As muitas Amy Winehouse
A morte da cantora inglesa Amy Winehouse no sábado passado desencadeou uma série de matérias em jornais, sites e TVs do mundo inteiro. Todas elas praticamente trouxeram a mesma abordagem, uma vez que, assim como o reconhecimento pelo seu trabalho musical era quase uma unanimidade, era pública a decadência da sua vida pessoal.
Amy e todas as pessoas que, como ela, mergulham no submundo do álcool e das drogas assinam uma espécie de termo de ciência da própria tragédia anunciada. O que muda é apenas o histórico de cada um, as suas dores, traumas e motivações para essa viagem com passagem só de ida.
Não há qualquer poesia na morte prematura de artistas famosos e talentosos como a cantora inglesa. A sua partida trouxe à tona a enigmática "morte aos 27 anos", que também levou outros ícones da música, como Janis Joplin, Jimi Hendrix, Jim Morrison e Kurt Cobain. Todos eles poderiam perfeitamente ter chegado a um momento ainda mais maduro de suas carreiras, como tão bem o fez o beatle Paul McCartney.
Fato é que todos os dias, nos quatro cantos do planeta, jovens como Amy Winehouse morrem em consequência do alcoolismo e do vício nas drogas. Estes anônimos, no entanto, não vão deixar para a história CDs e DVDs gravados; músicas que serão cantadas e regravadas décadas depois; biografias póstumas e milhares de reportagens especiais. Eles, se muito, terão um túmulo com nomes e datas de nascimento e morte, já que tantos se vão como moradores de rua, a serem sepultados em valas comuns.
Como na história de um dos clássicos do cinema mundial - "O Sétimo Selo", todos os anônimos e famosos que se enveredaram e enveredam pelo estreito caminho do alcoolismo e das drogas jogam Xadrez com a morte sem qualquer noção do jogo. Para quem não conhece essa obra do diretor sueco Ingmar Bergman, lançada em 1957, ela conta a história de Antonius Block, um cavaleiro medieval que regressa das Cruzadas e se vê diante da sentença que, através da peste negra, praticamente condena ao fim a Europa do século 14.
Ceifado de esperança e de fé, Antonius encontra no caminho de volta para casa um carrasco implacável: a morte. Personificada em um homem de manto e capuz negros, ela deixa claro para o cavaleiro moribundo que o seu destino não será diferente dos demais. O pobre humano, tomado por uma centelha de amor à própria vida, propõe um último e decisivo jogo de Xadrez com o seu algoz. Como suas duas únicas exigências, o cavaleiro propõe uma trégua enquanto o jogo durar e, em caso de sua vitória, a morte deve deixá-lo em paz.
A humanidade tem sido tomada por angústias sutis e escancaradas que, aos poucos, vai dissolvendo e consumindo os seus mais nobres propósitos. O álcool e as drogas são alguns de seus ingredientes mais corrosivos.
Ao escolher o Xadrez como a forma da sua personagem desafiar "alguém" tão poderoso, Ingmar Bergman usa o jogo como um símbolo da razão, da luz capaz de organizar as ideias e dar um sentido à vida. Amy Winehouse e todos os que se foram como ela deram as costas à razão; arriscaram todas as suas fichas na roleta russa - um jogo que, ao contrário do Xadrez, requer apenas espírito de aventura, emoção a flor da pele e muita sorte.