MOSAICOS

Nacib Hetti

Acabei de ler dois livros, paralelamente, de dois amigos também paralelos: Bolívar Lamounier e Maurício Cadaval. Os dois foram meus colegas da turma de 1964 da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. O livro do Bolívar, “Liberais e Antiliberais” (Companhia das Letras), faz uma abordagem histórica do processo político brasileiro, utilizando todo o seu conhecimento sociológico, adquirido ao longo de anos estudando e analisando o universo filosófico e ideológico deixado pelos grandes pensadores das ciências sociais. Estruturou uma metodologia própria para sua análise política. Sem medo de ser feliz, colocou no mesmo balaio político/ideológico o fascismo e o comunismo, caracterizando as duas variantes como contrapontos diretos das sociedades democráticas, “abertas e propícias a viver em liberdade”.

Dirigido a um público restrito, o livro do Bolívar tem conteúdo científico e acadêmico. É uma aula imperdível para os estudiosos da ciência política e que deve compor as melhores bibliotecas especializadas, pelo seu caráter didático e analítico de uma conjuntura política que o Brasil está vivendo, no embate entre uma tendência de esquerda, intervencionista e estatizante, e outra vertente democrática, voltada para o liberalismo político, pensando o desenvolvimento econômico e social, demonizada sob o título de “neoliberal” por aqueles que não sabem o seu significado ou conceito.

Sem a rigidez acadêmica do livro do Lamounier, Maurício Cadaval nos traz uma leitura emocionante, com o seu “Mosaicos”, editada por Clarissa Furtado e maravilhosamente ilustrado pela arte do autor. Mais personalista, mas também universalista, ele traz um marcante relato humano, rememorando uma fase especial da nossa Belo Horizonte e das relações familiares de então.

Cadaval procura, com quase obsessão, suas origens familiares, fazendo, querendo ou não, uma crônica social. Descreve, com a perspectiva de um sociólogo, as relações nos ambientes familiares que formaram uma linhagem de brasileiros, amalgamada por raças e culturas, que, por razões do destino, desagua, também, em sua família, descrita de forma nostálgica e quase romântica.

Por motivações pessoais ou na qualidade de um observador social, ou, ainda, pelas duas razões, Cadaval traça uma linha temporal, qualificando duas fases socialmente distintas, na própria vida e nas vidas daqueles que viveram a Belo Horizonte de antes e de depois de 1964. Ninguém pode negar que houve mudanças nos ambientes culturais, acadêmicos, pessoais e até familiares naquela passagem do tempo. Não foi só o Maurício. Nós todos mudamos.

O livro, repleto de relatos de viagens e de leituras inteligentes, traz, ainda, ao final, uma história real e fantástica, quase inacreditável, vivida por Paulo Cadaval, irmão do Maurício. Parece um filme, daqueles que não se pode contar o final para não tirar a surpresa.