Deus existe e mora na Bélgica (publicado originalmente em 8/10/2016)

Ao assistir a ‘O Novíssimo Testamento’ (2016) não tem como não vasculhar as gavetas da memória e buscar referências. E aí a fila é enorme: desde Federico Fellini, passando por ‘Ele Está de Volta’ (do ano passado), até Akira Kurosawa e os seus ‘Sonhos’ (1990), com algumas gotas de ‘A Idade da Terra’ (1980) ainda, a última assinatura de Glauber Rocha na sétima arte.

Se eu exagero, é porque a obra do diretor Jaco Van Dormael foi brilhante em resgatar, pelo menos em mim, a fantasia e a alegoria que de certa forma estavam perdidos nos becos da vida... Pelo título, pode-se pensar que se trata de filme religioso, e até sopra pitadas de verdade nisso.

No script de Dormael e Thomas Gunzig, Deus (Benoit Poelvoorde) é o homem relaxado, alcoólatra, cheio de tédio e que maltrata a esposa (Yolante Moreau, ótima) submissa e a filha Ea (Pili Groyne).

A família mora em Bruxelas, Bélgica. Deus se diverte em sua sala particular, onde, por meio de seu computador, inventa catástrofes, problemas pras pessoas e leis hilariantes (e irritantes), como, por exemplo, ‘a fila do lado sempre vai andar mais rápido’, ou ‘o pão vai cair todas as vezes com a geleia virada pro chão’. Na casa de Deus, ninguém lhe pode dirigir a palavra, e a TV, se ligada, tem de estar fixamente no canal de esportes.

Fatigada deste clima de maus tratos, Ea toma uma atitude extrema, influenciada por seu irmão JC (David Murgia). A partir disto, a menina precisa sair à cata de mais seis apóstolos, além daqueles 12 conhecidos, para redigir este tal Novíssimo Testamento. Então, encontram-se os personagens deliciosos, denominados com apelidos.

Uma delas é interpretada pela musa eterna francesa Catherine Deneuve, na pele de Martine, a esposa insatisfeita no casamento e que encontrará prazer nos braços de um... Gorila! O longa-metragem, por si só, é extraordinário. A fotografia, seguida pela trilha musical dada por Ea (cada personagem tem a sua música da vida) só acariciam o trabalho de Dormael.

Seguramente, ‘O Novíssimo Testamento’ é uma dos melhores, se não a melhor produção de 2015 (estreou no Brasil em janeiro deste ano, quase passou em branco). Lidar com Deus nesses tempos de terrorismo é um baile contra o ódio e a vilania.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 04/10/2016
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