AS DESCONTINUIDADES NA MODERNIDADE

A história humana sempre foi ensinada e compreendida como uma cadeia linear de fatos e acontecimentos. A ideia perseverante é a de que para se compreender o passado de maneira satisfatória e poder se auto posicionar como ser humano no contexto sociocultural, é preciso estar ligado a um processo de relativização numérica entre fatos e acontecimentos. Nos livros escolares, por exemplo, temos cronologias obrigatórias a seguir.

Imagine-se numa aula de história. Durante o período letivo, o aluno estuda os assuntos de acordo com a sequência predeterminante de fatos num sentido cronológico indissociável do fato em si. Num estudo sobre civilização grega, são passadas informações como datas (período grego entre 2.000 aC e 1400 aC), e as guerras, vitórias sociais ou disputas políticas sempre são apontadas e relativizadas com números. No entanto são ignorados fatos culturais primordiais para se compreender à fundo os processos sociais ocorridos no processo civilizatório, social e político do período.

Apesar de predominante esse modelo metodológico de ensino, pode-se afirmar que a história humana é marcada por certas descontinuidades e que seu desenvolvimento não pode ser visto de forma homogênea e linear. Diferente do evolucionismo social, que prediz a história como um enredo pré-ordenado - começando com culturas pequenas, passando por sociedades agrícolas, formação de estados agrários e posterior surgimento das cidades ocidentais modernas – a história não pode ser vista dentro de uma ótica linear totalitária, que ignora processos trivialmente importantes para legitimar o processo de formação social da humanidade.

De acordo com o sociólogo britânico Anthony Giddens, e sua tentativa de compreender o desenvolvimento da modernidade, descontruir o evolucionismo social significa aceitar que a história não pode ser vista como uma unidade, ou como refletindo certos princípios unificadores de organização e transformação. Mas isto não implica que tudo é caos ou que um número infinito de “histórias” puramente idiossincráticas pode ser escrito. Há episódios precisos de transição histórica, por exemplo, cujo caráter pode ser identificado e sobre os quais podem ser feitas generalizações.

Haja vista o processo de evolução do ser humano enquanto ser social sobra-nos tentar identificar quais são as principais distinções entre as formações das descontinuidades nas instituições sociais modernas em relação às ordens sociais tradicionais. A essas diferenças vamos atribuir a principal distinção comportamental entre os processos pós-modernos e o que era entendido anteriormente.

O que primeiro se observa é o ritmo de mudança. Nas sociedades antigas, as evoluções sociais aconteciam, mas num ritmo muito mais desacelerado do que vemos no enfrentamento da sociedade pós-moderna. A rapidez nas mudanças, vistas o tempo todo, se alia ao fato das tecnologias terem se desenvolvido em uma velocidade incomparável aos períodos anteriores. Viu-se a viabilização da evolução progressiva dos meios de comunicação, onde a rapidez na recepção da informação começou a corresponder eficazmente a sua emissão. Com o aceleramento e democratização na transferência de informações, houve também o escopo de mudança. Isso significa dizer que conforme várias áreas do mundo vão entrando em comunicação, ou seja, deixam de ser estranhas umas pras outras e compreendem que vivem em culturas diferentes, mas ainda sim, dentro dos mesmos parâmetros de existência humana, há uma onda de transformação social. Conexão entre diferentes pensamentos, culturas, sociedades.

Temos um caso recente que ilustra muito bem a atual relação moderna travada entre ser humano e informação. Aproximadamente em 18 de agosto de 2010 o cenário midiático internacional conheceu o que ficou marcado como “A Primavera Árabe”. As mídias sociais, como Facebook, Youtube, Twitter , tiveram papel fundamental na elaboração desse processo emancipatório. O protesto ia contra as condições de vida em que os cidadãos de diversas cidades árabes se encontravam. Não só o descontento do subdesenvolvimento, mas o descontentamento em ser mandado e governado por alguém num mundo onde todos já obtiveram seu lugar ao sol. Caso não houvesse a tecnologia dos meios de comunicação – e nesse caso a Internet desenvolveu papel fundamental – a Arábia continuaria isolada do mundo, sem conhecer conceitos como “Diplomacia”, “Direitos”, “Cidadania”, “Democracia”. A rapidez com que a informação chega alterou um processo que possivelmente demoraria para se concretizar sem que houvesse a emissão imediata de informações e a acessibilidade a ela.

Para entender a modernidade e suas transformações, é preciso entender o processo que esse período sofre ao se desprender de questões espaciais e temporais.

"Todas as culturas pré-modernas possuíam maneiras de calcular o tempo. O calendário, por exemplo, foi uma característica tão distintiva dos estados agrários quanto a invenção da escrita. Mas o cálculo do tempo que constituía a base da vida cotidiana, certamente para a maioria da população, sempre vinculou tempo e lugar – e era geralmente impreciso e variável. Ninguém poderia dizer a hora do dia sem referencia a outros marcadores sócio espaciais. [...] A invenção do relógio mecânico e sua difusão entre virtualmente todos os membros da população [...] foram de significação-chave na separação entre tempo e espaço. O relógio expressava uma dimensão uniforme de tempo “vazio” quantificado de uma maneira que permitisse a designação precisa de “zonas” do dia [...] O tempo ainda estava conectado com o espaço ( e o lugar) até de a uniformidade de mensuração do tempo pelo relógio mecânico correspondeu à uniformidade na organização social do tempo. [...] Todos seguem atualmente o mesmo sistema de datação: a aproximação do “ano 2000”, por exemplo, é um evento global.“

(GIDDENS, 1991. p. 22)

Como podemos ver nas sociedades pré-modernas o espaço e o tempo sempre andam juntos. Já a atuação espacial e temporal no período pós-moderno é diferente. O espaço e o tempo tornam-se duas equações distintas, já que tem-se a possibilidade de haver relações entre “ausentes” – relações desligadas de interação física presencial em atividades localizadas em determinada localidade. Na modernidade a noção de lugar torna-se fantasmagórica, ofuscada pela rede ou teia informativa e interativa que a evolução técnica comunicacional oferece.

Enquanto sociedade pós-moderna, a relação que tem-se com a história é necessária, mas precisa ser revista. A inclusão do mundo digital e da constante troca de informação entre toda a população do globo salienta um processo muito mais minucioso e delicado, onde é preciso analisar as estruturas interacionais entre sociedade e associado de maneira isolada. Cada caso, dentro do tempo incerto e turbulento que a pós-modernidade escancara, é uma realidade paralela devida às suas variáveis. O ser humano que vivencia a experiência pós-moderna tem ao seu favor inúmeras mídias aonde obtém o que antigamente era difícil de ser comunicado. Por isso, sua posição de atuação como receptor e como comunicador torna-se totalmente diferente das primeiras relações que precedem o período moderno.

Marla Freire
Enviado por Marla Freire em 15/10/2015
Reeditado em 15/10/2015
Código do texto: T5414981
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