EDUCAÇÃO OMNILATERAL E POLITÉCNICA

1.INTRODUÇÃO

No período histórico espetacular, estético fetichista, em que estamos vivendo as relações humanas de alteridade e altruísmo estão fortemente marcadas pela plasticidade efêmera das pessoas cada vez mais autocentradas, que buscam perenemente o gozo pessoal, único e exclusivo influenciadas em grande parte pela mídia instrumento alienante que educa determinantemente o sujeito a partir se suas ideologias.

O sujeito e suas relações com o espaço, com o mundo e com o tempo atualmente são marcadas por modificações fundamentais, com destaque a velocidade da informação e o avanço tecnológico. A comunicação desempenha um papel educativo central no movimento de globalização, realizando a disseminação da informação em redes de forma cada vez mais rápida e eficaz.

A mídia, com atuação destacada na comunicação nos dias de hoje, influência a vida política, social e as possibilidades de interferência no processo educacional de simbolização da cultura. Longe de considerar a mídia como a grande causadora de muitos dos males da humanidade e que, por isso, deve ser eliminada, defende-se a posição de que não só é impossível como até desnecessária sua eliminação. Se a mídia, por um lado, desempenha inúmeras funções, entre as quais educativa, social, de utilidade pública, entretenimento, informação, por outro lado, ela acaba navegando por outras vias, que determina fortemente a seu critério a produção de sentido e a disseminação dos imaginários cultural e social, elementos fundamentais na construção da opinião pública.

A homogeneização e a cultura de massa , conceitos que podem ser considerados ultrapassados, sob a alegação de que o espectador tem pleno direito e inúmeras opções para uma escolha que o desobrigaria a submeter-se à manipulação da produção midiática, atuam no vasto mercado de imagens que a mídia oferece, pela via da fascinação e identificação, marcando a produção de subjetividades, como as que denominam sujeito de imagem.

O sujeito, na tentativa neurótica de chegar ao sucesso, ancorada pela perspectiva do olhar do outro, atento e adestrado, usa-se das parafernálias tecnológicas para criar um estereótipo caiado, vazio e estridente, a fim de se fazer capturar e ser aprovado pelo olhar, que a partir da performance desempenhada no palco midiático determinará a possibilidade de sucesso ou a condenação ao fracasso do anonimato.

É uma constante, neste mundo pós moderno, em que a velocidade da informação tudo modifica, com altivez ditatorial o permanecer em voga, pois se não há novidade, seja qual for, será substituído, suplantado por outro, por algo novo, que seja interessante e chame a atenção. A atenção é um das virtudes humanas que passou a custar caro, paga-se por ela um alto preço. Também caiu por terra e não há mais a perspectiva de internalizar as normas de descobrir-se e dizer de si, o que diz e julga é o externo, o outro numa constante e elaborada instrumentalização alienada que educa o sujeito para a passividade e aceitação da manipulação do sistema massificador vigente.

2. OMNILATERALIDADE

Omnilateralidade não foi um termo definido por Marx, todavia, em suas obras há suficientes indicações para que seja compreendido e cunhado, como uma ruptura ampla e radical com o homem limitado da sociedade capitalista e que é de grande valia para a reflexão em torno do problema da educação em Marx. Omnilateralidade é um neologismo que se refere à formação humana oposta à formação unilateral provocada pelo trabalho alienado, pela divisão social do trabalho, pelas relações burguesas parciais, limitadas e perniciosas.

Omnilateralidade se refere sempre a ruptura com o homem limitado da sociedade capitalista e deve ser ampla e radical, isto é, deve atingir uma gama muito variada de aspectos da formação do ser social, portanto, com expressões nos campos da moral, da ética, do fazer prático, da criação intelectual, artística, da afetividade, da sensibilidade, da emoção, etc. Esse rompimento não implica, todavia, a compreensão de uma formação de indivíduos geniais, mas, antes, de homens que se afirmam historicamente, que se reconhecem mutuamente em sua liberdade e submetem as relações sociais a um controle coletivo, que superam a separação entre trabalho manual e intelectual e, especialmente, superam a mesquinhez, o individualismo e os preconceitos da vida social burguesa.

“O proletariado passa por diversas etapas de desenvolvimento. Sua luta contra a burguesia começa com o nascimento”. (MARX, 2002, p. 37). Entende Marx, que o proletariado já nasce proletariado, na realidade ele não vê no sistema burguês ou capitalista, mobilidade social, se o proletariado começa a sua luta contra o burguês já no seu nascimento.

