A produção de imagens e a responsabilidade social

Ontem fui com colegas da ETEC a Feira Fotografar (evento de fotografia aqui em SP) e assisti a palestra de um Fotografo muito conhecido e aclamado por muitos dos presentes, mas que me causou um certo incômodo, o que pra maioria era injustificado. Gostaria de expor minha indignação quanto as falas desse fotógrafo durante a palestra, enquanto Socióloga e educadora que sou, porque acredito que não existe neutralidade possível de apagar o que ouvi naquele momento.

O tal fotógrafo começou a palestra falando sobre como ele relativizava o conceito de "Belo" em suas fotografias, ou seja, registrava coisas, pessoas, lugares e situações que são vistas como sujas, feias e sem importância pela maioria das pessoas, mas que segundo o mesmo "Quem ama o feio bonito lhe parece". Ele tirava fotos de locais pixados, bairros pobres, crianças jogando o futebol de várzea (o famoso campinho), cachorros de rua, camelôs etc, a típica cena paulistana pobre. Nesse primeiro ponto me pareceu interessante o trabalho dele (não tenho críticas ao uso da técnica ou a qualidade das imagens, até porque sou aspirante na área), mas o que me preocupou muito foi o tom de ironia e sarcasmo que ele utilizava pra falar desse tal "feio" que ele segundo o mesmo, ele conseguia observar beleza.

Correndo o risco de ser acusada de "pós-moderna" e defensora do "lugar de fala" me preocupa muito a proliferação de "Reginas Casé" que apresentam a pobreza e a miséria como algo bonito/exótico, quando essas pessoas vem de bairros ricos e áreas privilegiadas (o fotógrafo foi questionado sobre sua origem: Alto da Lapa/Vila Mariana) e acreditam que existe algo positivo na desigualdade econômica e social e que isso deve ser registrado e apresentado pro mundo como prova factual de que o pobre também é gente. Eu particularmente fico muito enojada e indignada com essas falas, porque não existe nada mais humilhante e triste do que a pobreza e toda a miséria decorrente dela. Tentar passar beleza a partir disso é a meu ver é (marxistamente falando) compactuar com as ideologias de classes.

Eu acompanho de alguns profissionais da área de fotografia social (como o semideus Sebastião Salgado), mas sempre quando observo seus registros sinto um incômodo imenso com a carga emocional das imagens, porque não tem glamour em fotografias de Sem terras ocupando fazendas pra garantir o direito a um pedaço de terra. Para mim as fotografias dele sempre foram a prova cabal de que a arte é um protesto, é uma fala, é um grito que ainda podemos ter, mesmo que seja pelas mãos de alguém que só observa sem participar (Sim eu ainda amo Foote Whyte <3). Mas não foi esse sentimento que esse fotógrafo me despertou em momento algum, pelo contrário, ele se gabava de ter um olhar único sobre toda a sujeira e feiura desses lugares.

O ponto alto dessa palestra pra mim foi o cara dizer que enquanto as pessoas ignoram a beleza das coisas que registra ele ganha rios de dinheiro e compra carros caros com o que seu trabalho lhe rende. Será que é normal se apropriar da pobreza como elemento cultural e galgar uma posição privilegiada com isso? Ah, mas ele mesmo disse que deu algumas chuteiras pra galera da várzea, dinheiro do próprio bolso, isso faz toda diferença, eu tô equivocada, só pode. Ele termina a palestra aos berros da plateia dizendo que enquanto a maioria dos fotógrafos sonha em fotografar a Europa o sonho dele é fotografar Carapicuíba. Mal posso esperar pela romantização de mais um lugar abandonado pelo poder público.

Ruana Castro
Enviado por Ruana Castro em 03/04/2017
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