Jornais morrem? (texto-bônus ao Recanto das Letras)

O escritor e jornalista Ruy Castro costuma dizer que ‘viu o seu segundo nascimento’, referindo-se ao momento em que ele notou que sabia ler. Sortudo, foi iniciado pela mãe, com os textos de Nelson Rodrigues no ‘Correio da Manhã’, na coluna ‘A Vida como Ela É...’. Não exatamente neste igual parâmetro, posso afirmar também ter percebido a minha segunda concepção. Aos dez ou onze anos (1992-1993), o meu pai começou a levar para casa o ‘Diário Popular’ nos fins de tarde. Seu Silvio chegava e deixava o jornal pela sala, numa mesa ou no sofá. Logo iniciei o meu caminho pelas páginas de Esportes e Entretenimento. Lá no ‘Diário Popular’ havia a coluna sobre televisão da Sônia Abraão (sim, ela possuía um faro jornalístico ainda e não estava interessada em ter um programa de TV) e a de Alberto Helena Júnior, no setor esportivo. Lia estes dois cadernos ávida e curiosamente, porque adorava (como amo até hoje) futebol e televisão. Pouco ou nada era o meu interesse por outros temas, como política, economia e as notícias do mundo. Afinal, contava dez anos. Assim, a estrada era percorrida e, metodicamente, nascia em mim a vontade de fazer parte daquele time, ter o meu nome cravado em alguma página. Então, cinco ou seis anos depois, decidi ser jornalista. Evidentemente devo uma porcentagem desta minha escolha a meu pai que trazia o jornal, e outro bocado aos quatro filmes do Superman, com o Christopher Reeve inapelável como o repórter tímido Clark Kent. Mas não somente aos dois. Degrau a degrau, o sangue de Gutenberg invadia o meu espaço, tomei gosto em ler os livros e, como ainda no fim da década de 1990 a Internet quase inexistia, fui pesquisar o que um jornalista faz. Para acabar já com este raciocínio, me formei em 2002, e trabalhei em jornais impressos. Hoje atuo em TV, mas sigo sempre com o papel como meu amor primeiro.

Toda esta embromação das linhas anteriores serve para comentar o falecimento do Jornal da Tarde, ocorrido dia 31 de outubro. Antes dele, outros já estão no cemitério da imprensa. O próprio ‘Correio da Manhã’ faz tempo que deixou de circular. Além dele, o ‘Diário Popular’ (mudou de nome, para ‘Diário de SP’, porém a identidade se alterou), o famigerado ‘Notícias Populares’, ‘A Gazeta Esportiva’, ‘Gazeta Mercantil’, ‘A Gazeta’ e a ‘Folha da Tarde’. No Rio de Janeiro, o ‘Jornal do Brasil’, ícone de uma geração, saiu das praças meses atrás. Órfãos de pai e mãe, todos nós que gostamos de ler jornal ficamos apreensivos quando uma notícia como esta bomba nas redações e se espalha Brasil afora. Em um recente artigo, o jornalista Eugênio Bucci aborda os dois tipos de fechamento de um periódico: o jornalístico (aquele do dia, estressante) e o empresarial (quando se baixam as portas). Pena. Temo serem os próximos a peregrinarem neste sentido fúnebre o ‘Diário de SP’ e o ‘Agora SP’. No RJ, ‘Extra’, por exemplo, pode ir para o buraco. Mas será realmente que chegou a hora de presenciarmos, de fato, o outrora tão alastrado vaticínio de que a Internet matará o jornal impresso? Caso analisemos a interrogativa recordando a questão mais antiga – a TV aniquilará rádio, cinema, revistas, jornais e livros – a Internet eliminará todos eles? Não creio. Diminuirá, sim, bastante a produção, por exemplo, dos livros impressos (malditos e-books me fazem ter ânsia de vômito) e a tiragem das revistas semanais / quinzenais / mensais. Todavia, o cinema venderá menos ingressos? Não. A TV terá menos pessoas sentadas em sua frente a assistindo? Talvez, e os números de audiência estão comprovando. E os jornais diários? Minha ideia é: tendem a desaparecer os jornais médios e pequenos das grandes metrópoles, enquanto os dos municípios pequenos estarão bem a salvo.

