A FILMAGEM DO MENINO DE ENGENHO

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR

Mas foi aos quinze anos de idade, quando vi indiretamente uma câmara de vídeo, filmando as senas do filme Menino de Engenho, baseado no romance do mesmo nome de José Lins do Rego Cavalcanti , era o ano de 1965, no Engenho Itapuá, Município de São Miguel de Taipú, Estado da Paraíba, até então de propriedade da senhora Maria Menina Lins Vieira de Melo, viúva de Henrique Vieira de Melo, tia materna de Zé Lins do Rego, situado às margens do rio Paraíba, local onde se encontra em ruínas o prédio onde funcionou a Escola Elementar Mista do Engenho Itapuá, hoje denominada de Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Beatriz Lopes Pereira, homenagem póstuma a ex-educadora e ex-vereadora e Presidente da Câmara Municipal de São Miguel de Taipu, Estado da Paraíba, minha primeira professora, o filme mencionado tem a direção do cineasta Valter Lima, foi ai justamente que vi realizados os meus sonhos infantis: o registro fotografado de uma imagem em movimento, que pode ser reproduzida quase imediatamente, dentro e forma da sala de aula, pois, considero uma sala de projeção cinematográfica, uma sala de reprodução cientifica e educacional, para o bem e/ou para o mal. O que mais eu poderia querer de minha condição de menino nascido e criado no interior, principalmente na zona rural? Foi ai que vi ser retratada em minha memória infantil a mata atlântica, as fazendas, os engenhos moendo, o trem “mariafumaça” na via férrea inaugurada em 1884, os escravos nas senzalas, os animais das florestas tropicais, os canaviais, entre outros, tão presentes nas gravuras de Debret, segundo o pensamento de Lima (2004) do meu livro escolar, ganharam cor, movimento e enredo, além das modestas leituras dos textos literários e históricos, enfocados segundo Braga (1942), Freire (1916), Rios Filho (1941) e Leite (1988). Os desenhos de Percy Lau (ANGOTTI-SALGUEIRO, 2005), adquiriram uma textura nova: o céu ganhava cor, o cerrado ficava quente e a várzea do Paraíba com o canavial farfalhando caíam, fazendo um barulho ensurdecedor ao serem queimados e cortados, para poder ser transformado em açúcar, mel de engenho e álcool. Acredito que não estava sonhando. Estava diante de um novo artefato tecnológico dentro da linguagem da comunicação, que se apresentava, em 1965, pois, antes do

Brasil e do mundo ver os moradores dos engenhos da várzea do Paraíba através do filme, tive o privilégio de ver primeiro. Coisa que retratava para o cinema nacional e mundial os personagens ressuscitados do romance de Zé Lins do Rego, todos residentes e domiciliados no Engenho Corredor e seus arredores, no município do Pilar.

Mas, na época, não pensei nisso, assim como não pensei na baixa resolução da imagem e em inúmeras outras limitações, pois, no universo da personalidade de uma criança nada mais existe a não ser seus sonhos de gente grande.

Desde então, o vídeo e a câmara passam a fazer parte da minha vida, dentro e fora da sala de aula, como professor e/ou como aluno. São companheiros no trabalho e no lazer, nas aventuras e desventuras, acompanham o crescimento e desenvolvimento de meus alunos e sobrinhos, verdadeiros filhos intelectuais e trazem de volta meus pais, meus avós, meus tios, meus irmãos e muitos amigos, que, graças ao vídeo, continuam a fazer parte de minha realidade cotidiana. O vídeo como tecnologia de armazenamento de informações possibilita rever e reviver experiências do passado, quantas vezes a vontade humana quiser todos os dias, quebrando de certa forma, a estrutura da linha do tempo. Assim como a escrita permite a separação do discurso das circunstâncias particulares em que foi produzido, o vídeo (filmagem em fita ou em DVD) faz o mesmo com as imagens, jogando-as em novos contextos e circunstâncias, pois, a cada dia que se passa o homem pode desaparecer fisicamente, porém permanecerá virtualmente presente.

É de salutar importância, afirmar que graças ao vídeo posso percorrer, num piscar de olhos, os quase quarenta quilômetros que me separam do pátio de minha primeira escola no Engenho Itapuá, onde brinquei quando criança, das gangorras feitas com uma tábua atravessada sobre uma tora de madeira, dos caminhos e das estradas de barro e massapê que percorri a pé, da Lagoa da Pajuçara na Fazenda Maraú, onde residia com meus pais, à ponte de passagem sobre o rio Paraíba para alcançar a estrada que me levava até a escola da Professora Biá, como era popularmente conhecida, sempre viajando todos os dias a pé, ou a cavalo, ou de carro de boi e/ou no lombo do burro e/ou a cavalo de pau, para poder terminar o então curso primário, afirmo que tive uma infância ótima, porém de muito compromisso comigo mesmo. A gangorra e o cavalo de pau, mais do que brinquedo e/ou meio de transporte, representaram para mim uma maneira diferente de ver e sentir o mundo em que estava envolvido. O fascínio do movimento de subir e descer proporcionava uma alteração na paisagem, as coisas mais próximas pareciam subir e descer com movimento contrário ao das montanhas e objetos mais distantes. Diante desse movimento, mais tarde, pude rever muitas vezes no cinema, bem como posso afirmar ser bem parecido com as cenas das paisagens da janela do trem de passageiro “mariafumaça”, que passava apitando em frente à escola elementar mista do Itapuá, vindo de Recife com destino a Capital da Paraíba. É importante lembrar de que tinha a parada obrigatória do trem – Estação do Itapuá, quase na cozinha da casa grande do referido engenho.

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
Enviado por FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR em 02/03/2013
Código do texto: T4167826
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.