O problema dos animes/mangás das porradas infinitas

Uns dos estilos mais populares de animes/mangas são aqueles que envolvem luta, aventura, heroísmo, normalmente classificados como de estilo shounen (jovem, em japonês).

Particularmente, eu também gosto desse estilo, embora me pareça moralmente errado apreciar essa forma de entretenimento baseado em violência “justificada”.

Se fosse resumir um shounen, diria que ele é composto por mais ou menos as seguintes partes: 1- aparece um personagem principal de bem com a vida; 2- aparece um problema que pode ter ou não algo a ver com essa personagem; 3- constata-se que o problema é muito difícil, pois o vilão que o veicula é aparentemente invencível; 4- de alguma forma, essa personagem principal decide resolver o problema, vencer o vilão e se tornar um herói; 5- esse candidato a herói luta contra o vilão e seus lacaios, muitas vezes apoiados por seus companheiro; 6- o herói vence.

Legal! Típico romance romântico em quadrinhos japoneses.

Porém, você deve perceber que algo está faltando nesse romance: a ordinária fase 7: “e todos viveram felizes para sempre”.

Nessa relação não tem o “sempre”, pois, nos shonens, é muito comum que, depois daquele vilão invencível é derrotado pelo herói, aparece um vilão mais forte ainda. O herói também derrota o novo vilão. O problema é que depois aparece um terceiro vilão mais ainda forte. E assim, cria-se uma estória quase infinita de vilões mais fortes que os anteriores, tendo o herói sempre que derrotar através de uma estrategema simples: ficar mais forte.

Vou citar exemplos:

1- Dragon Ball Z: Goku vence o Raditz, depois vence o Nappa e Vegeta, depois Freiza e seus lacaios, depois vence o Frezza robótico e seu pai, depois vence os andróides da Red Ribbon, depois vence Cell, depois vence Magin Boo, depois Baby, depois os Dragões das esferas (acho que para aqui).

Já na luta contra o Vegeta, diz-se que a força dos personagens é suficiente para destruir um planeta, tendo Goku um poder de luta que varia entre 10 mil a vinte e cinco mil. Na batalha contra Frezza, os personagens podem destruir um planeta com muita facilidade, tendo este, em sua segunda forma 1 milhão de poder de luta. Com Cell, Gohan, filho de Goku, se segura para não destruir a Terra, e esse negócio de poder de luta é esquecido – por mas irado que fosse o parelho de medição.

Na luta com Freiza, surge o Supersayajim, para depois, na luta contra Cell, o Supersayajin 2, o contra Magin Boo, 3 (o mais legal, na minha opinião, pois tem um cabelão), depois o 4 (quando Goku ganha cabelo em todo corpo, menos no peitoral).

Facilmente se percebe que a obra perde seu delineamento na progressão de força, pois fica muito claro que cada novo inimigo é muito, mas muito mais forte que o anterior – 3 ou duas vezes mais forte, força essa acompanhada pelo herói. Porém, não fica claro como isso acontece, pois, depois de um tempo, apenas vemos os rabiscos que representam a velocidade desmedida e sem medida dos personagens a lutar, e um planeta que nunca é destruído, mas que pode ou poderia ser, e eventualmente é destruído a qualquer momento.

Mas, como é que as personagens ficam mais fortes realmente?

Não se sabe. Não se entende.

2- Da mesma maneira, temos o anime Bleach. Primeiro, temos Ichigo lutando com os Holows (almas penadas do mal), depois contra todos os shinigamis (matadores de Holows, e colhedor das almas boazinhas) do Sereitei e seus ilustres capitães, depois, luta contra os Bounts ( vampiros que nasceram de experiência científica mal sucedida do Sereitei), depois contra os Arrankars (Holows que se apropriaram de parte dos poderes dos shinigamis), depois contra as zanpakutous encarnadas, depois contra Aizen, depois contras os dominadores de fullbrigers, depois contra a sei lá quem (o anime/mangá não acabou).

Nessa estória de inimigos infinitos, Ichigo domina sua zanpakutou (espada purificadoras das almas), que depois se torna uma shikai (uma forma evoluída da espada), depois uma bankai (segunda evolução da espada), depois o próprio Ichigo se torna um vizard (ganha e domina uma máscara Holow, que lhe aumenta os poderes), depois domina a técnica dos fullbringers (técnica de usar o poder espiritual emanada das coisas e de si mesmo). Tenho certeza que tem mais alguma coisa secreta depois que ele domina depois.

E assim vai.

Em Bleach, fica um pouco mais claro como a personagem vai ficando mais forte, se comparado com Dragon Ball Z, na medida em que, nem de longe, os personagens tem qualquer chance que seja de destruir um planeta – Ichigo, em sua forma mais poderosa, que durou uns 2 minutos ou três minutos, conseguiu partir umas montanhas, durante a luta conta Aizen.

Mas, de qualquer forma, não há um completo entendimento de como Ichigo se torna mais forte.

3- Cavaleiros do Zodíaco ou Saint Seiya: primeiro, os 4 cavaleiros bronze, servos de Atena, lutam contra os cavaleiros negros liderados por Ikki de Fênix, outro cavaleiro de bronze, revoltado sem ou com motivo, que depois se junta ao 4, formando os 5.