O sentido é claro: ‘Folha de São Paulo’ e ‘O Estado de São Paulo’ são empresas enormes, não têm concorrentes à altura na capital (no Brasil afora há ‘O Globo’ junto com eles) e esta competição é o que os manterá vivos. No caso d’ ‘O Globo’, o ‘Jornal do Brasil’ caiu fora da disputa e é por isto que acredito no empobrecimento do diário fluminense. Sem adversários vem a acomodação. Salta à vista que o acirramento da Folha e do Estadão hoje se dá menos do que décadas atrás, mas ainda existe. Apelar a promoções, encartes etc é uma alternativa para se respirar melhor, ainda que sejam, como escrevi, apelativas. Atualmente a imprensa escrita se baseia muito mais em colunistas opinativos a reportagens exclusivas, furos. A última deste naipe, que me lembre, se deu em junho de 2005, com o mensalão. Foi quando o jornal deu antes de todos (TV, rádio, revista etc). Sobre as cidades menores, como Jacareí: os periódicos sobreviverão, pois tudo é ajeitado para isto. A tiragem é muito baixa, os leitores, idem, e, enquanto houver anúncios (seja de comércio ou órgãos públicos) ele fica com o pescoço para fora da água. Aqui temos dois exemplos bons: o ‘Diário de Jacareí’, fundado em 6/6/1968, chegou a ter um ‘Caderno 2’, cultural, por anos e ia às bancas de terça-feira a sábado (o expediente era de segunda a sexta). Hoje está nos jornaleiros às terças, quintas e sábados com cerca de 30% de matérias acerca da cidade (algumas apenas republicações da assessoria de imprensa da Prefeitura, sem tirar nem por) e 70% de matérias ‘grátis’, chupadas de sites como a ‘Agência Brasil’, onde não se paga para copiar um texto lá existente. Daqui a pouco (tomara que não, mas pode ser que sim) o Diário de Jacareí passará a ser veiculado em somente dois dias da semana – quartas e sábados – com apenas um jornalista responsável, como acontece hoje com o ‘Semanário’. Uma pena.

Triste, mas real. Será desta forma que estes dois informativos viverão. Sem ameaças – os sites e blogs jacareienses têm relevância quase nula no que se refere a repercussão de notícias e patrocínios – eles poderão, aliás já estão, ser fincados no solo como alternativa única e possível para quem gosta de pegar todo dia de manhã na sua garagem o exemplar fresquinho dentro do saco plástico. Há de se registrar aí que a cada nova temporada a quantidade de assinantes míngua e a venda em banca de jornal é mais irrisória do que o salário de um professor. Aí você que me lê pergunta: há soluções? Para ser direto: não, não há. Voltar ao que era antes, aquele festival de jornalões por aí, nunca mais veremos. A resposta está em apostar em opinião, como fazem Folha e Estadão (cada um tem mais de 100 articulistas, cronistas etc), e em relatar nas reportagens notícias quentes, sem requentar o que todos sabem, como citou o jornalista Mauro Cezar Pereira em recente comentário feito em seu blog sobre o fim do ‘Jornal da Tarde’. Exemplo: ‘Hamilton Mota é reeleito e PT caminha para ficar 16 anos em Jacareí’ foi a manchete do ‘Diário de Jacareí’ do dia 8/10/12. Logo após a contagem de votos do dia 7, até o mundo mineral, como diz Mino Carta, fundador do JT, sabia da reeleição de Hamilton e dos 16 anos. Porque não manchetar ‘Hamilton vence e governará com ampla maioria na Câmara Municipal’ ou ‘Com votação baixa, PT vence, mas vê PSDB ameaçar reeleição de Hamilton’? Falta critério, apuração, tempo, análise e vontade suficiente para se fazer algo além da mesmice. E não me refiro ao ‘Diário de Jacareí’ somente, mas sim à grande maioria dos impressos. Dos últimos tempos, com exceção às publicações especializadas (‘Valor Econômico’, ‘Cult’, ‘Bravo’, ‘Quatro Rodas’ etc), o único fator novo no planeta jornalismo foi a revista piauí. Fala de tudo, e de modo aprofundado.

De volta à morte dos jornais, é deprimente vê-los afundar. Cortes de gastos, visão em determinadas áreas, ou reforço numa marca só, como foi dito pelos donos do Estadão, são algumas das desculpas de como se cortinar um jornal. Aí então surgem o temor do desemprego, a desesperança de dias melhores e a ameaça a abandono de tudo, como o prédio antigo em que ficava a sede do JB nos anos 1960 e 1970, retratado pela piauí ano passado. O local estava totalmente empoeirado, bagunçado, estragado, maltratado. Talvez a alma e o coração destes jornalistas estejam completamente assim, como nas fotos da revista. Aquilo foi um retrato 3 x 4 do sentimento do profissional que, de repente, se vê desabando num chão invisível, o da própria sorte. Daqui a 50, 70 anos, quem sabe, não haja mais papel, como estampou uma charge recentemente, quando um vendedor procurava um jornal para embrulhar o peixe. Será que a geração de nossos netos e bisnetos saberá o que foram a Folha e o Estadão de domingo? Ou que existiu uma revista chamada IstoÉ e CartaCapital (não cito as outras duas por desprezo)? Será a Internet a nova dona do mundo, a nova versão de ‘1984’, de George Orwell? São indagações sem resposta, sem retorno. Prever o futuro é como esperar a erupção dum vulcão: se você ficar com a cara nele, só o aguardando, pode se queimar. Mas a salva de palmas que ecoou no prédio do JT em seu derradeiro dia ficará marcada não como o aplauso de funcionários emocionados e ao mesmo tempo indignados, mas como uma homenagem a um órgão eterno, representante de um público, e, este sim, era o motivo de a prensa rodar todos os dias. Sem leitor, nada de jornal. E outra pergunta: os jornais morrem? Não. Jornais extintos são o símbolo da saudade das letras. Servem de referência a nós. Para continuarmos a lê-los. Pelo menos, os que sobrarem.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 05/11/2012
Código do texto: T3969667
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