O homem omnilateral não se define pelo que sabe, domina, gosta ou conhece muito menos pelo que possui, mas pela sua ampla abertura e disponibilidade para saber, dominar, gostar, conhecer coisas, pessoas, enfim, as realidades mais diversas. O homem omnilateral é aquele que se define não propriamente pela riqueza do que o preenche, mas pela riqueza do que lhe falta ser e se torna absolutamente indispensável e imprescindível para o seu ser: a realidade exterior, natural e social criada pelo trabalho humano como manifestação humana livre. A omnilateralidade burguesa se revela de diversas formas: de início a partir da própria separação em classes sociais antagônicas, base segundo a qual se desenvolvem modos diferentes de apropriação e explicação do real; revela-se ainda por meio do desenvolvimento dos indivíduos em direções específicas; pela especialização da formação; pelo quase exclusivo desenvolvimento no plano intelectual ou no plano manual; pela internalização de valores burgueses relacionados à competitividade, ao individualismo, egoísmo, etc. Mas, acima de tudo, a unilateralidade burguesa se revela nas mais diversas formas de limitação decorrentes do submetimento do conjunto da sociedade à dinâmica do sociometabolismo do capital. Nos Manuscritos de 1844, Marx analisa a propriedade privada como aquilo em que se condensa a criação do trabalho humano alienado, e sua contribuição decisiva para a definição de uma base social em que se impõe a unilateralidade humana.

A propriedade privada tornou-nos tão estúpidos e unilaterais que um objeto só é nosso quando o temos e, portanto, quando existe para nós como capital ou irmão nós próprios diretamente, quando comemos, bebemos, vestimos, viver nele e assim por diante., em uma palavra, quando usamos (Marx e Engels, 1987, p. 620).

A esse dado fundamental da omnilateralidade humana corresponde o fato de que a dinâmica da vida social se submete a imperativos não determinados pelos indivíduos associados segundo um planejamento que observe acima de tudo as necessidades humanas mesmas. A dinâmica da vida social é determinada pelo movimento de valorização do capital, que submete os indivíduos, em geral, a agentes da sua vontade.

O homem rico se define pela carência de um conjunto variado de manifestações humanas que o plenifiquem, nas quais se reconheça e pelas quais se constitui. Necessidades não determinadas pelo caráter de mercadoria, segundo a dialética de Marx, só poderiam nascer e serem amplamente satisfeitas em relações não-burguesas, em relações que ultrapassem o sistema de relações do capital.

É na sua ação sobre o mundo que o homem se afirma como tal, no entanto, ele precisa atuar como um todo sobre o real, com todas as suas faculdades humanas, todo seu potencial e não como ser fragmentado, pois só assim ele poderá se encontrar objetivado como ser total diante de si mesmo.

A contradição entre a sociabilidade estranhada, com suas restrições e unilateralidades de um lado, e a universalidade, a totalidade do desenvolvimento humano e o devenir, de outro. Marx associa o que se pode chamar de omnilateralidade, que se opõe à unilateralidade burguesa, ao movimento do devir, das novas relações emancipadas. Aqui aparece mais uma vez com clareza a idéia da universalidade, termo com o qual o conceito de omnilateralidade estabelece uma relação de correspondência (JUNIOR, 2009, p. 2).

3.POLITECNIA

A palavra omnilateralidade guarda relação com outro conceito marxiano importante para a reflexão a cerca da formação humana que é o de politecnia. O elemento fundamental de distinção entre os dois conceitos é justamente o fato de que a politecnia representa uma proposta de formação aplicável no âmbito das relações burguesas, articulada ao próprio momento do trabalho abstrato, ao passo que a omnilateralidade apenas se faz possível no conjunto de novas relações, no reino da liberdade.

Ele (o produto do trabalho) não é mais a mesa, casa, fio ou qualquer outra coisa útil. Sumiram todas as suas qualidades materiais. Também não é mais o produto do trabalho do marceneiro, do pedreiro, do fiandeiro ou de qualquer outra forma de trabalho produtivo. Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, também desaparece o caráter útil dos trabalhos neles corporificados; desvanecem-se, portanto, as diferentes formas de trabalho concreto, elas não mais se distinguem umas das outras, mas reduzem-se, todas, a uma única espécie de trabalho, o trabalho humano abstrato (MARX, 2004, p.60).

A história no capitalismo não é nem uma simples questão de progresso, técnico, ou de outro tipo, nem uma simples questão de regressão e decadência. Pelo contrário, o capitalismo é uma sociedade em contínua transformação, mas que reconstitui constantemente sua identidade subjacente.

Para Marx, a educação politécnica não é utopia da criação de um indivíduo ideal, desenvolvido em todas as suas dimensões. Mas é antes, dialeticamente e ao mesmo tempo, uma virtualidade posta pelo desenvolvimento da produção capitalista e um dos fatores em jogo na luta política dos trabalhadores contra a divisão capitalista do trabalho.

A noção de politecnia, antes da formulação marxiana, surge nas experiências teóricas e práticas dos socialistas utópicos. Por sua vez, a noção de politecnia enquanto formação polivalente nomeia a noção de politecnia defendida pelo capital, em grande medida, é uma realidade imposta pelo próprio desenvolvimento da grande indústria. Em Marx, todavia, a proposta de politecnia adquire novos relevos. Para esse autor, ela era, acima de tudo, uma forma de se confrontar com a formação unilateral e os malefícios da divisão do trabalho capitalista. Ela representava a reunião de diversos aspectos que, uma vez associados, significariam uma formação mais elevada dos filhos dos trabalhadores em relação às demais classes sociais. Assim, a experiência do trabalho em atividades diversas, associada aos estudos dos fundamentos teóricos do trabalho e à formação escolar, e ainda aos exercícios físicos e militares, representariam um salto na formação dos trabalhadores, pois imporiam fortes elementos contrários à empobrecedora formação decorrente das condições de trabalho capitalistas.

