Hebreus 9:27 nega a reencarnação ou a ressurreição?
Ressurreição X Reencarnação em Hebreus 9:27
Hebreus, capítulo 9, verso 27: “E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo”.
Comentário(s): Este trecho é parte integrante do dogma que institui a figura de Jesus como o cordeiro de Deus, que morreu para salvar o mundo, remindo os pecados da humanidade através de Seu sangue derramado na cruz. Um meio de se perpetuar, de forma representativa, o holocausto pascal praticado pelos judeus de então e por muitas outras culturas da época. Um artifício para manter o vínculo com o judaísmo, o mitraísmo e demais religiões pagãs, ou seja, tornando o cristianismo atraente aos prosélitos destas crenças. Contudo, atendo-se tão somente ao trecho em questão, que, diga-se de passagem, não foge à regra do múltiplo sentido, nota-se o lançamento de outro dogma muito controverso: A ressurreição ou a reencarnação, dependendo da interpretação, pode ser um ou outro. Ressurreição ou reencarnação são dois dogmas bem distintos. A passagem em questão gera interpretações que criam a polêmica entre ambos os dogmas. Alguns entendem que esse trecho se refere à impossibilidade da ressurreição, que nada mais é que o corpo físico voltar à vida depois da morte, ou seja, a partir deste ponto vista, entende-se que o texto diz que a pessoa vive apenas uma vez a mesma vida, no mesmo corpo carnal, sendo impossível morrer e depois ressuscitar. Todavia, existe outra interpretação que afirma tratar-se da impossibilidade da reencarnação. A reencarnação é uma crença demasiadamente antiga, muito anterior ao advento do cristianismo e até mesmo do judaísmo. Trata-se de um dogma inerente às crenças espiritualistas, como, por exemplo: O espiritismo, o hinduísmo, o jainismo, a teosofia, o rosacrucianismo, a filosofia platônica, o cristianismo esotérico, etc. Muito comum no Oriente. A reencarnação é a pluralidade de vidas, que implica em o espírito ter várias vidas carnais, ou seja, sendo imortal o espírito, sobreviverá à morte do corpo físico, vindo então a nascer novamente – reencarnar – em outro corpo carnal, tempos depois do falecimento (desencarne) de seu último corpo material. Isto possibilita o retorno do espírito à vida carnal, sem ressuscitar. Muitos afirmam que este trecho fala claramente da impossibilidade da reencarnação. Portanto, têm-se duas interpretações díspares. A interpretação que nega a ressurreição é muito usual aos partidários da reencarnação. Por outro lado, a interpretação que nega a reencarnação é comum aos defensores da ressurreição.
Existem os que crêem na ressurreição e interpretam Hebreus 9:27 como negação à doutrina das vidas sucessivas (reencarnação), mas, por outro lado, existem os adeptos da reencarnação, que entendem Hebreus 9:27 como negação à ressurreição. Contudo, analisando sem proselitismos, Hebreus 9:27 possui uma tácita contradição com certos fatos narrados em outras passagens da Bíblia. Considerando Hebreus 9:27 como regra condenatória à reencarnação, a contradição surge ao se confrontar com as ressurreições narradas na Bíblia. Por exemplo: Segundo o Novo Testamento, Lázaro estava morto, com a decomposição cadavérica já iniciada, e fora ressuscitado por Jesus. Admitindo-se que ao homem é dado morrer apenas uma vez, Lázaro não poderia morrer novamente depois de ressuscitado, pois isto violaria Hebreus 9:27, ou seja, Lázaro estaria vivo até hoje. Outros exemplos bem conhecidos de ressuscitados, conforme as narrativas bíblicas: O filho da viúva, ressuscitado pelo profeta Elias (I Reis 17:17-22), o filho da viúva da cidade de Naim, ressuscitado por Jesus (Lucas 7:11-15), a filha de Jairo, o chefe da sinagoga, também ressuscitada por Jesus (Lucas 8:53-55) e a discípula Tabita/Dorcas, ressuscitada por Pedro (Atos 9:36-41). Conforme a interpretação natural de Hebreus 9:27, quem morreu uma vez não pode morrer outra vez, isto é, os ressuscitados bíblicos deveriam estar vivos até hoje; seriam imortais. A interpretação mais coerente para Hebreus 9:27 diz que não é possível morrer mais de uma vez na mesma vida (encarnação), ou seja, ab-roga a ressurreição. Esta interpretação é a mais coerente porque não existe nem uma prova histórica de alguém que tenha ressuscitado de verdade. Raciocinando logicamente, Hebreus 9:27 está certo, pois é impossível morrer mais de uma vez na mesma vida. Esta interpretação, ao nulificar a ressurreição, lança dúvidas sobre as ressurreições narradas na Bíblia: Será que elas ocorreram realmente? Será que os supostos ressuscitados estavam verdadeiramente mortos? A interpretação que nega a ressurreição – para Hebreus 9:27 – compatibiliza-se com a doutrina das vidas sucessivas, pois a reencarnação torna-se a única opção viável diante da impossibilidade da ressurreição. De fato, em uma interpretação imparcial, Hebreus 9:27 rejeita implicitamente a ressurreição, portanto, engana-se quem utiliza Hebreus 9:27 para negar a reencarnação, pois, na verdade, está negando a ressurreição (“E, assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo”; os “ressuscitados” já morreram uma vez, portanto...). Em suma, Hebreus 9:27 não aprova e nem desaprova a reencarnação, entretanto, invalida a ressurreição. Tal qual Hebreus 9:27, Jó 7:9-10 também nega indubitavelmente a ressurreição e não a reencarnação. Assim está escrito em Jó 7:9-10: "Tal como a nuvem se desfaz e passa, aquele que desce à sepultura jamais tornará a subir. Nunca mais tornará à sua casa, nem o lugar onde habita o conhecerá jamais". Portanto, segundo Jó 7:9-10 e Hebreus 9:27, a ressurreição dos mortos é impossível. Vale lembrar que a ressurreição é uma impossibilidade científica, principalmente quando o corpo já se decompôs totalmente, que é o caso das alardeadas ressurreições do fabuloso dia do Juízo Final.
