1- A greve dos professores estaduais da Bahia hoje completa noventa dias.

Durante essa grave situação, surgiu uma pessoa que está tendo uma participação bastante infeliz.
Eu me refiro a Jorge Portugal, um famoso professor no nosso estado, que dirige uma empresa a qual foi contratada para dar “aulões” aos alunos do terceiro ano.

O governo alegou que tal medida objetivaria evitar o prejuízo desses estudantes quanto ao despreparo para enfrentar o vestibular e Enem.

Na Bahia assim como em todo o Brasil a escola pública está completamente falida.
Terminado o Ensino Médio, os alunos recorrem ao famoso “cursinho” no qual aprendem como passar no vestibular.
Na verdade, precisamos ter uma escola pública que prepare efetivamente o estudante para adentrar uma faculdade, mas isso está bem longe de ocorrer.
Os alunos da rede privada, portanto, terminam levando vantagem, porém, na prática, até esses alunos costumam recorrer ao tal cursinho preparatório.

Enfim, a coisa está feia demais!

Os aulões propostos pelo governo de Wagner ressaltam uma decisão ilógica e arbitrária.
Seria mais fácil ele negociar com os professores, pagando qualquer migalha, porém preferiu realizar um contrato milionário sem lograr nenhum êxito.

Caso algum leitor critique esse último comentário, devo informar que os próprios alunos supostamente beneficiados pela medida estão protestando, dizendo que é mais um faz-de-conta, que não está resolvendo o problema, que não está funcionando.

É preciso fortalecer o ensino público permitindo assim que os estudantes naturalmente estejam bem preparados para continuarem os seus estudos.
Entre outras ações, os colégios devem ter uma boa estrutura oferecendo condições para o desenvolvimento de ótimas aulas, os professores devem estar qualificados e precisam ser muito bem remunerados.

O resto é papo furado!

2- Voltando à participação de Jorge Portugal, gostaria de destacar algo que ele disse a uma rádio da capital quando foi indagado sobre o contrato milionário realizado entre sua empresa e o governo fascista baiano.

Entre outras coisas, o nobre professor destacou:

 
São professores que trabalham na rede particular,
em colégios de ponta.
De Anchieta, de Grandes Mestres, de Mendel,
e que estão acostumados a ganhar bem.
Eles não aceitariam ganhar menos.

Para você, querido leitor e querida leitora, entender bem a situação, é importante ressaltar que, segundo o contrato estabelecido, os citados professores de ponta receberão 250 reais por aula.

Os grandes colégios particulares do estado pagam cerca de 25 reais por aula e o professor estadual, esse que permanece em greve pedindo um mínimo de dignidade salarial, recebe menos de nove reais por aula.
É fundamental esclarecer que representantes dos colégios citados por Jorge Portugal negaram a participação nesse contrato, ou seja, os professores dos colégios Grandes Mestres, Mendel e Anchieta ignoram o fato.

Parece que há algo estranho no ar, porém o objetivo deste artigo é refletir sobre algo do que foi dito pelo estimado Jorge Portugal.

3- Ele afirmou que os professores contratados estão acostumados a ganhar bem, não aceitariam ganhar menos, pois lecionam em colégios de ponta.
Respeitando esse raciocínio, fica claro que o digníssimo professor diferencia os professores comuns daqueles que denomina “de ponta”.

O fato do profissional de ensino lecionar numa escola privada sugere que ele está mais capacitado do que quem leciona numa escola de periferia?
O que é um professor de ponta?
A afirmação de que “não aceitariam ganhar menos” sugere que a motivação dos supostos professores de ponta é totalmente financeira?
Onde está o compromisso desses profissionais com o aluno pobre, com as escolas que estão localizadas em regiões marginalizadas, de difícil acesso?
O que o povão pode esperar dos professores de ponta?
De que forma eles podem contribuir efetivamente para renovar uma educação caótica, que ressalta bem a pobreza cultural que hoje domina o Brasil?

Vale a pena refletir sobre tais questões, pois elas são bastante sérias e merecem a atenção de todos.

4- As afirmações de Jorge Portugal são lastimáveis demais!

Faz algum sentido alguém considerar os professores das repartições privadas mais capacitados que os outros professores?

Esses supostos professores de ponta atendem um público que pode pagar, portanto ensinam para a minoria rica da população.
Isso os torna piores ou melhores que os outros?
Eles merecem ganhar muito mais que os professores que pertencem à rede estadual de ensino?

5- Registro aqui minha total indignação e revolta em relação a esse pensamento sem estar apenas teorizando sobre o assunto.

Algumas pessoas, que comentam o tema, ficam o tempo todo em seus berços esplêndidos, porém essa não é a minha realidade.

Devo revelar que ensino num colégio pobre de Salvador localizado num bairro periférico da cidade.

Os professores de ponta encontram, para ministrar suas aulas, todos os recursos mínimos, as condições básicas possibilitando um bom trabalho.
Os professores são bem remunerados.

Os outros professores, os que, segundo Jorge Portugal, não são de ponta, enfrentam outras condições.
Para dar suas aulas, devem o tempo todo lutar contra um sistema que várias vezes não fornece merenda escolar, não fornece salas sem goteiras nos telhados, não fornece iluminação, não fornece material para escrever no quadro branco da sala, não impede as ameaças de determinados alunos que enveredaram pela via criminosa...

6- Enfim, os professores destacados por Jorge Portugal estão na ponta dos ganhos salariais, porém os outros valorosos profissionais do ensino, a maioria, estão na ponta dos problemas contínuos, variados, crescentes e preocupantes.

Na hora de receber o salário, a nossa remuneração é indigna.
Por quê?
Por que devemos receber sempre migalhas salariais?
Por que não podemos fazer greve?
Por que não podemos expressar nossa indignação e revelar o descaso mais o desrespeito do qual somos vítimas?

Quanto aos professores de ponta, eu compreendo bem a situação deles.
Segundo Jorge Portugal, eles não aceitariam ganhar menos, enfim, eles jamais aceitariam fazer eventuais sacrifícios pensando no estudante pobre.
Eles não conhecem nada do cotidiano duro que alcança a maioria dos nossos estudantes.

Confesso que, na minha modesta posição, não sei onde posso encontrá-los para efetuar um diálogo saudável, para ter um intercâmbio enriquecedor com pessoas tão ilustres.
Imagino que tais professores devem residir em locais especiais, afastados do burburinho humano.
Talvez eles morem num estado diferente ou num país diferente ou até noutro planeta mais adequado à condição deles.

Afinal de contas, eles são professores de ponta!

Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 09/07/2012
Reeditado em 11/07/2012
Código do texto: T3767877
Classificação de conteúdo: seguro