Omnilateralidade e Politecnia, no entanto, apesar de apresentarem esse traço distintivo, se complementam. Na verdade, não há uma dissociação do tipo: a politecnia se realiza no âmbito das relações burguesas ao passo que a omnilateralidade apenas se realiza com a superação destas relações. Ambas são realizações da práxis revolucionária que em graus diferentes se manifestam em diferentes estágios históricos da vida social.

A omnilateralidade, por exemplo, é uma busca da práxis revolucionária no presente, desde sempre, embora sua realização plena apenas seja possível com a superação das determinações históricas da sociedade do capital. Elementos de ruptura para com as unilateralidades burguesas são exercitados cotidianamente por meio de relações diferenciadas com a natureza, com a propriedade, com o outro, com as crianças, com as artes, com o saber, por intermédio de relações éticas de novo tipo, etc. Porém, de maneira plena, como ruptura ampla e radical, a omnilateralidade só se realiza como práxis social, coletiva e livre, pois depende da universalização das relações não-alienadas entre os indivíduos, no intercâmbio com a natureza e no intercâmbio social em geral.

A politecnia é proposta para se realizar no presente da opressão a que estão submetidos os trabalhadores com o propósito de a eles responder. A politecnia não almeja alcançar a formação plena do homem livre, mas a formação técnica e política, prática e teórica dos trabalhadores no sentido de elevá-los na busca da sua autotransformação em classe para si. Portanto, a politecnia não tem como condição para sua realização a ruptura ou superação das determinações históricas da sociedade do capital (MARX, 2004, p. 63).

Entre politecnia e omnilateralidade há complexas mediações colocadas pelo cotidiano da vida social alienada e estranhadas. É nesse cotidiano que atua a formação politécnica, potencialmente capaz de elevar as classes trabalhadoras a um patamar superior de compreensão de sua própria condição social e histórica. Aí atua a práxis revolucionária, principal ação político-pedagógica da formação do proletariado como sujeito social transformador. Nesse processo são gestados elementos que deverão ser consolidados e que só podem ser consolidados com a superação da alienação e do estranhamento no interior das novas relações não-estranhadas. Somente a partir dessas relações é possível a formação omnilateral. Portanto, politecnia e omnilateralidade se complementam no processo desde a formação do sujeito social revolucionário até a consolidação do ser social emancipado.

4.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se a omnilateralidade como formação plena é impossível senão de forma germinal, no seio das relações estranhadas da realidade do trabalho abstrato, é precisamente neste momento que a politecnia aparece como proposta de educação de grande importância, até que se consolidem as condições históricas de possibilidade de realização plena da omnilateralidade. A politecnia é a formação dos trabalhadores no âmbito da sociedade capitalista que, unida aos outros elementos da proposta marxiana de educação, deve encontrar o caminho entre a existência alienada e a emancipação humana em que se constrói o homem omnilateral.

Na realidade social capitalista alienada o espetáculo, é o auge do clímax, a catarses expurgada é saboreada até a última gota: É proibido perder, pois o que vale é o aqui e agora, que tem começo e fim, presente perpétuo. Na linguagem espetacular a imagem é alimentada e nutrida, pelo sistema e sua ideologia psicológica que ultrapassa o sujeito e o torna objeto de si mesmo, o herói torna-se vilão, o vilão é aclamado.

Na visão abolicionista do signo da diferença cria-se o fundamentalismo hiper individual, justificado pela ética utilitarista. Nesta relação predatória o outro é objeto de gozo, prazer e realização pessoal a qualquer preço, relação sem nome, sem endereço apenas mediado pelo valor comercial que compra o desejo e não educa para a liberdade e autonomia.

“Esfuma-se” a utopia, alonga-se o presente, e nega-se o passado como pressuposto não pertinente ao prazer, o que de fato importa é o presente alongado o essencial torna-se relativo, os valores tornam-se mutáveis, instrumentalizados pelo sistema pernicioso que iludibria, e deixamo-nos enganar numa relação de cumplicidade, numa compilação fatídica da história. Portanto, politecnia e omnilateralidade se complementam no processo desde a formação do sujeito social revolucionário até a consolidação do ser social emancipado.

REFERÊNCIAS

AURÈLIO, Buarque de Holanda Ferreira. Novo Aurélio. O Dicionário da Lingua Portuguesa. 2º Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1999.

JUNIOR, Justino de Sousa. Omnilateralidade. Dicionário da Educação Profissional em Saúde. 2º Ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009.

MARX, Karl. Manifesto do partido comunista / Karl Marx / c/ Friedrich Engels; tradução de Sueli Tomazzini Barros Cassal. Porto Alegre: L&PM.

MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política: livro I. Tradução de ReginaldovSant´anna, 22ª Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

Edvaldo Lourenço
Enviado por Edvaldo Lourenço em 17/09/2012
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