Joesley na Época

Parece óbvio que o empresário Joesley Batista usa a entrevista concedida à revista Época, publicada em 18/06/2017, para se defender. É uma atitude tipicamente política. Apresenta, contudo, opiniões que fazem sentido e informações que o público normalmente desconhece.

Começa dizendo que “a corrupção está no andar de cima”, e não no de baixo. De fato, milhões e bilhões, de reais e mesmo de dólares, não passam (e ficam) em mãos de pessoas sem poder constituído, as chamadas autoridades, de quem os empresários, poderosos ou não, se aproximam. A conversa corriqueira sobre dinheiro ilícito tendo como interlocutores autoridades de quem não se poderia esperar esse procedimento, acaba realmente fazendo com que se perca “a referência do que é certo e do que é errado”.

Já se disse que o PT não inventou a corrupção, coisa que Joesley repete, mas sem dúvida deve ter colaborado para a sua institucionalização no país, com início provável a partir do Mensalão. Essa institucionalização pode ter se intensificado com a negação do presidente Lula em admitir que o Mensalão existisse, inclusive com a anunciada participação de integrantes de seu partido.

O empresário aparece com o termo Orcrims – organizações criminosas –, dizendo que essas organizações “usavam as eleições para ganhar dinheiro”. Donde podemos concluir que os partidos políticos, respeitadas as exceções que houver, não deixam de ser organizações criminosas porque é nas eleições que mais ganham dinheiro ilícito. Basta considerarmos o número de doações fabulosas às campanhas eleitorais, todas elas devidamente “comprovadas e regularizadas junto ao TSE”, e o número sempre crescente de partidos políticos. A cada dia mais um é criado, com chance de ser cooptado com o oferecimento de dinheiro para apoio a partidos mais fortes. Quando Joesley diz, porém, que o político concede ao empresário um benefício fiscal visando depois receber do empresário dinheiro para a campanha, isso pode ser interpretado como um investimento decorrente da retribuição pela ajuda oferecida. Investimento que é do interesse do empresário.

Por outro lado, também não se pode dar crédito ao Joesley quando ele diz que “nós fomos para lá por causa desse incentivo... para produzir riqueza e gerar milhares de empregos”. A finalidade de qualquer empresa é o lucro, que será tanto melhor quanto maior, obtido de que forma for. Os benefícios sociais estarão sempre em plano inferior, até porque dependerão da margem de lucro. O que dá sentido ao capitalismo. Não posso pagar se não ganho. E deverei sempre pagar o mínimo possível e ganhar o máximo que me for permitido.

Para ganhar o máximo, o empresário estará disposto a tudo. Sendo necessária, portanto, a presença de um poder público fiscalizador e descomprometido com os interesses empresariais de modo a que inexistam as condições ideias para que, de fato, a corrupção se torne “a regra do jogo”, como alerta Joesley.

Os partidos políticos têm o poder de indicar os ocupantes de cargos estratégicos. Se os objetivos de seus parlamentares se confundirem com os objetivos de organizações criminosas, como de certo modo sugere Joesley, estará comprometida a atuação dos indicados para os chamados “cargos de confiança”. Configurando-se um sistema que perdura na administração pública brasileira e que leva esse empresário a acertadamente dizer que “mudam os nomes, mas o sistema permanece igual”.

“... em 2000 nós já éramos a maior empresa de carne bovina brasileira”, informa Joesley. Mas “de 2000 para cá, viramos a maior do mundo”. O empresário tenta fugir da “impressão de que o único mérito que nós tivemos na vida foi pagar propina para político”. Não deve ter sido, mas, como ele mesmo reconhece, a obtenção de vultosas verbas a partir de 2006, durante o governo do PT, onde o pagamento de propina pode ter sido a mola propulsora, alavancou a empresa a ponto de torna-la a maior processadora de carne do mundo.

O que teria levado Joesley às gravações que fez, e que ressaltam, no mínimo, a intimidade, para não dizermos confiança, com as pessoas gravadas, algumas das quais “jantaram em sua casa”? Teria sido a “contradição entre o mundo da política e o mundo das investigações” ou o apetite insaciável das autoridades envolvidas que tornaram insustentável o provisionamento de dinheiro em troca das vantagens oferecidas? Chega a ser ridículo o empresário considerar que pode ter cometido crime, mas que não é um criminoso. Enquanto foi favorável, a atividade criminosa valeu para ambas as partes. A partir do momento em que se pode chegar ao limite, é natural que uma das partes, pelo menos, perca a confiança no prosseguimento do sucesso. Daí a tática defensiva do Joesley.

Até porque em reação ao processo investigativo, destinado a conter as exorbitâncias corruptivas, cogitou-se no meio político de que “a solução seria aprovar a anistia ao caixa dois e a Lei de Abuso de Autoridade”. Providências cada vez mais repudiadas pela sociedade. Joesley deve ter pressentido que o panorama começava a ficar assustador. E passou a admitir que “o sistema político faliu”.

“A empresa não aguentaria mais tanta investigação”. Ou tanta participação num esquema de propina cada vez mais abusivo e, por isso, cada vez mais próximo do limite? Daí a alegação, na entrevista, numa estratégia ainda defensiva, de que chegara a hora de “mostrar para os procuradores que, apesar de três aos de esforços (da Lava Jato), nada mudou”.

Não há dúvida de que o empresário Joesley usa a entrevista politicamente em benefício próprio. E ao dizer que “Temer é o chefe da quadrilha mais perigosa do Brasil”, procura, em busca agora de maior credibilidade, se comprometer mais ainda com uma posição contrária à de seus parceiros à época das negociações de que participaram. Mas é possível também que essa nova atitude, iniciada com as gravações de Temer e de Aécio que convulsionaram o meio político brasileiro, seja o resultado da percepção de que se chegara ao limite das negociações criminosas entre políticos corruptos e empresários corruptores. Cujo mecanismo, ou alguns de seus aspectos, a sociedade tem a oportunidade de tomar conhecimento a partir do que relata o entrevistado.

Rio, 20/06/2017

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 20/06/2017
Reeditado em 21/06/2017
Código do texto: T6032722
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.