Se utilizarmos a interpretação que nega a reencarnação ao se comparar o trecho em questão com outras passagens, como Mateus 11:14-15 e Mateus 17:10-13, por exemplo, detecta-se uma contradição.
Mateus, capítulo 11, versos de 14 a 15: “[14] E, se quereis dar crédito, é este o Elias que havia de vir. [15] Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”.
Comentário(s): Os dois versículos acima citados fazem parte de uma conversa de Jesus com os discípulos a respeito de João Batista, o anunciador. Ao ler todo o capítulo 11 do evangelho de Mateus, fica claro que o versículo 14 refere-se a João Batista como Elias. Interpretando Hebreus 9:27 como a negação da reencarnação, cria-se um problema de contradição com Mateus 11:14-15, pois sendo impossível a reencarnação, como explicar que João Batista era Elias, se este vivera muito antes daquele? E por que Jesus afirmaria que João Batista era Elias, que havia de vir, sendo impossível a reencarnação? Será que Jesus mentiu? Ou o versículo 14 é uma fraude? Entretanto, se Jesus afirmou que João Batista era Elias, significa que a crença na reencarnação era algo corrente naquela época, contudo, parece que existiam alguns que não acreditavam ou não entendiam, pois Jesus, logo em seguida, fala “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”.
O fato é que a contradição aparece quando se compara Hebreus 9:27 com Mateus 11:14-15, utilizando a interpretação que condena a reencarnação. No texto de Hebreus 9:27, o caráter tácito da rejeição à ressurreição possibilita dupla interpretação, todavia, Mateus 11:14-15 é bem explicito, não deixando margens para dubiedades ou sofismas. Em Mateus 17:10-13, as passagens são ainda mais claras e objetivas, impossibilitando quaisquer variantes interpretativas.
Mateus, capítulo 17, versos de 10 a 13: “[10] E os seus discípulos o interrogaram, dizendo: Por que dizem então os escribas que é mister que Elias venha primeiro? [11] E Jesus, respondendo, disse-lhes: Em verdade Elias virá primeiro, e restaurará todas as coisas; [12] Mas digo-vos que Elias já veio, e não o conheceram, mas fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim farão eles também padecer o Filho do homem. [13] Então entenderam os discípulos que lhes falara de João o Batista”.
Comentário(s): Estas passagens aludem nitidamente que João Batista era Elias. Está evidente, não há como dar outras interpretações, é óbvio. Contudo, existe uma pequena contradição interna, quando Jesus fala que Elias virá primeiro, utilizando o tempo futuro, e depois fala que ele já veio, utilizando o pretérito. Isto ficou um tanto confuso, mas não atrapalha, de forma alguma, o entendimento literal do texto, que impossibilita múltiplas interpretações. Os versículos 12 e 13 deixam bem claro, sem possibilitar duplas interpretações, que Jesus se referia à reencarnação e seus discípulos entenderam, ou seja, isto indica que a crença na reencarnação era comum entre os discípulos de Jesus, e, provavelmente, era uma crença bem difundida entre as demais pessoas daquela época, naquela região. Obviamente que a crença na reencarnação não era uma unanimidade, mas o fato de os discípulos de Jesus acreditarem, segundo a própria Bíblia afirma, é um indício de que muitas outras pessoas também acreditavam.
Mais uma vez, se forem feitas comparações entre Hebreus 9:27, lançando mão da negação da reencarnação, e Mateus 17:10-13, defrontar-nos-emos com a contradição novamente, tendo em vista que Mateus 17:10-13 não dá margens a interpretações que divirjam do que está escrito. O texto de Mateus 17:10-13 fala por si só.
Enfim, se realmente Hebreus 9:27 invalida a reencarnação, então por que existem passagens que a confirmam textualmente, como é o caso em Mateus 11:14-15 e em Mateus 17:10-13, e nas palavras de Jesus, segundo os respectivos evangelhos? São contradições bem visíveis, provenientes de textos dúbios, que, conforme a interpretação dada a um deles, podem ou não contradizer outros, que, por sua vez, talvez sejam integralmente exatos.
(Fonte: Livro QUIMERA em http://www.clubedeautores.com.br/book/41787--QUIMERA ou http://www.agbook.com.br/book/29473--QUIMERA)
Autor: Suriman B. Carreira
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