o céu estava perfeitamente azul e o sol queimava implacavelmente a pele dos banhistas que chegavam a todo momento, tomando para si o domínio absoluto das areias das praias paradisíacas do Recreio dos Bandeirantes no Rio de Janeiro.

Era como se estivessem chegando a um mundo novo, a um continente ainda desconhecido e precisassem marcar território imediatamente para garantir a respectiva posse.

Automóveis lotados chegavam dos subúrbios cariocas numa batalha frenética para garantir o estacionamento na orla e o transcurso de um dia feliz com as respectivas famílias.

O guardador, vestindo um jaleco azul desbotado que lhe conferia em tese suprema autoridade no pedaço, estava em palpos de aranha procurando faturar o mais rapidamente possível com motoristas que chegavam simultaneamente, garantindo assim uma maior arrecadação ao final do seu esporádico dia de trabalho, ou melhor dizendo, horas de oportunismo.

Alguns fechavam correndo seus veículos e se apressavam em deixar o local antes que fossem interpelados e instados a pagar por um espaço que consideravam seu. O astuto guardador, entretanto, percebia a evasiva manobra e deslocava para a frente um dos limpadores de para-brisa dos carros de cada esperto cidadão pagador de impostos que tentavam prejudicar a compra do leitinho para as suas crianças, identificando-os para futuras cobranças quando retornassem. Gente desalmada e injusta – deveria haver uma lei para puni-las exemplarmente.

Nas areias o caos era total. Os ônibus de excursão que haviam chegado repletos de moradores da baixada fluminense e principalmente de cidades mineiras durante a madrugada, já haviam liberado suas cargas humanas. Como espermatozoides eles iam em direção à praia formando verdadeiras caravanas com grandes e pesadas caixas de isopor sobre as cabeças, não antes de terem acordado vários moradores com o batuque de seus tambores e suas gargalhadas desmedidas e aparentemente sem uma razão específica. Apenas pelo momento e pela farra.

Um festival se “selfies” estava acontecendo junto à água. Hoje em dia, não basta você dizer que esteve. Você precisa provar, caso contrário, não vale.

Crianças choravam perdidas de suas mães. Mas onde estavam as mães? Naturalmente fazendo “selfies” que deveriam ser enviadas o mais rapidamente possível para amigas que não puderam vir na excursão. Não basta você estar feliz – é preciso tentar sacanear o outro mostrando a sua felicidade, senão, cadê a graça?

Vendedores ambulantes ofereciam de tudo: mate, empadinhas, aviões de isopor, pipas, preservativos, Biscoito Carioca, bronzeadores caseiros, limonada, óculos de sol, bobó de camarão, carregadores de celular, biquínis, etc., etc., etc.

Eu calmamente apreciava a tudo tomando uma cerveja no meu canecão, apenas retirada do congelador, e procurava avidamente no jornal por alguma notícia que não fosse o assassinato de mais um PM, alguém atingido por uma bala perdida, um novo roubo de carga, a descoberta de mais um assalto praticado por um político ou a soltura de quem já estava preso. Missão impossível.

Ao final do dia, já com a lua de fora, fiquei observando a movimentação dos garis, dos tratores de limpeza na areia e dos caminhões que recolhiam toneladas de lixo largadas para trás. Não pude deixar de pensar que ironicamente, os que produziram toda aquela sujeira, foram felizes e despreocupados para suas casas sem desembolsar um único centavo de imposto, enquanto eu que nada tive a ver com isso, serei certamente espoliado com o novo valor do IPTU que já é caro e que certamente virá ainda maior.

Fui dormir pensando que ao menos indiretamente sou responsável pela felicidade de muita gente. Adormeci com a consciência tranquila, mas não em paz e nem feliz.

O planeta Terra continuava girando e a vida seguindo.

Amanhã tudo recomeçará de forma inexorável a despeito daquilo que penso, vivo e observo.
Sergio Righy
Enviado por Sergio Righy em 03/01/2018
Reeditado em 03/01/2018
Código do texto: T6215766
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