USP, Cracolândia, Pinheirinho: o que aprender?
Wilson Correia
Em 1749, amparado em sua própria “luz natural”, então defendida como atributo universal do gênero humano, Rousseau negou, perante a Academia de Dijon, França, que o “restabelecimento das ciências e das artes”, suplantando a medieva teologia, tivesse contribuído “para purificar” os “costumes” humanos.
De fato, parece mesmo que a tal perfectibilidade humana, presente no Ocidente desde Platão, não só não seguiu os passos das ciências e das artes, como se demonstrou, ainda, em descompasso com o refinamento filosófico e tecnocientífico da Modernidade.
Um exemplo é a tecnologia de ponta que produziu a bomba atômica, “capaz de matar centenas de milhares literalmente de um só golpe”, segundo Adorno, mas que é pífia face aos avanços tecnocientíficos que hoje, pleno século XXI, podemos verificar em nossa vida mais comezinha.
No entanto, o movimento de “acerto de contas” no sentido de verificar se a melhoria do ser humano passa pelo desenvolvimento da ciência, das artes e da filosofia não pode deixar de inquirir, também, a religião.
A respeito dela, Bertrand Russell afirma: “Minha opinião acerca da religião é a mesma que a de Lucrécio. Considero-a como uma doença nascida do medo e como uma fonte de indizível sofrimento para a raça humana”, razão pela qual ela teria trazido à humanidade apenas as técnicas de fixação do “calendário” e do registro de “eclipses”.
Parece, então, que a tal perfectibilidade humana depende de outra coisa. Seria essa outra coisa o tão propalado senso ético? Seria isso a tal consciência moral?
Talvez sim. É o senso ético que, sob o gatilho da preferência, leva o humano ao senso do valor das coisas, o que, no entanto, não depende de “progressos” científicos, “refinamentos” artísticos, “acuidades” filosóficas ou “angelismos” religioso-teologais.
O senso valorativo parece brotar de outro campo, o qual, quando não viçoso em uma racionalidade meramente instrumental, propicia a emergência de bárbaros altamente ilustrados em nosso meio, junto a nós, do nosso lado, contra nós.
Não por diletantismos egóicos apenas, mas, sim, porque esses espíritos embrutecidos são, na raiz, inimigos da vida, da democracia e do companheirismo entre os homens e as mulheres que habitam este nosso mundo. E parece não haver direitos humanos nenhuns que consertem esse desatino.
Para saber sobre isso não é preciso ir a nenhuma insigne academia. Basta ouvir os estudantes da USP, os seqüestrados pelas drogas na Cracolândia e os espezinhados ex-moradores de Pinheirinho.
Com esses sujeitos sociais, sim, talvez seja mais viável o aprendizado a respeito de nossa (in)consciência sobre as humanas preferências valorativas.