Daí os 5 cavaleiros de bronze, servos de Atena, lutam contra os cavaleiros de prata, depois cavaleiros de ouro, depois cavaleiros-deuses de Asgard (já com uma armadura mais legal), depois contra os generais Marinas de Poseidon, depois contra os espectros de Hades (quando ganham as armaduras divinas – mais legal ainda), depois contra os cavaleiros de Artemis.

Na saga contra os cavaleiros de ouro, os cavaleiros têm que alcançar o 7º sentido (sexto é a intuição) e ultrapassar velocidade da luz...

Já no começo da saga de Hades, os cavaleiros dizem possuir um técnica proibida, chamada exclamação de Atena, que tem o poder do Big Bang...

Ok... mas então... como é mesmo que esse povo fica mais forte do que um se capaz de explodir o universo? Ou mais forte do que ser capaz de derrotar um(ns) deus(es)? Ou de ultrapassar a velocidade da luz?

Bem. Como não tinha mais o que inventar, encontraram um negócio bem interessante, comercialmente falando: as estórias de CDZ-Saint Seya não passam de uma repetição de batalhas antigas e futuras, que refletem a eterna guerra santa entre Deuses Mitológicos, de modo que criou-se um monte de estórias paralelas à principal, em que ainda encontramos seres humanos com algumas limitações, superadas de forma um pouco racional e explicada.

Os maiores exemplos disso é meu amado Saint Seiya Lost Canvas, e meu odiado Saint Seiya Omega.

Aqui vai uma crítica a parte: se o personagem principal do Lost Canvas é o Temma de Pégaso, porque o nome da estória não é chamada de Saint Temma Losta Canvas? E se o personagem principal do Saint Seiya Omega é o Kouga de Pégaso, porque o nome da estória não é chamada Saint Kouga Omega? Não faz sentido.

De toda forma, é de se ficar cansado só em pensar em toda essa repetição da idéia: o herói vence um vilão, mas depois aparece mais um vilão, que é mais forte que o primeiro, mas o herói também o vence, porém aparece um terceiro vilão mais forte ainda, que o herói também o vence...

Esse ciclo vicioso pode até ser lucrativo, mas veicula, na maioria dos casos, uma falta de progressão lógica no decorrer dos animes/mangás, tornando-o chato – principalmente quando, como nesses exemplos, temos inimigos conceitualmente mais fortes, que forçam que o herói fique mais forte ainda, mas, sem uma explanação lógica de como essa força vai aumentando.

Aparentemente, a criatividade das justificações de como os personagens são mais fortes fica ao imaginário dos interlocutores, que simplesmente precisam aceitar como verdade a ilógica progressão da estória e força.

De toda forma, esse criatividade e lógica de explicação é uma coisa que se tornará muito demandada daqui em frente, a exemplo do que ocorre, salvo melhor juízo, em Naruto (Clássico e Shippuden) e One Piece.

Por exemplo: em Naturo, para que as persongens Naruto, Sakura e Sasuke fiquem mais fortes, o trio passa mais de dois anos apenas treinando com seus mestres, e, posteriormente, é visível e comprovada a evolução da força; em One Piece, da mesma, todos o grupo de Luffy se separa para se aperfeiçoarem durante 2 anos, e, na volta, passam um experiência que autentica essa progressão de força.

Doutro lado, a ausência dessa criatividade tem feito Bleach cair várias posições em número de vendas, de modo que, hoje, sua produtora (Shonen Jump) vê em Toriko, seu 3º ou 2º maior sucesso.

Isso revela um certo contrassenso, pois, como dito, um dos estilos favoritos de anime é o shounen, e, Toriko, embora seja um, tem um enfoque muito particular: aventura gourmet – as peripécies de um cozinheiro ultraforte, que quer fazer os pratos mais deliciosos do mundo, enquanto caça seus ingredientes.

Se fossemos fazer uma pesquisa da preferência de categoria entre duas opções, quais sejam, estória de um guerreiro do mundo espiritual versus estória do cozinheiro fortão, tenho certeza que este perderia.

Mas o que explica, então essa reviravolta?

Justamente o fato de que, em Toriko, tem-se uma projeção “lógica” e criativa da estória, e em Bleach essa lógica vai para o espaço a troco de muita, mas muita enrolação, que o leitor não aguenta mais.

Portanto, considera-se muito importante que os projetos de mangá/anime futuros, que caminhem pelo estilo shounen sejam cada vez mais criteriosos no modo em que tornam seus personagens mais poderosos, baseados numa lógica que, ao menos, deixe a experiência empolgante, lastreada na curiosidade do interlocutor.

Tudo bem que todo mundo sabe que o herói vai ganhar. Mas pelo menos que essa vitória venha com algo além da emoção, da força do coração, de um foguinho que arde ao redor, ou de uma aparência psicodélica e criativa, que, por si só, precisa ser aceita como autenticação do personagem mais forte.

Conclusão: os leitores e otakus pedem mais criatividade de estória, mais base lógica na progressão da força, que torne interessante a experiência artísticas dos mangas/animes shounens.